‘Elanomania’ marcou início do novo Manchester City em 2008
Clube que pode conquistar sua quarta Premier League em cinco anos no próximo domingo vivia realidade bem diferente há 14 anos
No próximo domingo, 22, o Manchester City pode conquistar seu oitavo título do Campeonato Inglês, o quarto nos últimos cinco anos. Para isso, basta vencer o Aston Villa no Etihad Stadium em duelo válido pela 38ª e última rodada. No entanto, se tropeçar, pode ser ultrapassado pelo Liverpool, que tem um ponto a menos e recebe o Wolverhampton. O domínio na melhor liga nacional do mundo consolidou o City como uma das potências europeias da atualidade, ainda que o inédito título da Liga dos Campeões insista em escapar. Até pouco tempo atrás, porém, os Citizens conviviam com a fama de “primo pobre” de Manchester. O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera uma matérias de nossos arquivos, volta 12 anos no tempo para relembrar o momento de mudança, há 14 anos.
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O City era um time de relativa tradição local, com raras participações internacionais e apenas dois títulos da liga (em 1937 e 1968), até que em 2007 foi comprado pelo ex-Primeiro-Ministro da Tailândia Thaksin Shinawatra, que imediatamente contratou duas estrelas: o ex-técnico da Inglaterra Sven-Göran Eriksson, e o meia Elano, então titular da seleção, além do também brasileiro Geovanni, ex-Barcelona. Em janeiro de 2008, os repórteres Rafael Maranhão e Sujay Dutt detalharam a “Elanomania” que rapidamente tomou o lado azul da cidade (confira texto na íntegra, abaixo).
A revolução do City, porém, veio mesmo em setembro de 2008, quando mudou novamente de dono: o bilionário dos Emirados Árabes Unidos, Sheik Mansour bin Zayed Al Nahyanm, que adquiriu o clube por 210 milhões de libras. Integrante da Família Real dos Emirados, o dono do City é presidente de fundos de investimento e dono de grupos petrolíferos. Assim como ocorre no PSG, portanto, os investimentos vêm de regiões e governos constantemente acusados de violações aos direitos humanos.
A primeira leva de contratados badalados de bin Zayed Al Nahyanm incluiu outros atletas com passagens pela seleção brasileira: Robinho e Jô. Depois, chegaram estrelas do calibre de Tevez, Balotelli e Aguero. Em 2011, veio a primeira conquista, da FA Cup. Já o título do Campeonato Inglês, o terceiro de sua história, primeiro desde 1968, veio em 2012 de maneira épica, com gols nos acréscimos de Edin Dzeko e Aguero, contra o Queens Park Rangers, deixando o maior rival Manchester United com o vice. O resto é história – uma história que começou, de forma mais humilde, com a chegada de Elano há 14 anos. Relembre, na matéria abaixo:
TUDO AZUL
Rafael Maranhão e Sujay Dutt, de Manchester
Após anos à sombra do rival United, os torcedores do Manchester City voltam a ter motivos para sorrir embalados pela Elanomania
A imagem de Manchester está tão associada à cor vermelha e ao sobrenome United que em alguns lugares, como o Brasil, o clube de Cristiano Ronaldo e Wayne Rooney é muitas vezes tratado como “o Manchester”. Mas, na cidade inglesa, o vermelho divide espaço de igual para igual com o azul. O nome de Manchester batiza tanto o United quanto o City. Ali são Reds de um lado e Blues do outro. E neste lado não há Ronaldo, Rooney ou Carlitos Tevez. Há apenas Elano. “Ele é brilhante, um jogador que está entre os melhores do mundo. Não é todo dia que temos alguém como ele por aqui”, diz o torcedor Mark Merriman na entrada do estádio City of Manchester, com o número 11 e o nome do brasileiro nas costas de sua camisa azul
Para os torcedores do City, essa tem sido uma temporada especial. Na Inglaterra, eles sempre foram associados a uma imagem desafortunada. Nas últimas duas décadas, porém, a torcida acentuou um complexo de inferioridade graças aos maus resultados e, principalmente, ao sucesso do rival. O time de Elano tem feito os azuis sonharem com dias melhores e olhar o United de igual para igual. Ou quase. “Na temporada passada nós brigamos contra o rebaixamento e passamos seis meses sem fazer um gol dentro de casa. Agora, já fomos líderes do campeonato e estamos entre os melhores. Não dá para ser melhor do que isso”, diz Mark. Elano acha que dá, e contagia alguns companheiros. Numa ilha que presta pouca atenção no que se passa à sua volta, o brasileiro era um desconhecido de torcedores e da maior parte da imprensa inglesa. Mas não dos jogadores. “Quando ouvi que ele estava vindo para o clube, pensei: “Como conseguimos trazê-lo tão rapidamente?” Elano não é apenas um grande jogador, é também uma pessoa sensacional. Mesmo sem falar inglês bem, ele brinca com todo mundo e já fez vários amigos”, escreveu o lateral-direito Micah Richards no site da BBC.
Na entrada de um jantar entre os jogadores dá para perceber o que Richards quer dizer. Elano esbarra com o goleiro Isaksson e, apesar do inglês ainda pouco afiado, não perde a piada. “We play. You Rennes, I Shakhtar. Uefa Cup. Shakhtar one-zero. My goal”, diz, tentando explicar ao sueco que acreditava ter feito um gol nele quando suas ex-equipes se enfrentaram. Isaksson dá uma gargalhada: “Eu estava machucado, não era eu o goleiro”. O maior fã sueco de Elano, porém, é o treinador Sven-Göran Eriksson, que incluiu o brasileiro numa lista dos melhores com quem já trabalhou, ao lado de Baggio, Rooney e Rui Costa.
No estádio, a elanomania está por toda parte. Na loja do clube, o meia é o único com uma camisa com as cores de seu país: amarela, com as mangas verdes, mas com o escudo do clube e o número 11 e seu nome nas costas. “Ele é um talento. Precisa apenas ficar mais forte para aguentar as pancadas que vai receber agora que o conhecem”, diz Darren Burman ao lado do filho Jack, vestido com a camisa do Brasil.
Numa bilheteria, estão estampadas as fotos de Elano comemorando um gol e do outro brasileiro do clube, o atacante Geovanni, marcando no dérbi contra o Manchester United. “A torcida já lembrava que eu tinha feito um gol no United quando jogava pelo Benfica. Mas esse, no dérbi, foi especial. Isso dá um prestígio a mais e o carinho é incrível”, afirma Geovanni.
Manchester é a única cidade do planeta onde os fãs do City rivalizam em número com os do United. Uma pesquisa mostrou que os azuis são mais numerosos nas áreas sul e leste da cidade, enquanto os vermelhos geralmente vivem no norte e no oeste. Oficialmente, o City diz ter em torno de 2 milhões de torcedores espalhados pela Inglaterra e outros 24 países. Já o United contabiliza mais de 70 milhões de fãs pelo planeta. Aproveitando-se dessa cara internacional do rival, a torcida do City gaba-se de ser a única 100% local. A compra do clube de Old Trafford pelos americanos da família Glazer deu ainda mais munição para as provocações dos torcedores do City.
Mas a piada sobre o dono estrangeiro os fãs dos Blues não podem fazer mais. Foi a compra do clube pelo bilionário ex-primeiro-ministro tailandês Thaksin Shinawatra que permitiu a chegada de Eriksson e quase um time inteiro de reforços, incluindo os 15 milhões de euros pagos ao Shakhtar, da Ucrânia, por Elano. Para piorar, Thaksin é acusado de violação dos direitos humanos e apropriação de dinheiro público. Mas não são todos os torcedores que se importam. “No futebol inglês, um clube sem investidor não tem chance alguma. Além disso, ainda não provaram nada contra ele”, diz Darren Burman, com um sorriso irônico.
‘Surpreendi muita gente’
Para quem se acostumou a ver Elano como coadjuvante de luxo, pode ser estranho descobrir que ele é o dono do time no Manchester City. Ele próprio admite isso
No Santos, você era coadjuvante de Robinho e Diego. Na seleção, de Kaká e Ronaldinho. Como foi passar a protagonista? Eu sei que surpreendi muita gente. As pessoas sempre vão olhar para mim como o coringa. Essa é uma imagem muito forte, que dificilmente será tirada, porque começou num time do Santos que marcou época. Mas eu mudei a história dos coringas no Brasil, porque todo mundo achava que um jogador assim ficaria marcado e nunca iria se estabelecer. Eu sou o primeiro jogador brasileiro a fazer sucesso num time de ponta do futebol inglês jogando do meio-campo para a frente, como um meia ofensivo.
No City, os outros jogadores carregam o piano para você? Eu gosto disso. Na seleção, quando as coisas não vão bem, a gente espera que esses jogadores, pelo talento deles, vão resolver. No time, os próprios jogadores esperam que eu faça isso. E eles dizem isso para mim. Além do mais, o próprio treinador pede isso a eles: “Quando roubarem a bola, é preciso passar o mais rapidamente possível para o Elano, para que ele tenha o máximo de liberdade para criar as situações de gol”. E tem dado certo.
Você esperava um sucesso tão rápido? Nada acontece por acaso. Temos um grande treinador, um grande elenco, um presidente que nos dá todas as condições de trabalho e todo mundo se entendeu rapidamente. O ambiente aqui é maravilhoso. Eu sinto como se estivesse no Santos, com muita felicidade, tranqüilidade e brigando por grandes objetivos. Quando estou em casa às vezes tenho vontade de treinar, só para poder encontrar o grupo novamente. Eu me sinto em casa.
Até onde pode chegar o Manchester City? Temos condições de brigar no topo da tabela. Nós temos um grande elenco e vamos nos reforçar ainda mais.
O inglês ainda macarrônico já o fez passar por alguma situação embaraçosa? Os jogadores recém-chegados têm que cantar na frente do time inteiro. Eu não sabia, o Geovanni também não. Estávamos juntos com um espanhol, o Javi Garrido, que já sabia disso e tinha trazido um papel de casa, para ajudá-lo com o inglês. Eu peguei o papel da mão dele e rasguei. “Agora estamos todos na mesma”, disse, rindo. Ele quase chorou. Eu não sei cantar, então escolhi um funk, “Tchutchuca”, e os jogadores morreram de rir. O Geovanni, que é pastor, cantou uma música evangélica em português. Os caras não entenderam nada e ficaram fingindo que estavam caindo no sono.
E com o dono do clube, como foi o encontro? A primeira vez que nos encontramos, ele brincou: “Quero 9 pontos nos três primeiros jogos”. Nós vencemos quatro seguidas, então agora eu vivo dizendo a ele que quero que ele peça de novo, porque nos deu sorte. E brinquei que ele precisa aumentar a premiação, porque ganhamos um jogo a mais do que o combinado.
Certa vez, pediram para você dar uma dica turística de Donetsk e você disse: “Nosso CT é bonito”. Tem saudade da Ucrânia? [Dá uma gargalhada] Eu disse isso mesmo! Tirando o CT, o único lugar decente era o restaurante de um hotel aonde eu sempre ia. Minha mulher passou seis meses sem sair de casa. Cheguei com neve até os joelhos e 15 graus abaixo de zero. Naquele mesmo dia disse a mim mesmo que ia trabalhar duro para ter uma oportunidade de sair de lá. Ela finalmente chegou. Mas foi muito sofrimento. Por mais de uma vez cheguei a pensar em largar tudo e voltar ao Brasil. Um dia, quando me aposentar, vou contar tudo o que passei na Ucrânia. É muito dura a vida naquele lugar. Não existe nenhum respeito pelo trabalhador.