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Na praia certa: Lúcio Flávio, um curitibano de alma botafoguense

Efetivado como técnico do Botafogo, ídolo alvinegro estrelou reportagem sobre identificação com o futebol carioca, em 2007, ao lado de Renato e Leandro Amaral

Lúcio Flávio estreou na última quarta-feira, 18, como técnico permanente do Botafogo, com vitória sobre o América-MG que manteve a equipe tranquila como líder do Brasileirão. O profissional de 44 anos tem grande identificação com o clube carioca. Meio-campista de sucesso nos anos 90 e 2000, o paranaense de Curitiba viveu o auge de sua carreira durante as passagens pelo Glorioso, entre 2005 e 2008 e 2009 e 2010. Em julho de 2007, Lúcio Flávio estrelou uma reportagem especial de PLACAR ao lado de Renato, do Flamengo, e Leandro Amaral, do Vasco. Em comum entre os rivais, o fato de terem deslanchado no futebol carioca após decepções por equipes de São Paulo.

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“Ele não brilha como Zé Roberto, não faz gols como Dodô, não é ídolo como Túlio… Mas Lúcio Flávio faz todos eles jogarem. No Botafogo, sente-se em casa, é enfim titular, dita o ritmo do time e aprendeu a ser regular”, definiu a reportagem de Flávia Ribeiro, intitulada “Na Praia Certa”.

Pelo Botafogo, Lúcio Flávio conquistou dois títulos cariocas (2006 e 2010) como jogador. Agora na nova função, herdada após a surpreendente demissão do português Bruno Lage, de quem era auxiliar, ele tentará colocar fim ao jejum do Glorioso de 28 anos sem título do Campeonato Brasileiro.

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O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um dos tesouros de nossos 53 anos de história, reproduz na íntegra a reportagem de 2007, abaixo:

Na praia certa

Eles viveram o inferno em São Paulo. Mas bastou pegar a ponte aérea para Lúcio Flávio, Renato e Leandro Amaral encontrarem no Rio de Janeiro seu paraíso

Flávia Ribeiro

Quando eles chegaram, os torcedores ainda estavam com o pé atrás. Os três tinham passado quase em branco por grandes times de São Paulo, sem repetir as atuações que, no início de suas carreiras, os transformaram em promessas. Parecia que não passariam disso. Mas, no Rio, renasceram para o futebol. Em pouco tempo, o paulistano Renato mostrou que tem a pele rubro-negra. O curitibano Lúcio Flávio descobriu que seu cérebro é alvinegro. O coração cruzmaltino do paulistano Leandro Amaral começou a bater mais forte. Os três se tornaram ídolos de torcidas cariocas ao se identificarem imediatamente com as cores e o estilo de seus clubes.

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“Cada um encontrou sua personalidade no respectivo clube. Isso foi fundamental. Alguns episódios só reforçaram essa identificação, como o Leandro fazer um monte de gols nos seus primeiros jogos no Vasco. Foi coincidência? Pode ter sido, mas aconteceu. O Renato é a cara do Flamengo, tem a pele mesmo. Já o Lúcio se encaixaria em qualquer dos quatro grandes do Rio”, diz Júnior, ex-jogador do Flamengo e da seleção brasileira e comentarista de futebol.

Para ele, a cidade também ajuda, se for aproveitada da maneira certa. Mas é difícil encontrar uma só explicação para um jogador não dar certo em São Paulo e obter sucesso no Rio. “O momento do time e o ambiente também são importantes, assim como a forma como ele chega, como é recebido. Às vezes nem tem explicação, são times de massa do mesmo jeito. Vai do atleta também. Ele tem que se colocar à disposição. Acho que, no caso do Rio, o clima ajuda, pelas suas características”, afirma Júnior. “Se o jogador quiser fazer da informalidade da cidade uma forma de lazer, é bom para ele. Mas pode atrapalhar se o cara abusar, for para o pagode toda madrugada. O Rio é uma cidade que te bota na seleção, mas também exige.”

Aos 29 anos, Leandro Amaral diz que procura aproveitar tudo o que o Rio oferece. Não deixa de levar os trigêmeos de 2 anos à praia em toda folga que tem e está fazendo aulas de surfe na praia da Macumba. Até no jeito de se vestir ele já aderiu ao estilo surfista: bermudões e camisas estampadas. “Amo São Paulo, mas a qualidade de vida daqui é melhor. Lá se aproveitam os bares, shows e restaurantes. Aqui, os bares, shows, restaurantes, a praia e a Lagoa. A toda hora você vê as pessoas na rua correndo, fazendo exercício, pegando sol…”, diz o atacante do Vasco, que nos sete meses em que está no Rio já visitou os principais cartões-postais, Cristo Redentor e Pão de Açúcar entre eles. “Quando jogava no Grêmio, nem desfazia a mala: era só ter uma folga e corria para São Paulo. Tudo mudou. Penso em morar definitivamente no Rio quando parar de jogar.”

Algo diferente acontece com Renato, que, em toda folga que pode, corre para o Aeroporto Santos Dumont e pega a ponte-aérea para São Paulo, onde moram os pais e os sogros. O caminho de seu apartamento na Barra da Tijuca até o aeroporto, aliás, é um dos dois únicos que o jogador sabe fazer ao volante no Rio. O outro é o de casa para a Gávea, onde treina diariamente. Nem ao Maracanã, onde joga semana sim, semana não, há dois anos, Renato chega sem ajuda. “Não sei qual túnel é o Rebouças, qual é o Santa Bárbara… Confundo tudo. Andar por São Paulo é muito mais simples para mim”, diz ele, que não teme engarrafamento, mas sente pavor das ondas da praia da Barra: “São muito perigosas! Só fui à praia umas quatro vezes desde que cheguei, e em todas fiquei agarrado na mão da minha filha, Karen. Ela só tem 4 anos, não pode se soltar”, comenta o meia de 29 anos, que também é pai de Rebeka, de apenas 1 mês.

A identificação do jogador é mesmo com o Flamengo, clube no qual é a representação máxima, hoje, da raça rubro-negra. Renato dá carrinho, corre, briga, discute com adversários, xinga, bate boca com companheiros. Acredita em todas as jogadas e, com um canhão no pé esquerdo, é um dos artilheiros do time. Tudo o que o torcedor do Flamengo gosta e quer. Tudo o que o torcedor do Corinthians também gosta e quer. Mas, enquanto esteve no Parque São Jorge, Renato amargou o banco de reservas na maior parte do tempo. “Aqui me senti mais confiante, me deram oportunidade de jogar. E caí rápido nas graças da torcida, fiz gol na minha estréia e outro logo no segundo jogo, contra o Botafogo, no Maracanã. Dei tudo de mim desde o início, fiz gols decisivos. Torcida gosta é disso.” Renato pretende morar em São Paulo quando se aposentar, mas não sabe se voltará a jogar na capital paulista. “Gosto de jogar onde me sinto bem.”

Lúcio Flávio acredita que o momento em que o jogador chega é fundamental. O dele foi perfeito: chegou no início do ano passado, com o time “azeitado”, e logo se viu disputando a final do Estadual. Mas contundiu-se no primeiro jogo da decisão, quando vivia um de seus melhores momentos, e teve que ver o segundo jogo das cadeiras. Quando apareceu no Maracanã, a aclamação foi geral, assim como em muitos jogos dos sete meses seguintes em que ficou se recuperando. “Já esperava que gritassem meu Nome – naquela final, já que tinha me machucado num bom momento, no jogo anterior. Mas não esperava que isso continuasse. Acho que a mesma dor que eu senti, o torcedor também sentiu.”

As passagens apagadas por São Paulo e São Caetano, entre outras equipes, Lúcio, de 28 anos, atribui a uma espécie de “síndrome dos seis meses”, que durou quase cinco anos. “Hoje, tendo um pouco de conhecimento e experiência, não faria certas coisas. Aceitava ser emprestado por seis meses para um time, sair, ir para outro por seis meses, sair de novo. Não havia continuidade. E, se você vai nessas condições e pega uma fase ruim do time, fica marcado. Então fiquei pulando de equipe de seis em seis meses. Com exceção do Paraná, onde joguei dos 10 aos 22 anos, só aqui no Botafogo senti tanta identificação e fiquei mais tempo. Na verdade, só um ano e meio, mas parecem muitos anos. Sinto que a torcida quer que eu fique. E eu quero ficar”, afirma o jogador.

O meia pensa muito antes de falar, assim como faz antes de cada jogada. Para ele, seu futebol mais clássico e sua capacidade de pesar prós e contras em cada lance combinam com o estilo do Botafogo. Tanto que é o vice-artilheiro do time este ano, status que não costuma ter. “Geralmente, coloco a bola para o outro marcar. Mas este ano fiz 11 gols, até isso aqui dá mais certo.” Só fica triste quando lembra que poderia ter sido bicampeão estadual este ano, mas perdeu um pênalti fundamental para a equipe na final contra o Flamengo.
“Foi falha minha. Dormi muito mal naquela noite e tive um sono intranqüilo.”

Renato diz que também dorme mal quando perde. E fica num mau humor gigantesco, calado. Por isso tanta bronca em campo. Mas o capitão rubro-negro diz que está aprendendo a perceber com quem pode e com quem não pode gritar. “No calor do jogo, saem coisas, mas não é com a intenção de rebaixar ninguém. Já tive muitas discussões por causa do meu jeito. Hoje penso mais. Tem jogador que cresce depois da bronca; outros não, encolhem. E a gente não agrada todo mundo, paciência. Mas só me arrependo da vez que agredi o Toró. Discutir faz parte do meu perfil, agredir não”, afirma ele, relembrando o episódio em que brigou com Toró no vestiário após uma derrota para o Nacional, do Uruguai, no ano passado.

Todos os três sentiram desconfiança por parte das torcidas e da imprensa quando chegaram ao Rio. Leandro Amaral conta que cansou de ouvir, no São Paulo, no Corinthians e no Palmeiras, que não era o mesmo Leandro da Portuguesa, time que o revelou. Quando chegou ao Vasco, marcou seis gols nos seis primeiros jogos, um deles numa vitória contra o Flamengo, e começou a ser olhado de outra maneira. “Eu estava precisando disso. Nos últimos tempos, minha vida era de muito trabalho, sem reconhecimento. Não tive oportunidades, joguei pouco. Cheguei ao São Paulo, por exemplo, quando a dupla de ataque era formada por Reinaldo e Luís Fabiano, os dois em grande fase. Não entrava nunca. Como poderia ser o mesmo da Portuguesa, se não jogava? No Vasco não foi assim. O Renato [Gaúcho, treinador quando ele chegou] olhou para mim e disse: “Faz o que você sabe”. O time já estava bem, mas fazia poucos gols, faltava um cara para isso. Me encaixei certinho”, afirma.

Lúcio Flávio, do Botafogo
Lúcio Flávio, do Botafogo

A fase está tão boa que Leandro chegou a ser sondado pelo Fluminense, mas resolveu ficar no Vasco. Uma casa portuguesa, como o clube que o lançou: “Tenho avô português. Acho que é uma coincidência, mas não dá para negar que Vasco e Portuguesa foram os clubes em que fiquei mais à vontade. E a Fiorentina! Passei um ano e meio lá na Itália. Pena que o clube faliu”.
Leandro não é de cobrar nem de discutir, como Renato, mas este ano, pouco antes de uma torção no tornozelo que o deixou mais de dois meses sem jogar, sem querer arrumou uma briga com Romário. Logo com o Baixinho, que dá as cartas em São Januário e que tinha acabado de dizer, a quem quisesse ouvir, que Leandro era o melhor atacante em atividade no Brasil e merecia uma chance na seleção: “Eu disse que a história do milésimo gol estava servindo de incentivo para os adversários, que entravam em campo contra a gente mais concentrados. Aí distorceram minhas palavras, como se eu não quisesse o gol 1000 e dissesse que o Romário estava atrapalhando. Eu estava torcendo muito por ele e pelo gol. No dia seguinte contei a ele exatamente como foi e tudo voltou ao normal”.

Os anos ruins rodando por grandes clubes de São Paulo sem se firmar passaram, para os três. Lúcio Flávio, por exemplo, tem orgulho de ver o time correndo, se dedicando, “resgatando o brilho da estrela solitária”, e de participar disso. A fase de jogar seis meses em cada canto não volta mais, tem certeza. Assim como Leandro está confiante em que não vai mais ouvir que não é o mesmo da Portuguesa; e Renato sabe que sua raça em campo é qualidade indispensável para um clube de massa. Renasceram, tornaram-se ídolos tardios. E parecem ter a mesma opinião de Lúcio Flávio ao falar de sua história no Rio. “Ainda estou escrevendo meu livro aqui. Os próximos capítulos vão ser muito bons”, diz o botafoguense.

RIO REDENTOR
Deve ser a grama do Maracanã… Habilidosos, Leonardo Moura, Gabriel e Dodô tiveram passagens criticadas por São Paulo, mas são ídolos na Cidade Maravilhosa. Léo Moura, que jogou no Botafogo e no Vasco, veio para o Palmeiras em 2002 e foi rebaixado com o time. Em 2003, no São Paulo, também foi mal. Reencontrou-se no Flamengo. Gabriel era perseguido pela torcida são-paulina, virou xodó e artilheiro no Flu e voltou ao inferno astral no Cruzeiro. Dodô vivia às turras com a torcida do São Paulo, foi discreto no Santos, também caiu com o Palmeiras e é rei no Botafogo. Vai entender…

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