Os Carnavais de Edmundo que os florentinos não se esquecem
Em 1998 e 1999, o 'Animal' viajou para curtir a folia no Rio e enfureceu dirigentes, torcedores e companheiros de Fiorentina
Entre 1998 e 1999, a Fiorentina, da Itália, teve um dos trios de ataque mais poderosos do planeta, formado pelo português Rui Costa, pelo argentino Gabriel Batistuta e pelo brasileiro Edmundo. A passagem do ‘Animal’ por Florença, no entanto, foi marcada mais por polêmicas do que por gols, especialmente nos meses de fevereiro. O motivo: o Carnaval carioca, do qual não abria mão de participar. A primeira ida de Edmundo à Sapucaí foi destacada em matéria na edição de abril de 1998 de PLACAR.
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Na época, Edmundo mal havia chegado à Itália e já queria ir embora. Contratado com status de estrela após campanha espetacular pelo Vasco, campeão brasileiro de 1997, ele se surpreendeu ao perceber que não seria um titular absoluto logo de cara e teve problemas de adaptação. Reclamou que tudo na Capital do Renascimento tinha “cara de velho” e lamentou a ausência de “mar no lugar das montanhas” que o cercavam. A relação conflituosa com Luís Oliveira, meia maranhense naturalizado belga também era um entrave.
Há poucos meses da Copa de 1998, Edmundo pegou suas coisas e voltou para o Rio justamente durante o Carnaval. Tentou forçar sua saída, o que não ocorreu, e ouviu do técnico Zagallo que poderia ficar de fora do Mundial da França por sua indisciplina. Contrariado, teve de voltar à Fiorentina e aparar as arestas com jornalistas, torcedores e colegas.
Em 1999, foi além: retornou para o Carnaval numa época em que Batistuta estava machucado e a Fiorentina brigava pelo scudetto que não conquista desde 1969. Defendeu-se dizendo que, por contrato, estava liberado para curtir a folia. O time acabaria com o vice e os florentinos jamais o perdoariam, bem como Batistuta, uma lenda em Florença, que se disse “traído” pelo brasileiro. Ao fim daquela temporada, Edmundo partiu rumo ao Vasco e Batigol para a Roma, onde, enfim, conseguiu ser campeão italiano.
Edmundo deixou a Viola com 16 gols em 48 jogos e diversas confusões. Confira, na íntegra, a reportagem de Christian Carvalho Cruz, direto de Florença, na edição de abril de 1998.
Correndo atrás do prejuízo
Para não perder a vaga na Copa, Edmundo está de volta à Fiorentina e encara até a reserva
Por Christian Carvalho Cruz, de Florença
Foi o champanhe mais amargo que já se tomou na cidade italiana de Florença. Na mansão do todo-poderoso Vittorio Cecchi Gori, presidente da Fiorentina, o anfitrião estava reunido com os jogadores do clube, distribuídos em meia dúzia de enormes sofás brancos. Canapé vai, refrigerante vem, é hora das formalidades. O dirigente começa cobrando a classificação do time para a Copa da Uefa. Depois, fala qualquer coisa sobre “esquecer o passado” e, finalmente, pega dois copos de champanhe. Gori quer ter a honra de promover o brinde de reconciliação entre Luís Oliveira, atacante brasileiro naturalizado belga, e o convidado especial da noite, Edmundo. “Foi constrangedor,” conta o meia russo Kanchelskis. “Oliveira parecia bravo, nem levantou o rosto.”
Edmundo percebeu que, depois de enfiar o pé na jaca, a sua volta ao clube italiano não iria ser fácil mesmo. Em fevereiro, ele abandonou o time por não aceitar a reserva, voltou ao Brasil em nome de uma vaga na Seleção (coincidentemente na época do Carnaval, o que pegou mal) e ainda mandou suas farpas contra Oliveira, um dos ídolos locais. “Ele é um cara estranho, que até esqueceu como se fala português”, chegou a dizer Edmundo, que, agora, tilintava taças de cristal com o desafeto. A cara fechada do ex-camisa 10 do Vasco não era de constrangimento. Era de sono mesmo.
Naquele dia 16 de março, ele acabara de chegar do Brasil, após enfrentar onze horas de vôo e mais três de carro. Sem conseguir a sonhada liberação da Fiorentina para recomeçar a vida no futebol brasileiro e, pior, ameaçado pelo técnico Zagallo de perder lugar na Seleção por causa da sua indisciplina, Edmundo engoliu o sapo e estava em Florença outra vez ” disposto a qualquer sacrifício. “Quero disputar a Copa pelo Brasil e, depois, ser o melhor jogador do mundo”, explica o Animal. “Só que quando vencer o meu contrato em 2001, vou embora. O Rio de Janeiro é muito melhor.” Há quem aposte que Edmundo ficará na Fiorentina só até a convocação da Seleção para a Copa da França. Se for chamado, volta para o Brasil em julho. Se não for, desembarca em junho mesmo.
No dia da segunda chegada de Edmundo, quando quase 300 pessoas o aguardavam na porta do Estádio Artemio Franchi, os italianos já mostravam como encaravam a novela do vai-e-volta do jogador. Antes da entrevista coletiva de reapresentação, o assessor de imprensa da Fiorentina avisou que o atacante só falaria por cinco minutos. Depois iria embora. “De avião?” “Por quê? É carnaval de novo no Brasil?”, brincavam os jornalistas. Lá fora, uma faixa pendurada nas grades externas do estádio dizia: “Edmundo, não seja criança. Volte. Costoli precisa de um salva-vidas”. (Costoli é uma grande piscina que fica atrás do Artemio Franchi.)
Edmundo vai contabilizando os prejuízos. “Antes, nos treinos, os torcedores aplaudiam toda vez que eu pegava na bola”, lembra. “Agora que voltei, só quando faço gol.” Seu nome continua todos os dias no jornais, mas sem as exaltações da primeira passagem e acompanhado de adjetivos como pentito (arrependido), ribelle (rebelde) e pazzerello (maluquinho). A ironia é que, no período em que Edmundo ficou pelas praias cariocas, Oliveira foi suspenso por duas partidas e o supertitular Batistuta, convocado para um amistoso da Seleção Argentina, não pôde jogar. Ou seja faltou atacante para o 4-3-3 do técnico Alberto Malesani, que precisou improvisar o lateral Serena na frente. Era a chance que Edmundo tanto queria para mostrar o seu futebol.
Se serve de consolo, o gelo que ele imaginou receber dos colegas não foi tão explícito. O meia português Rui Costa convidou Edmundo para almoçar. Ex-jogador do Benfica, de Portugal, o volante sueco Schwarz se prontificou a ajudá-lo para traduzir uma ou outra frase do técnico. Oliveira? Nos primeiros treinos, o belga-brasileiro não quis saber de papo. Os dois nem se olhavam. Da outra vez acontecera o mesmo. Edmundo esperava mais hospitalidade do meio-conterrâneo. “Ele podia ter me mostrado a cidade, os restaurantes”, chegou a reclamar, enquanto estava no seu auto-exílio no Rio de Janeiro.
“Não mostrei porque ele não me pediu. E, se pedisse, não teria feito isso, pois sou um profissional sério e vou direto do clube para casa, cuidar da minha família.” A resposta é de Luís Oliveira Barroso, 28 anos, maranhense que está há treze anos na Europa e deve defender a Seleção Belga na Copa. Ele nega qualquer briga explícita com Edmundo. Diz não estar preocupado com a imagem de quem não fala mais português. “Eu esqueci muita coisa mesmo. Há seis anos só falo italiano. È normale”, explica Oliveira.
No domingo, dia 22 de março, a Fiorentina enfrentou o Bologna, pelo Campeonato Italiano. Edmundo sentou no banco, todo emburrado, até ser chamado pelo técnico para entrar em campo. Teve direito a 25 minutos apenas e mostrou a que veio. Não foi uma jornada fabulosa, mas enfiou uma bola entre as pernas do adversário, fez uma inversão de jogo que levantou a torcida e, veja como ele não guarda mágoas, deu um fenomenal passe de calcanhar que deixou Oliveira na cara do gol. O amigão não fez o gol ” e também não passou uma única bola para Edmundo.
“Se fizer metade do que fez no Campeonato Brasileiro, Edmundo será rei na Itália até junho”, espera seu procurador Pedrinho Vicençote. Mas, arrebentar dentro de campo, depende da adaptação ao novo país. E Florença versus Edmundo parece ser uma briga que está apenas começando. O Animal acha que em Florença, cidade com mais de 2 000 anos, tudo tem “cara de velho”. “Para encontrar uma casa mais moderninha para morar foi difícil.”
Ciente de possíveis problemas, a Fiorentina está lhe dando tudo. Por 5 000 dólares mensais, o clube alugou uma supercasa em Bagno a Ripoli, povoado sossegado que fica a 15 minutos de Florença. O local tem quatro quartos, churrasqueira, adega (vazia, por enquanto), mesas de pebolim e pingue-pongue, dois carros na garagem (um Mercedes e um Fiat Bravo) e até uma cama elástica. Edmundo não precisa gastar um tostão se quiser, é só devolver tudo quando for embora. Mesmo assim, ainda não está bom. “Se tivesse um marzão aqui no lugar dessas montanhas eu estava feito”, suspira. A água salgada mais próxima fica a 80 quilômetros, em Viareggio, às margens do Mar Tirreno.
Um problema menor está no idioma. O encarregado de garantir a comunicação será o “brother” Helinho, que se matriculou num curso intensivo no Brasil. Nos primeiros três meses, será Helinho a única companhia de Edmundo. A mulher do jogador, Adriana, está grávida de dois meses e não deve ficar indo e voltando a toda hora. Pedrinho Vicençote aparecerá uma vez ou outra para trazer feijão, CDs e roupas. “Não tive tempo de arrumar a mala direito quando saí do Brasil”, explica Edmundo. “Fiquei até as 4 da manhã num trailer com os amigos e só acordei ao meio-dia, quando já devia estar no aeroporto.” Edmundo assegura que não dá as caras no Brasil antes das férias de junho. “É melhor ficar sozinho”, afirma o jogador. “Como não tenho nada para fazer, durmo cedo e o tempo passa mais rápido.”
Animal por animal, Oliveira gosta mesmo é de Illy, um falcão que ele cria em sua casa. “O Illy almoça um pintinho morto por dia”, informa. Há treze anos na Europa, o maranhense Oliveira está bem adaptado ao Velho Mundo. “Quando estou no Brasil, sinto saudade da Itália e fico só uma semana fora”, afirma.