O ‘Sassá Baixinho’
Comentarista vai testemunhar o show de Romário no último jogo das Eliminatórias de 1993 e dá ‘spoilers’ sobre teimosia de técnicos e ‘salvadores da pátria’
‘Salvador da Pátria’, todo mundo lembra, foi aquela novela que, há quatro anos, eternizou mais um papel do gênio Lima Duarte. O autor, Lauro César Muniz, batizou a trama se apropriando de uma expressão corriqueira nas ruas. “Salvou a pátria!”, eu mesmo já disse muitas vezes, principalmente quando era jovem e estava em rodas de amigos. Em 2022, de quando venho, o ‘folhetim eletrônico’ (essa é vintage!) ainda será lembrado e referência na TV. Já o dito popular terá caído quase no esquecimento — até porque daqui a 29 anos rodas de amigos estarão quase extintas. Sinto informar, caros leitores e leitoras de 1993, que na Política, de hoje até lá, ainda aparecerão muitos ‘Sassás Mutemas’, um deles, inclusive, em fim de mandato quando deixei o futuro. Eleição hoje houvesse, o povo votaria no ‘Baixinho’ Romário, que de fato salvou o Brasil na vitória de ontem (2 x 0) sobre o Uruguai, nos classificando pra Copa dos EUA. O que vai acontecer lá? Isso eu não revelo, mas lembrem-se do que Garrincha nos ensinou: “O Futebol escreve certo por pernas tortas!” O inigualável frasista Neném Prancha gostaria de ter dito essa.
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“Passa a bola!” era outra expressão usada nas rodinhas de amigos e que foi muito ouvida ontem. Desde o primeiro minuto, vimos muito aquela imagem que, a propósito, será umas das que ficarão gravadas na nossa memória depois que o craque parar de jogar: Romário de costas pro gol pedindo a bola — pra que possa ficar de frente, mortal. Os detalhistas e bons observadores do esporte percebem que, diante de alguns artilheiros, como o ‘Roma’, antes mesmo do chute, as redes já estão balançando, de medo.
Daí a grita nacional para que o craque fosse enfim convocado pelos teimosos Parreira e Zagallo. O povo estava certo e, com dois tentos ‘do cara’, escapamos de, pela primeira vez, ficarmos fora de um Mundial. Do futuro, trago boas novas pois deixei 2022 a poucos dias da última rodada das Eliminatórias de 2022 e o Brasil estará invicto e classificado com antecedência. Sim, o futebol brasileiro estará bem diferente. Já as manias e a teimosia dos treinadores ainda serão as mesmas. Em especial quando assumem o Escrete Canarinho (vintage também!). Lembremo-nos da ‘velha’ máxima: ‘O técnico da Seleção não pode mudar nunca. Tem que ser sempre o povo!” — que tal essa, Neném?
Fico a pensar aqui com meus botões — neste caso, botões de futebol mesmo! De Mesa! — sobre que feitiço é este que toma conta dos “professores’ assim que assumem o comando do selecionado tricampeão mundial. Lembram dos anos 80? “Bota ponta, Telê!”, urravam as ruas. Teremos mais exemplos com o passar dos anos mas, curiosamente, em 2022 só as cismas da comissão técnica continuarão — o comandante em exercício, por exemplo, será obsessivo em convocar um atacante que não faz gol, mesmo tendo nome de Salvador… do Mundo. Já as gritas populares pela convocação deste ou daquele jogador ficarão como ‘coisas do passado’, ‘vintage’ também. Isso porque 99% dos convocados serão atletas atuando por clubes estrangeiros, só nos restando reclamar, ao menos, de que mais jogadores ‘nacionais’ venham a ser chamados. Menos mal. Olhando o copo cheio, pior é quando perdíamos craques, como Renato Gaúcho em 1986 e Romário até o jogo de ontem, por “questões comportamentais”. Preciso registrar outra frase: “Convocar jogador não é como escolher quem vai casar com a filha…” Essa é do João Saldanha. Chora, Neném…
A presença de Romário foi mesmo decisiva. Dei-me conta de que a profissão jogador de futebol é uma em que não se aplica de forma positiva a chamada “versão remota”. Explico: no próximo século, mais precisamente em 2019, seremos todos varridos por uma ‘tsunami pandêmica’, que avistaremos como uma onda baixinha, lá longe, e que irá crescendo mais e mais até nos engolir por sua estatura gigante — como naquele clássico sonho recorrente da superonda que nos pega na areia, sabem? Uma representação do nosso inconsciente, dizem os especialistas. Muitos e variados profissionais passarão a trabalhar de casa, a tal “forma remota”, comprovando-se a tese de que não se altera o rendimento e a qualidade de produção e entrega. Deixei o futuro com a pandemia finalmente se aproximando do fim e, infelizmente, com empresas convocando funcionários para retornarem ao “presencial”, ao menos 2 ou 3 vezes por semana. Já serei então um defensor do formato remoto, mas jamais num campo de futebol. Precisávamos que o ‘Baixinho’ estivesse no gramado para fazer os dois gols da vitória. E vai que tivesse havido uma penalidade máxima? “Pênalti é tão importante que o Presidente do Clube é que devia bater!” — essa é sua, Neném!
A expressão “pesadelo recorrente” serve bem para descrevermos essa neura que ressuscitamos a cada jogo contra o Uruguai, nosso carrasco em 1950. E isso só contribuiu para aumentar a dramaticidade de ontem. Em 2022, o fantasma ainda estará vagando pelos corredores da CBF, mesmo que as estatísticas até lá só se ampliem ao nosso favor: serão 38 vitórias brasileiras (142 gols) contra 20 da Celeste (98 gols), mesmo número de empates. Poucos sabem, mas chegamos ao ridículo de, sob a alegação de ‘risco de mau agouro’, expulsar da nossa concentração o goleiro Barbosa, numa visita inocente e bem intencionada de nosso arqueiro no fatídico ‘Maracanazo’. Fala, Neném: “Goleiro é uma posição tão amaldiçoada que onde ele pisa nem grama nasce”. Ou então: “Se concentração ganhasse jogo, o time do presídio não perdia uma partida”. E em mais uma dele: “Se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminava sempre empatado”.
Mas foi, sim, com emoção. Brasil, Uruguai e Bolívia na rodada final com os mesmos 10 pontos e a Bolívia dependendo apenas de si, em jogo em Quito contra o Equador, a um empate da Copa. No fim, nem isso conseguiram e ao Brasil um empate teria bastado. Mas não é o que lembraremos pra sempre. E sim da arrancada de Romário no segundo gol, com direito a mudança de rota no meio da correria. Mal começou o confronto e o atacante já mostrou que estava predestinado, que seria o seu dia: foi logo dando uma debaixo das pernas do marcador, um lençol… “Jogador bom é que nem sorveteria: tem várias qualidades” — outra do Mestre. E mais não digo. Salve, Romário!
FICHA TÉCNICA
BRASIL 2 × 0 URUGUAI
Data: 19 de setembro de 1993
Estádio: Maracanã, Rio de Janeiro
Competição: (Eliminatórias para Copa de 1994)
Árbitro: Alberto Tejada Noriega (Peru) Público: 101.670 pagantes
Renda: Cr$ 573.052,50 (Cruzeiros)
BRASIL: Taffarel; Jorginho, Ricardo Rocha, Ricardo Gomes e Branco; Mauro Silva, Dunga, Raí e Zinho; Bebeto e Romário.
Técnico: Carlos Alberto Parreira.
URUGUAI: Siboldi; Canals (Adrián Paz), Herrera, Kanapkis e Méndez; Dorta, Batista, Gutiérrez e Francescoli (Zalazar); Fonseca e Rubén Sosa.
Técnico: Ildo Maneiro.
Gols: Romário, aos 26′ e aos 38′ do segundo tempo.
Cartões amarelos: Jorginho e Branco (BRA); Ricardo Canals, Enzo Francescoli, Ruben Sosa, José Herrera e Diego Dorta (URU)
PRA VER LANCES E OS GOLS DO JOGO
https://www.youtube.com/watch?v=yNWqSjEjmcw&ab_channel=Fl%C3%A1vioBaccaratFuteboleCarnaval