Em 1980, ida de Roberto Dinamite ao Barcelona revoltou vascaínos ilustres
A PLACAR, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Chacrinha e Paulinho da Viola reclamaram da saída do ídolo rumo ao futebol espanhol
O futebol brasileiro perdeu no último domingo, 8, um de seus grandes protagonistas, Roberto Dinamite, o maior ídolo da história do Vasco da Gama. O goleador era figura constante nas páginas de PLACAR. Em janeiro de 1980, a revista estampou uma reportagem sobre a iminente partida de Roberto rumo ao Barcelona, da Espanha, uma badalada negociação que alegrou o jogador e seus familiares, mas que revoltou torcedores vascaínos, inclusive nomes ilustres como os cantores Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Paulinho da Viola e o apresentador Chacrinha.
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“Comecei a década de luto com a venda do Roberto (…) Para o lugar dele, só penso em nível de Sócrates, Falcão ou Batista”, afirmou Erasmo, que também morreu recentemente, em novembro de 2022. O Rei Roberto foi além: “Fiquei muito triste com a saída do meu xará. Em resumo: para mim, como torcedor, foi uma bosta.” Na reportagem, escrita por Milton C. Carvalho, Roberto e sua esposa Jurema contaram os bastidores da negociação e a expectativa pela nova vida na Catalunha. A passagem, porém, acabaria sendo frustrada: apenas seis meses, com 11 jogos disputados e três gols, antes de retornar ao Vasco.
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos arquivos, reproduz a reportagem de janeiro de 1980 abaixo:
Dinamite no Barcelona… e revolta no Vasco
34 milhões foi um bom preço, sem dúvida. Mais importante: é a chance de Roberto fazer seu pé-de-meia. Mas nada disso acalma a torcida vascaína, revoltada com a perda do grande ídolo
Por Milton C. Carvalho
O telefone toca na casa de Roberto Dinamite. Ligação internacional de Barcelona — é a imprensa espanhola querendo conversar com o jogador. Roberto não se acanha: sorriso franco no rosto, vai arranhando um portunhol lascado (mistura de português com espanhol), não deixa nenhuma pergunta sem resposta:
— Si, si, me llamo Carlos Roberto de Oliveira, soy de 13 de abril de 54. Si, si, me gusta mucho ir jugar aí, es um equipo madura. Mi estilo? Si, mi patada es muy fuerte.
Às vésperas da viagem para a Espanha, o ânimo de Roberto não poderia ser melhor. Sentado diante da tevê, vibra com uma sequência de seus gols, e não parece nada preocupado com o desafio que o espera no Barcelona. O desafio de conquistar uma torcida acostumada ao futebol virtuoso de Cruijff, Neeskens e Krankl — ao qual, aliás, vai substituir.
Começo de tarde, Roberto tinha acabado de deixar a mesa do almoço. O suculento feijão com carne seca e costeleta já deixa saudades:
— Claro que vou sentir falta de muitas coisas. Da comida, do Maraca, da torcida, da pescaria em Angra dos Reis, dos passeios aos quais me acostumei.
Ele vai estrear no Barça provavelmente dia 20, contra o Espanyol, diante à de uma platéia que já o aplaudiu, que já conhece alguns dos seus gols. Roberto esteve com o Vasco da Gama duas é vezes na Espanha. A primeira em 75, e novamente em 79, disputando torneios é inclusive contra o Barcelona. Marcou oito gols em sete jogos; fez o maior sucesso. Começava ali o namoro entre o jogador e o clube espanhol. Na volta ao Rio de Janeiro, Roberto chegou dizendo:
— Eles virão aqui no final do ano comprar meu passe.
Prometeram e cumpriram. Mas faltou pouco para que a transação — a maior de toda a história do futebol brasileiro — fosse por água abaixo. Tudo porque, à última hora, os cartolas se recusaram a pagar a Roberto os 20% a que ele teria direito sobre a venda do passe, conforme cláusula do seu último contrato. Jurema, mulher do jogador, está inconsolável:
— Mais uma vez os homens do Vasco enganaram Roberto. O Calçada é um mau-caráter e o clube vai fracassar em sua gestão.
Roberto também protestou. Mas, depois de oito horas de exaustivas discussões, concordou em receber apenas 15%. Com isso, saiu perdendo quase um milhão de cruzeiros — mas ainda assim faturou uma. boa grana. No Barcelona, por três anos e meio de contrato — ao fim do qual terá passe livre — , receberá cerca de 27 milhões, incluídos os 15%.
Misto de procuradora e conselheira do marido, Jurema já sabe o que fazer para multiplicar esta pequena fortuna. Jóias, brilhantes, nada dessas ostentações a fascina. Antes preocupada com as duas casas pequenas que está construindo em Caxias do Sul, para alugar, agora ela já pensa em grandes terrenos, construção de galpões, fortes investimentos, enfim. Até já sabe como tirar proveito da inflação brasileira:
— Como iremos receber em dólar, a constante desvalorização do cruzeiro nos beneficiará. Quando eu voltar, já trarei uma parte para investir. Imóveis, queremos imóveis. Estou explodindo de alegria!
Sonha também com a casa emprestada pelo Barcelona, a mesma em que moraram Cruijff e depois Krankl. São seis quartos, salões, piscina, quadra de tênis — um palacete. Até dona Toinha, a empregada de confiança que irá com a família, está emocionada. Fala
mais do que nunca, os olhos se enchem de água, diz que descende de espanhóis e conta seu sonho:
— Era assim: eu estava em Brasília com a mudança pronta para o Rio. Então, uma noite, me vi seguindo por uma estrada sem fim. Todos os ônibus, tudo o que passava à minha frente desaparecia, como se caísse num imenso vazio, num rio, sei lá. Pois eu, com muita dificuldade, consegui contornar esse obstáculo, dando uma imensa volta. E sabe onde acabei chegando? Na Espanha!
Pois agora Roberto pode tornar esse sonho realidade. Embora tenha conseguido aqui praticamente tudo o que um jogador pode almejar — foi ídolo
do Vasco da Gama, chegou à Seleção Brasileira, assinou bons contratos —, Dinamite parte para a Europa com algumas mágoas na bagagem. Relembra, por exemplo, a malfadada Copa de 78. Frente à Espanha, nem no banco estava. Entrou contra a Áustria e fez o gol da vitória. Voltou a marcar contra a Polônia mas foi pouco. Depois do fiasco na Copa — e principalmente com o surgimento do Dr. Sócrates — restou-lhe apenas o estigma de um centroavante rompedor e ultrapassado. No Vasco de Oto Glória, tapou a boca dos críticos — passou a jogar um futebol mais cerebral do que simplesmente raçudo.
Mas a hora não é de lembranças tristes. Roberto está alegre e diz que ainda pode ser útil à Seleção — não apenas como jogador, mas também como
olheiro do futebol espanhol e europeu. Estilo por estilo, prefere o brasileiro e não tem medo de fracassar em seu novo clube:
— Não conheço os métodos do treinador do Barcelona. Mas se estou em seus planos é porque posso contribuir com o meu futebol.