A primeira vez de Diego Cavalieri, agora ex-goleiro, nas páginas de PLACAR
Ex-jogador de Palmeiras, Fluminense, Liverpool e Botafogo pendurou as luvas aos 40 anos. Em 2006, ele narrou seu amor de infância pelo Verdão
O futebol brasileiro se despediu oficialmente nesta semana de um de seus melhores goleiros das últimas décadas. Sem clube desde que deixou o Botafogo em setembro de 2021, Diego Cavalieri anunciou sua aposentadoria, aos 40 anos. Jogador com passagens marcantes por Palmeiras e Fluminense, também vestiu as camisas de Liverpool, Cesena e Crystal Palace.
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Cavalieri iniciou sua notável carreira há 17 anos, ao substituir o ídolo Marcos no clube do coração. Em reportagem assinada por Mauricio Noriega na edição de novembro de 2006, o arqueiro-prodígio relembrou seus tempos de arquibancada e também a influência de seu pai, que também havia sido goleiro.
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera algum tesouro de nossos 52 anos de arquivo, reproduz abaixo a reportagem na na íntegra:
Questão de DNA
Filho de goleiro, palmeirense desde criança, fã de Velloso e Marcos. Diego Cavalieri chegou aonde sempre sonhou: debaixo das traves do Palestra Itália
Maurício Noriega
O dia 12 de junho de 1993 amanheceu frio e cinzento em São Paulo. Era um sábado, Dia dos Namorados, mas isso ainda não preocupava o palmeirense Diego, de 11 anos. Naquele dia, ele e os amigos do Jardim Clímax e do Parque Bristol, bairros da zona sul de São Paulo, tinham uma só obrigação: ir ao Morumbi para assistir à final do Campeonato Paulista, entre Palmeiras e Corinthians.
Diego e os amigos sentaram-se nas arquibancadas quase atrás do gol em que Zinho, aos 37 minutos, fez 1 x 0 para o Palmeiras e abriu caminho para a vitória por 4 x 0 entre tempo normal e prorrogação, pondo fim ao período de 16 anos sem títulos do Palmeiras. “Nasci em 1982 e aquele foi o primeiro título que eu vi do Palmeiras. Nunca vou me esquecer do Morumbi lotado e da festa da torcida”, recorda Diego Cavalieri.
Treze anos se passaram e Diego voltou ao Morumbi, desta vez num ensolarado domingo, 16 de julho de 2006. Novamente para um Palmeiras x Corinthians que mudaria sua vida. O Diego torcedor de 1993 já era Diego Cavalieri, goleiro reserva do Palmeiras. Ainda no início do primeiro tempo, o pentacampeão Marcos, que fazia o segundo jogo após uma ausência de quase seis meses por contusão, fez uma defesa corajosa, nos pés do corintiano Rafael Moura. O arrojo custou caro a Marcos, que saiu com o ombro esquerdo machucado. Aos 12 minutos, Diego entrou. Ajudou o Palmeiras a vencer por 1 x 0 e não saiu mais do time. “Sei que existe uma coincidência grande pelo fato de eu ter entrado no time contra o Corinthians, porque o Marcos também entrou num clássico em 1999”, afirma Diego. E não é a única coincidência. Assim como Marcos, Diego parece ter chegado para ficar. “O Marcão sempre brincava e falava pro Sérgio que quando eu entrasse eles disputariam para ver quem ia ficar no banco”, diz, rindo.
Ser goleiro está no sangue de Diego. “Comecei jogando na rua e sempre ia para o gol. Quando eu ia ver meu pai jogar, ele também jogava no gol, acho que tudo começou assim.” O pai de Diego, Antônio Carlos, foi goleiro profissional: jogou no Santo André, nos anos 80. “Ele que me conta, porque eu era pequeno e não lembro. Mas meu pai precisou parar quando meu avô morreu, pra cuidar do sustento da família”, diz. “Quando eu tinha 11 anos, fui fazer uma peneira no Palmeiras. Passei no primeiro teste e fui treinar no CT, com o Carlos Pracidelli [ex-preparador de goleiros do clube]”.
Naquela época, Diego, bom palmeirense, era fã de Velloso, o titular do time. “Eu também gostava do Zetti e do Taffarel.” Mesmo tendo passado pela peneira, Diego não se via goleiro do Palmeiras. “Sou palmeirense, estava treinando no Palmeiras e as coisas foram acontecendo”, diz o camisa 1, com a tranqüilidade que sempre o marcou dentro e fora de campo. “Ele é um garoto muito bom, tímido, que fica na dele. Está sempre concentrado”, afirma o preparador de goleiros do clube, Jorge Azevedo.
Quando não está trabalhando, Diego tem uma rotina que atesta essa tranqüilidade. “Gosto de ficar em casa, com a minha namorada, a Daniela. E também vou visitar a minha avó.” Seja ao lado de Daniela, seja ao lado da avó, Alice, Diego está quase sempre escutando música sertaneja ou pagode, seus gêneros favoritos. Sua personalidade o ajuda a ter um ótimo relacionamento com o elenco do Palmeiras. Mas é entre os goleiros que ele se sente em casa. “O ambiente entre o Diego, o Marcos, o Sérgio e o Bruno é fraternal. Em tantos anos de futebol, nunca vi nada parecido com a convivência que eles têm”, afirma Azevedo. “Brinco com o Sergião que eu ainda era criança e já torcia pra ele. Sempre que estamos concentrados eu falo pra ele da final de 1993”, diz Diego.
Já Marcos, além de ídolo, é amigo e conselheiro. “Depois do jogo contra o Corinthians em que se machucou, ele ficou me esperando sair do exame antidoping e me deu um abraço. Ele estava chateado, nem conseguia se mexer direito, mas veio me dar um abraço”, afirma. Marcos foi fundamental para convencer Diego a renovar contrato com o Palmeiras até 2009. “Falam que havia interesse do São Paulo, mas nunca falei com outro clube. O Marcão me falou que era importante renovar.” Diego vê em Marcos o maior goleiro da história do Palmeiras: “Foi o grande responsável pela conquista do maior título do clube, a Libertadores”. Brincalhão, Marcos acha Diego outra prova de que o Palmeiras é uma fábrica de bons goleiros. “Com ele, o Bruno e o Deola [emprestado para o Guarani], o Palmeiras tem goleiro pra mais 100 anos. Isso se o mundo durar até lá”, diz, brincando.
Após passagens pelas seleções sub-17, sub-21 e pré-olímpica, e hoje titular do Palmeiras, Diego poderia almejar uma convocação para a seleção principal do Brasil. Só poderia: “Existem goleiros que estão jogando há mais tempo, muita gente boa que está na minha frente”.
Tímido, o novo ídolo palmeirense não gosta de falar de si. Mas se acha um trabalhador dedicado, cujas principais qualidades são tranqüilidade e concentração. “Tecnicamente, preciso corrigir coisas como a reposição de bola e a saída de gol”, diz. Vontade não lhe falta. “Tenho essa mania de perfeição, de treinar cada vez mais, e o Diego assimilou isso muito bem”, afirma o preparador Jorge Azevedo. Para quem, contudo, Diego “é um goleiro praticamente perfeito” no que diz respeito aos fundamentos.
Mas e quando Marcos puder voltar? “O Marcos é um dos maiores goleiros do Brasil e, se o Marcelo [Villar] optar pela volta dele, não haverá problema para o Diego, que entrou numa emergência e mostrou sua qualidade”, diz Azevedo. Diego, fã e amigo de Marcos, também não vê problema em voltar à reserva. Mas se o próprio Marcos acha que disputará com Sérgio uma vaguinha no banco…
Atrás da Bola
Diego segue de perto a Bola de Prata da Placar. “Eu soube que estava liderando a Bola de Ouro, mas me ultrapassaram. Sigo na frente da Bola de Prata, e vai ser muito gostoso se eu for premiado, principalmente porque eu quero muito ajudar o Palmeiras a terminar bem o Brasileiro. Fora isso, é minha primeira temporada com muitos jogos no profissional”, diz.
O que falam dele
“O Diego é muito bom. Eu falava em Portugal: se querem um goleiro, procurem o terceiro do Palmeiras, que vai ser dos melhores do Brasil”
Luiz Felipe Scolari, técnico de Portugal e ex-técnico do Palmeiras
“O único conselho que eu daria a ele é perder o medo de sair do gol. Os atacantes estão cabeceando na área pequena. Ele é alto e pode sair pra dar um soco ou segurar. Mas ele está muito bem, principalmente nas bolas rasteiras, que são as mais difíceis”
Oberdan Cattani, ex-goleiro do Palmeiras
“Ele tem tudo que um grande goleiro precisa ter: muito autocontrole. Goleiro bom é aquele em que o time, a torcida e a imprensa confiam”
Valdir de Morais, ex-goleiro e ex-preparador de goleiros do Palmeiras
Academia de goleiros
Basta olhar os 92 anos de história do Palmeiras: o surgimento de Diego Cavalieri não é uma surpresa
Nascimento – 1929-34
Tinha menos de 1,80 m e o nome apropriado para iniciar a fila de heróis palmeirenses da pequena área. Líder da conquista do bicampeonato em 1932-33 pelo Palestra Itália, na implantação do profissionalismo no futebol brasileiro.
Aymoré Moreira – 1934-35
Mais conhecido por ser o técnico campeão mundial com a Seleção Brasileira em 1962, mas também muito importante como goleiro na conquista do tricampeonato paulista do Palmeiras, em 1934.
Oberdan Cattani – 1941-54
Titular de 1941 até 1950. Estava em campo no dia 20 de setembro de 1942, quando o Palestra Itália, por causa das pressões pela Segunda Guerra Mundial, fez seu primeiro jogo como Palmeiras, vencendo o São Paulo por 3 x 1 e sagrando-se campeão paulista.
Fábio Crippa – 1951-56
No fim da carreira de Oberdan, o bom goleiro, que antes teve poucas chances no clube, viveu sua glória: foi titular na conquista da Copa Rio de 1951, torneio que o Palmeiras ainda busca reconhecer na Fifa como um Mundial.
Valdir de Morais – 1958-68
Com uma elasticidade incrível, foi o goleiro da Primeira Academia, única equipe que, sob o comando do divino Ademir da Guia, ousou parar o Santos de Pelé nos anos 60. Mais tarde, trabalhou no clube como preparador de goleiros ” praticamente inventou a função por aqui.
Emerson Leão – 1969-78 e 1984-86
Muito técnico e com forte temperamento, impôs-se como titular do Palmeiras e da seleção a partir de 1969. Foi peça fundamental da Segunda Academia, que ganhou tudo no Brasil no início dos anos 70. Ficou no clube até 1978 e voltou ainda durante o jejum de títulos, entre 1984 e 86.
Zetti 1987-89 e Velloso – 1988-91 e 1993-99
Ambos surgiram no clube sob o comando de Valdir de Morais, durante a “década perdida” de jejum de títulos. Na gloriosa década de 90, Velloso esteve presente. Outros bons goleiros que passaram pelo clube no período do jejum foram Gilmar e João Marcos.
Sérgio – 1992-95 e desde 1999
Era titular do time no fim do jejum de títulos, durante as conquistas do Paulista e do Brasileiro de 1993. Segue no clube até hoje e apesar de reserva é muito respeitado pela torcida.
Marcos – Desde 1992
Eleito melhor jogador da final da Libertadores ganha pelo Palmeiras, virou um mito da história do clube. Em 2002, foi decisivo para a conquista da Copa do Mundo pelo Brasil. Certa vez, disse a Sérgio: “Quando o Diego entrar, a gente não joga nunca mais!”