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Fã de Maradona e ciclista nas horas vagas: Artur Jorge, o técnico do Botafogo

Treinador português põe no topo as conexões interpessoais como base do grande momento no clube carioca e sonha com relação duradoura

Texto publicado na edição 1513, de julho de 2024

O hábito de quebrar o gelo pré-entrevista desta vez partiu do convidado. “Conheci a PLACAR porque minha mãe era dona de uma tabacaria, que aqui no Brasil seria mais uma papelaria, onde ela também vendia jornais e revistas. Me recordo da marca desde quando era um miúdo, bem pequeno mesmo, em Portugal”, relembrou, com simpatia, o mais novo treinador lusitano no futebol brasileiro.

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Aos 52 anos, Artur Jorge define seu desembarque no Botafogo em abril deste ano como “uma decisão tomada plena de ambição” e não esconde sua satisfação pelo bom trabalho que vive o ápice com a liderança do Brasileirão e a classificação às quartas de final da Libertadores. Ele também espera um amor duradouro.

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Até a ligação ousada do dono da SAF do Botafogo, o empresário americano John Textor, que atrapalhou a folga com a esposa em Paris, o nome de Artur jamais havia ecoado no Rio de Janeiro: “A intenção era que pudéssemos fazer uma chamada de vídeo, mas não foi possível, estava desajustado para a situação. Regressei a Portugal e foi então que Textor prontamente decidiu fazer uma viagem-relâmpago para jantar comigo e meu agente”, conta.

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O convencimento do projeto Botafogo vai muito além do campo: “Foi uma conversa em que colocamos à mesa tudo aquilo que somos e conhecemos. Claro, falamos também de futebol. Daquilo que era a vivência de um e do outro, mas essencialmente da nossa visão de desenvolvimento do clube”

Jorge é um homem calmo, de fala mansa e meticulosamente calculada. Com 34 jogos a frente do clube (20 vitórias, 7 empates e 7 derrotas, 65,6% de aproveitamento), o técnico já recuperou a autoestima do botafoguense, tão abalada pela derrocada no último Brasileirão. Ele admite satisfação com o trabalho realizado, mas logo trata de conter qualquer tipo de oba-oba.

Com a família na chegada ao Botafogo, no estádio Nílton Santos - Arquivo pessoal
Com a família na chegada ao Botafogo, no estádio Nílton Santos – Arquivo pessoal

“Temos ambição e determinação para chegar o mais longe possível, mas diria que aquilo que é o nosso grande compromisso é dignificar a camisa do Botafogo em cada jogo.”

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Após o encontro com Textor, de acordo com o próprio Artur, o interesse foi imediato e naquela mesa de jantar o acordo já estava selado. Ou melhor, encaminhado, pois ele ainda tinha alguns meses de contrato com o Braga. A imprensa portuguesa garante que ele seria desligado de qualquer forma do clube ao final da temporada, mesmo após o título da Taça da Liga, levar o modesto clube à Champions League e bater alguns recordes que pertenciam a Abel Ferreira no campeonato local, durante duas temporadas.

O Sporting Braga foi a casa de Artur Jorge durante quase toda sua vida. Nascido e crescido na cidade de pouco mais de 200 000 habitantes, teve a honra de defender os Arsenalistas como jogador e técnico. Ele é modesto, dentro de sua forma quase camoniana de se expressar. “Eu não preciso – e nem faz parte daquilo que é minha forma de ser – falar sobre o meu passado ou os meus feitos”, despista.

Nos temos de zagueiro, também com a camisa do Braga - Arquivo pessoal
Nos tempos de zagueiro, também com a camisa do Braga – Arquivo pessoal

O 11º jogador que mais vezes defendeu o Braga na história foi zagueiro. Não alcançou a honra de jogar pela seleção nacional, mas fez a carreira e se consolidou na elite.

A transição de atleta para técnico durou quatro anos, entre períodos de estudo e cursos de capacitação. “Me custou muito terminar a carreira de futebolista e não estava pensando no que seria dali para a frente. Na verdade, a minha paixão era de fato jogar futebol, poder competir, estar diariamente com os meus colegas. Era a melhor coisa do mundo, então passei quase que por um período de negação”, admite.

“A paixão de jogar futebol é de miúdo, de quando eu ia ao estádio com seis anos acompanhado dos meus pais. Hoje o trabalho de técnico é muito mais exigente. E solitário, também. Me faz depender muito mais de mim. Tenho uma paixão tremenda pelo treino, porque me faz ser capaz de liderar grupos de trabalho e me sentir completo.”

Nos tempos em que lia PLACAR na banca da mãe e frequentava estádios com o pai, o conterrâneo de Eusébio e Paulo Futre tinha como grande ídolo um sul-americano: o argentino Diego Armando Maradona. “Cheguei a viajar de comboio, muitas vezes dia e noite, para poder ver jogos dele no Napoli. São coisas que fazemos quandoadolescentes, outras vezes não tão adolescentes e já mais adultos, mas continuamos a fazer por paixão.”

Mais velho, Artur adquiriu um novo hábito: a pedalada. “A bicicleta é uma rota de fuga. É um gosto mais recente, que me leva a ter momentos para recuperar a sanidade, estar mais isolado, mais livre e poder encontrar a mim mesmo”, conta. “Tenho a companhia da minha mulher, andamos às vezes juntos, mas quase sempre vou sozinho mesmo para ter os meus momentos e encontrar uma paz de espírito necessária para tomar depois as melhores decisões.”

O até agora único troféu da carreira: a Taça da Liga de Portugal pelo Sporting Braga - Arquivo pessoal
O até agora único troféu da carreira: a Taça da Liga de Portugal pelo Sporting Braga – Arquivo pessoal

No Rio, ainda não pôde desfrutar do hobby como gostaria – culpa do insano calendário do nosso futebol, diz ele.

A carreira de técnico começou no Famalicão, time do distrito de Braga que hoje disputa a elite, mas à época estava na terceira divisão nacional. Artur Jorge relembra da experiência com orgulho e uma dose de frustração.

“O projeto andou lindamente, mas faltou fechar com chave de ouro”, recorda. Na ocasião, o time precisava de apenas uma vitória para subir para a Segundona, mas amargou um empate no último jogo. As experiências práticas são essenciais na vida de qualquer profissional, mas é preciso destacar que Artur é filho da tradicional escola portuguesa. Um projeto encabeçado há quatro décadas por Jesualdo Ferreira (ex-Santos) levou o estudo do jogo para as universidades lusitanas.

Surgiram novas vertentes, como o da periodização, trabalhada muito por José Mourinho, e cada vez mais os técnicos nascidos no país foram ganhando mercado. O jogo é dividido em quatro aspectos (técnico, tático, físico e mental), e Artur Jorge admite dar atenção especial ao último.

Com Carlo Ancelotti, uma de suas referências de treinador - Arquivo pessoal
Com Carlo Ancelotti, uma de suas referências de treinador – Arquivo pessoal

Para ele, o olhar humano e as relações interpessoais são fundamentais. Quando comandava o Limianos, modesto time das divisões inferiores, decidiu adquirir os equipamentos de treino do time. “Sou muito exigente, meticuloso, e o clube não tinha condições de investir no que eu via como necessário. Coloquei do meu próprio bolso para que os jogadores pudessem treinar, mas também comprei agasalhos, por exemplo, para que pudessem suportar o período de frio.”

Outro episódio marcante ocorreu quando treinava o Tirsense. “Em um Natal, tive a necessidade de levar dois atletas da base para a minha casa, porque não tinham sequer onde ficar. Eram dois jogadores da Guiné, Tomás Dabó e Piqueti”, conta. “O Natal é um período de reunião familiar, de estar com aqueles de que gostamos. Eu levei os dois para casa, pois não tinham família em Portugal.”

Antes de dar o salto e assumir o profissional do Braga, Artur Jorge trabalhou nas categorias de base da equipe, onde teve a oportunidade única de treinar o próprio filho. “Tivemos que ter a capacidade de separar o papel de pai e filho para que eu nunca invalidasse o sonho dele.” O filho carrega o mesmo nome e também seguiu a carreira de zagueiro. Aos 29 anos, atua no Farense, de Portugal, e chegou a vencer o time do pai no único duelo entre eles, no ano passado. Curiosamente, Artur Jorge, o filho, foi dispensado do Braga quando o técnico do time era Abel Ferreira.

Técnico botafoguense tem recuperado a autoestima do clube - Vítor Silva/Botafogo
Técnico botafoguense tem recuperado a autoestima do clube – Vítor Silva/Botafogo

Luís de Camões, poeta-herói da cultura portuguesa, disse certa vez que “as coisas árduas e lustrosas se alcançam com trabalho e com fadiga”. E assim é. Não há atalho para o que almeja o Botafogo de John Textor, e Artur Jorge tem ciência disso – afinal, foi o projeto a longo prazo que o convenceu a deixar a Terrinha.

O torcedor alvinegro ainda convive com o trauma causado por dois de seus compatriotas (Luís Castro desistiu no meio do Brasileirão rumo ao Al-Nassr, da Arábia Saudita, enquanto seu sucessor, Bruno Lage, não deixou saudades).

Ele garante, porém, que o casamento será forjado no amor, e não apenas uma paixão momentânea. “Pelo menos até dezembro de 2025 quero liderar o projeto Botafogo porque tem me dado imensa alegria. Tem me desafiado muito, também. Estou comprometido, é o único projeto que tenho em mente.”, garante.

Se depender de Artur Jorge, a Estrela Solitária terá sua companhia por um bom tempo.

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