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‘Endeusamento’, ‘miragem’, ‘jogador objeto’: o sincero discurso do campeão Diniz

Técnico do Fluminense voltou a fazer abordagens sensíveis sobre clichês na vida e no esporte, principalmente envolvendo reconhecimento

RIO DE JANEIRO – Fernando Diniz integra desde às 19h44 do último sábado, 4, um seleto hall dos técnicos campeões da Libertadores, mas deixa bem claro: não se deslumbra com a conquista. Na primeira entrevista após o aguardado título da competição continental, o técnico do Fluminense voltou a fazer abordagens sensíveis sobre clichês no esporte e na vida, principalmente envolvendo o reconhecimento do próprio trabalho. Diniz ainda minimizou o rótulo que carrega pelo estilo, o Dinizismo.

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Ele usou os primeiros seis minutos para falar abertamente sobre como vê os conceitos distorcidos na sociedade e até sobre o herói da final, John Kennedy, a quem usa como exemplo para talentos que ficam pelo caminho.

“Com relação ao que chamam de Dinizismo, a questão se veio para ficar… sim, veio para ficar enquanto eu ficar [no Fluminense]. Enquanto estiver trabalhando eu vou procurar seguir as minhas convicções. A minha maior convicção é conseguir fazer o máximo pelos jogadores”, iniciou dizendo, para começar a explicar se aguardava mudanças na carreira com a conquista.

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“Em relação ao Diniz de ontem, o de hoje e o de amanhã acho que o que fica é a gente sempre acreditar. Não considero que uma pessoa é um grande campeão só porque ganhou o título, não é esse o meu conceito de pessoa campeã. Já teve muitos caras campeões que não ganharam nenhuma taça, e gente com que trabalhei, que ganhou, mas não mereceu tanto assim. Para mim o campeão é quem não desiste, quem trabalha com honestidade, com coragem sobretudo. E se não tivéssemos vencido hoje, as pessoas poderiam falar assim: ‘ah, não ganharam de novo.’ Esses clichês meio fáceis de se fazer que nunca vão pegar em mim, absolutamente. Se não tivesse ia continuar trabalhar para ganhar na próxima fazer. E ganhando temos que acordar no outro dia e procurar melhorar porque a vida continua. Os campeonatos acabam e a vida continua, então temos que viver como a pessoa que vence na vida”, afirmou o treinador.

Diniz comemorou nos braços da torcida do Fluminense - Alexandre Battibugli/Placar
Diniz comemorou nos braços da torcida do Fluminense – Alexandre Battibugli/Placar

Diniz ainda foi franco ao admitir que a equipe poderia ter sido eliminada nas fases anteriores, quando enfrentou dificuldades para vencer os rivais, e chamou de “miragem” o conceito que torcedores ou pessoas de fora têm sobre o dia a dia de trabalho de uma equipe de futebol.

“Tenho muita admiração por aquelas [pessoas] que não desistem, muito mais do que pelas que ganham. Esse é o meu conceito de viver, o que passo aos meus jogadores. Isso aumenta as chances de ganhar, passo isso aos meus filhos para que não desistam e sigam melhorando. Campeão é quem melhora constantemente e consegue suplantar as críticas fáceis. Quem sabe o que se passa é só que está dentro, quem está fora vê uma miragem que acha que é a realidade, mas que não é. A realidade no mundo do futebol está quase toda submetida ao intramuros. Tem muita coisa que acontece que um resultado não apaga. A gente fica constantemente nesse lenga lenga de rotular pessoas como vencedoras e fracassadas. Esse é um conceito que atrapalha demais o futebol e a nossa sociedade. É quase que a mesma coisa de dizer que os que têm dinheiro são bem sucedidos e os que não tem são quase ninguém. Tenho o maior carinho e apreço pelo Boca, pelo Inter e nossos grandes adversários, poderíamos ter caído em todas as fases, mas chegamos e fomos campeões. Mas isso não desmerece os que passamos pelo caminho”.

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Perguntado se nutria algum tipo de incômodo por não ter conquistas de peso na carreira, ele comentou:

“As pessoas se incomodam muito mais do que eu. Não é o campeonato da Libertadores e outros que possa ganhar que vai fazer de mim alguém melhor, ou pior. Eu me considero um cara trabalhador. Trabalho muito e amo muito o que faço. Procuro ser um excelente marido, pai de família e amigo. E esses são os meus maiores títulos, não é levantar a taça. O futebol precisa ter mais esses títulos, não preciso de nenhum endeusamento. Pouco me interessa se as pessoas vão falar que entrei em outro patamar. São baboseiras. Não vou entrar em outro patamar por isso, ele será o mesmo. É importante ganhar, mas é um eufemismo. Eu sou a mesma pessoa, sou um cara que vou celebrar muito e na segunda-feira tenho trabalho duplo para fazer. Vou trabalhar e espero conseguir aprender com essa vitória do mesmo jeito que aprendi quando perdi”, afirmou.

O treinador ainda usou John Kennedy, novamente decisivo nos mata-matas com um gol marcado na prorrogação, para exemplificar como o futebol põe fim de forma precoce a talentos com problemas disciplinares. Diniz acredita que outros clubes teriam facilmente desistido do atleta, desde outubro com contrato renovado até 2026.

John Kennedy: de Xerém para conquistar a América – Kaio Lakaio/Placar

“Eu falei para o John Kennedy. Ele tem um poder de decisão grande, é um menino que acreditamos muito aqui. O John Kennedy é uma daquelas pessoas que o futebol perde aos borbotões. É um jogador desses que chegam precisando de muito afeto, muito carinho que o futebol não dá conta de absorver porque muitos usam o jogador como objetos em suas categorias de base. Ninguém olha para as suas carências afetivas e para o que preciso. Tenho como pilar central do meu trabalho olhar para os jogadores de maneira diferente. Acho que se fosse em outro lugar não teria conseguido ficado e fazer o gol do título. Um trabalho não só meu, pelo contrário. Todos acolheram e proporcionaram esse momento glorioso para ele e para o Fluminense”, concluiu.

Até a finalíssima, Diniz havia vencido apenas três títulos na carreira – o da Copa Paulista e da Série A-3 do Paulista, com Votoraty e Paulista, respectivamente, e o Carioca deste ano, contra o Flamengo.

Ele  é treinador há 14 anos e há pelo menos seis comanda equipes da elite do futebol nacional. Antes de surpreender no Audax, em 2016, quando levou a equipe à final do Campeonato Paulista, já chamava atenção pelo espírito competitivo e paternalista nos clubes no início da carreira.

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