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Os bastidores da proposta irrecusável dos Estados Unidos a Pelé há 48 anos

Em maio de 1975, PLACAR narrava detalhes de como o Cosmos convencia o Rei do Futebol a jogar no país - roteiro também repetido por Lionel Messi

Reverberou mundialmente na última quarta-feira, 7, a informação sobre o futuro do craque argentino Lionel Messi. Ele já decidiu: jogará no Inter Miami, dos Estados Unidos, repetindo roteiro parecido com os passos finais de ninguém menos que Pelé, com passagem pelo Cosmos entre 1975 e 1977.

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A edição de número 270 de PLACAR, publicada em 30 de maio de 1975, à época com periodicidade semanal, estampava exatamente esse tema logo em sua capa: “Pelé, o novo adeus”.

A matéria assinada pelo repórter Aristélio Andrade contava bastidores de como o New York Cosmos conseguiu convencer o Rei do Futebol a, enfim, aceitar oficializar o que chamava de “namoro plantônico” de longos anos, iniciado durante a final da Copa do Mundo de 1970, com direito a encontros em dezenas de cidades do mundo até março de 1975, momento em que as partes começaram a falar sobre valores.

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Segundo a reportagem, o acordo foi fechado por um contrato de dois anos e meio de duração, rendendo a Pelé quatro milhões de dólares, livre de impostos. Ele ainda poderia indicar a contratação de ex-companheiros e receberia tratamento digno de majestade.

Entre os recursos usados na proposta, os executivos da Warner sensibilizaram Pelé com cartas de crianças americanas, uma delas assinada pelo filho do vice-presidente e gerente-geral do Cosmos, Clive Toye. No pacote, havia outra carta assinada pelo prefeito de Nova York, além de promessa de honras só prestadas a chefes de estados.

“Os mais íntimos amigos de Pelé defendem uma tese: ele realmente pediu alto demais, justamente para que não aceitassem. Seria uma forma de afastar seus apaixonados admiradores, sem dizer não”, explica em um trecho.

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Pelé, jogando pelo Cosmos em 1976
Pelé jogando pelo Cosmos em 1976

A projeção do Cosmos era transformar por completo a imagem do clube e da cultura americana sobre o esporte, desbancado pelo beisebol. O crescimento de público alimentava expectativas a ponto de o estádio para 23.000 pessoas ser trocado por outro com capacidade para 75.000. O ingresso, de quatro dólares, passaria a custar 20. Nos jogos, sorteios de carros a férias em Acapulco.

Pesaria no acordo o fato da Warner poder explorar a imagem de seu novo astro, sua principal marca, de maneira ilimitada em comerciais, produtos, campanhas, aparições em espetáculos cinematrográficos, musicais e outras variadas opções.

Messi também aceitou, assim como Pelé. O convencimento do sete vezes Bola de Ouro e melhor jogador da última Copa passou pelo empresário americano de origem cubana Jorge Más e de um desejo do próprio jogador há, pelo menos, três anos – quando comprou uma casa no país.

“Business is business” (negócio é negócio, em tradução livre do inglês), dizem os americanos. Confira a reportagem na íntegra:

O penúltimo adeus

Aristélio Andrade

Business is business, dizem os americanos. Negócio é negócio, concorda Pelé. E lá se vai ele jogar bola nos States.

O termo “adeus” é mesmo muito definitivo. E todo homem tem o direito de mudar a sua opinião quando são outras as circunstâncias. O adeus de Pelé ao futebol continua valendo, para o público dos nossos estádios. O que o New York Cosmos quer não é exatamente o craque que nos fez falta  na Copa de 74, mas o mito capaz de desenvolver nos americanos o gosto pelo futebol. E, como mito, Pelé já não tem serviços a prestar ao Brasil. Que preste ao mundo, integrando tão grande mercado ao sistema do futebol

O namoro de quatro anos esquentou de repente, quando o Cosmos fez a sua irrecusável proposta  de casamento

Como nos filmes da Warner Bros., o longo romance entre Pelé e o New Yoirk Cosmos deve chegar a um happy end. Tudo começou nos coloridos cenários da Jamaica, em 1971. O namoro platônico iniciado na final da Copa de 1970, quando os diretores do clube americano assistiam ao jogo Brasil 4 x 1 Itália, virou paixão incontrolável no primeiro encontro na paradisíaca ilha das Antilhas.

Depois da Jamaica outros encontros houve: Roma, Marrocos, Nova York e mais uma dezena de cidades até Bruxelas, em março de 1975, quando aconteceu a declaração, menos amorosa que seria lícito desejar: “Quanto você quer para jogar pelo nosso time?”. Na ocasião, Pelé não disse sim nem não. Ouviu, sorriu, abrindo o sinal verde para início das conversações. Aí o namoro pegou fogo.

A partir do momento em que os americanos criaram uma espécie de ponte aérea Nova York-São Paulo (para Santos iam de carro), começaram as especulações em torno do assunto. Na verdade nunca foi dito o quanto Pelé exigiu para jogar pelo Cosmos e nem quais as outras pretensões. Fala-se num contrato de dois anos e meio e pelo qual Pelé receberia quatro milhões de dólares, livres de impostos.

Fala-se, também, que Pelé exigiu que o Cosmos levasse para jogar com ele alguns de seus companheiros do Santos. Toninho seria um deles. Na verdade não sabe ao certo quais as reivindicações feitas pelo jogador. O que se sabe é que o New York Cosmos aceitou-as e não colocou obstáculos para a contratação.

O importante na longa novela foram os escrúpulos de Pelé em retornar a um campo de futebol depois de sua despedida em outubro do ano passado. Como aceitar um convite para jogar nos Estados Unidos quando ele se negou a atender apelos para jogar pela seleção brasileira depois que dela se despediu em junho de 1971? Em compensação, como recusar um convite depois de ver satisfeitas todas as suas exigências?

Os mais íntimos amigos de Pelé defendem uma tese: ele realmente pediu alto demais, justamente para que não aceitassem. Seria uma forma de afastar seus apaixonados admiradores, sem dizer não. No entanto, parece que Pelé, em sua estratégia, calculou mal a importância de quem o queria, até na semana passada, depois de empenhar-se seriamente num treino com os jogadores do Santos, ele praticamente se dava por vencido: “Esses caras – referindo-se aos americanos que estavam reunidos com seus assessores nos escritórios das Empresas Pelé – não me me ganharam por nocaute, mas perdi por pontos”.

Quase chantagem

E para derrubar as últimas resistências de Pelé, o New York Cosmos mobilizou os maiores recursos de que se tem notícia na história do futebol. Além de uma confessada perseguição por várias cidades do mundo, mandaram ao Brasil alguns dos principais executivo do Cosmos e da Warner Communications Inc., superempresa que funciona como holding de mais de 300 outras de grande, médio e pequeno porte – e que cuida dos interesses do Cosmos.

Usaram outros recursos capazes de sensibilizar Pelé. Clive Toye, vice-presidente e gerente-geral do Cosmos, trouxe uma coleção de cartas de pequenos fãs americanos, inclusive uma de seu filho, Robert, de nove anos, na qual o menino dizia do seu desejo de ver e torcer por Pelé com a camisa do Cosmos: “E se você tiver dificuldade em arranjar lugar para morar, eu cedo o meu quarto de dormir para você”.

Trouxe também uma carta assinada pelo prefeito de Nova York, expressandro a honra da cidade em receber tão ilustre cidadão do mundo. Além da carta, uma promessa: Pelé será recebido em Nova York com honras só prestadas a um chefe de estado ou astronauta pioneiro, incluindo-se batedores, bandas de música e chuva de papel picado.

Mexem, também, com outros tipos de sentimentos. Por exemplo, a recusa de Pelé significaria uma frustração do sonho de colocar o futebol nos Estados Unidos no mesmo nível de popularidade do beisebol. E é justamente na concretização desse sonho que os empresários americanos estão investindo; além, é claro, de todos os lucros futuros que dele poderão vir.

Clive Toye acredita no futuro do futebol dos Estados Unidos. Calça suas esperanças com números:

– Em 1971, quando o New York Cosmos disputou pela primeira vez o campeonato da North American Soccer League, eram apenas seis times. Hoje são vinte em quatro divisões: Norte, Leste, Central e Oeste. Tínhamos um público médio de 1.500 pessoas – e nós achávamos que era sensacional. Hoje, o público está em torno de 20.000 pessoas e com o Pelé teremos de mudar de estádio.

Atualmente, o futebol em Nova York é jogado num pequeno estádio da municipalidade, com capacidade para 23.000 pessoas. Dentro dos projetos do Cosmos está a mudança para o Estádio Ianque, com capacidade para 75.000. Outro detalhe é o preço do ingresso. Agora, sem Pelé, o ingresso médio é de 4 dólares. Com ele, sem constrangimento, poderiam cobrar 20 ou mais.

A publicidade em torno dos jogos do Cosmos também poderia ganhar uma outra dimensão com a contratação de Pelé. Agora, para aumentar o público e o interesse dos jovens pelo futebol, há uma espécie de concurso: nos intervalos são sorteados os possuidores de entradas numeradas. Os sorteados vão a campo e cobram uma série de pênaltis. O vencedor ganha um carro Toyota e férias em Acapulco. Há prêmios até o sétimo colocado, do aparelho de tevê colorida até os secadores de cabelos e minicalculadoras.

– O espaço dado nos jornais de Nova York ao futebol cresceria muito. Cada ano que passa ganhamos alguns centímetros. Com Pelé, com certeza ganharíamos pelo menos uma página.

Mas o que ajudou a movimentar a máquina no sentido de se contratar Pelé foi a péssima colocação que o Cosmos tirou no campeonato de 1974.

– Em 1971 tiramos um terceiro lugar. Em 1972 fomos campeões. Em 1973 ficamos novamente em terceiro. No ano passado, nem me lembro em que lugar o Cosmos chegou.

Há um outro detalhe que foi levado na devida consideração pelo pessoal da Warner Communications: a Copa de 1970 foi vista por 25.000 americanos através da televisão; em 1974, o número passou para 500.000. E um dos mais promissores negócios da Warner é justamente a cable communications, isto é, tevê através de cabos. E quem explica o que vem a ser isso é o arquiteto Rafael de La Sierra, um cubano naturalizado americano e um dos principais executivos da Warner:

– A tevê por cabos está apenas começando. Sua utilização é praticamente ilimitada. Sem sair de casa o assinante de nossos serviços pode fazer praticamente tudo, ou ver. Poderá selecionar o programa predileto, comprar o que bem entender, consultar-se com qualquer médico, ou ver Pelé jogando pelo New York Cosmos em qualquer jogo gravado por nós, com exclusividade.

Se o futuro da Warner Cable Communications é ilimitado, a utilização do nome Pelé também pode ser. A Warner domina centenas de empresas que poderiam muito bem utilizar a marca Pelé. Daí todos os cuidados que tanto Pelé e seus assessores como os experts da Warner estão tendo para a assinatura do contrato. A Warner mexe com gravadoras, editoras (a revista Mad é uma de suas publicações), estúdios cinematrográficos, teatro, espetáculos musicais e uma infinidade de outras atividades e em quase todas elas a marca Pelé cairia como uma luva, até mesmo na venda  de hambúrgueres e cachorro-quente – a Jack in the Box Hamburgers, uma das maiores empresas do gênero, é associada da Warner.

Vestir uma camisa verde-amarela, que não é da seleção brasileira e sim do Cosmos, deve ser o futuro de Pelé. Mudará de Santos. Passará a viver em Nova York – possivelmente na Rockefeller Center deverá instalar seus escritórios. Durante dois anos e meio, voltará à rotina de treinar – só que será na Hostra University e jogará por várias cidades dos Estados Unidos e Canadá (na Liga Americana estão incluídos times de Toronto e Vancouver).

Os companheiros

Voltará a jogar ao lado de seu amigo Manoel Maria e de um outro brasileiro, perfeitamente conhecido de nós: Jorge Siega, gaúcho, naturalizado americano e que nunca jogou futebol no Brasil. Terá como técnico um inglês, Gordon Bradley, ex-jogador cujo maior orgulho foi ter marcado Pelé quando era jogador e o seu time ter ganho por 5 a 3. Jogará com Sam Nusum (das Bermudas) e Jerry Sularz (polonês), goleiros; Ângelo Anastasio (de Nassau), Omar Caetano (uruguaio), Luís de La Fuente (espanhol), Barry Mahy (inglês), Juan Manisk (uruguaio), Tony Picciano (argentino de nascimento e italiano de origem) e Werner Roth (iugoslavo de nascimento), jogadores de defesa; Julio Correa (uruguaio), John Kerr (canadense), Alfredo Lamas (uruguaio), Gil Mardarescu (romeno), meio-campistas; Tony Donlic (iugoslavo), Joe Fink (americano), Mark Leveric (iugoslavo), Manoel Maria (brasileiro), Américo Paredes (uruguaio), Jorge Siegas (brasileiro), atacantes. E disputará a camisa 10 com Carlos Scott, único boliviano do Cosmos. E terá seu nome ao lado de alguns tão famosos como ele: Alice Cooper, os Rolling Stones e Frank Sinatra, todos contratados da Warner.

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