O desespero, mais uma vez
Vendo a luta do Grêmio para fugir da 2ª divisão, Comentarista do Futuro vai a 2005 ver a Batalha dos Aflitos e contar que risco de rebaixamento é Imortal
Eu bem poderia usar minha Máquina do Tempo para ir até 1762 ver a construção da Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, na Avenida Rosa e Silva, certamente batizada assim porque os recifenses sabiam que, 243 anos depois, seria disputado ali esse jogo de ontem, Grêmio 1 x 0 Náutico, que se eternizará como a “Batalha dos Aflitos”. Não me surpreenderia se em 2021, de “quando” venho, essa versão rolar no Recife, pois quem conhecesse os pernambucanos – como eu (sou filho de um, com muito orgulho) – sabe o quanto eles gostam de ressaltar virtudes e primazias da terra. Tenho um tio, por exemplo, que, sempre que chego lá, insiste para que eu conheça “o maior shopping da América Latina”, ao que retruco: “Não pode ser, tio… Em São Paulo deve ter um maior…” Não há dúvidas, porém, de que este jogo de ontem, caros leitores e leitoras de 2005, merece ser apontado como o mais louco da história do nosso futebol. O Grêmio conseguiu o título que o devolve pela segunda vez à Série A tendo apenas 7 jogadores em campo. Barbaridade, que façanha! Difícil de acreditar! A propósito, um dia acabei indo ao tal shopping e atestei: maior não haverá! Prova de que um jogo assim, só no Recife mesmo.
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Que o Oceano Atlântico nasce no encontro entre os rios Capibaribe e Beberibe, todo mundo já sabe. Novidade é um time sair vencedor com 7 jogadores contra 11, certo? Errado! Embora no futuro a epopeia gremista seja narrada assim, comprovei ontem que, no momento do gol, eram 10 os atletas em campo pelo Náutico – um deles, Batata, acabara de ser expulso, na falta que deu origem ao ataque fatal. Que jogo! Imagino a euforia hoje nas ruas de Porto Alegre e latifúndios adjacentes. Sem querer estragar a festa, mas já estragando… Sinto informar que deixei 2021 com o tricolor gaúcho mais uma vez prestes a ser rebaixado. Segundo os matemáticos, já terá 91% de chances de cair. Prova de que, assim como o Grêmio, o desespero também pode ser “Imortal”.
Serão então três, como suas cores, os rebaixamentos gremistas. Tomara que não! Que repita-se o milagre de ontem, com o Náutico perdendo dois pênaltis, o Grêmio com 4 jogadores (expulsos) e o gol improvável, aos 61’ da etapa final, de Anderson, agora apelidado de “AndersonShow”, esta promessa de craque que – alerta de ‘spoiler’! – não vai se confirmar em campo como hoje todos imaginam. Já vendido ao Porto, o atacante ainda vestirá outras camisas na Europa, estará num elenco inglês, o Manchester United, que será campeão mundial, mas sem jamais ser protagonista em Copas ou numa importante competição internacional. O que deve levar meu Tio e outros pernambucanos a se gabarem de que foi no Recife que surgiu o único jogador do mundo a entrar para a história por um único gol. Ao que retrucarei: “Não pode ser… Em São Paulo deve ter um…” E talvez eu venha a ouvir a mesma ponderação usada para o shopping: “A nível do mar…”
Ok, bastava um empate para o Grêmio subir, mas vencer nessas condições foi antológico. Tanto que, revelo a vocês, no futuro teremos livro (“71 Segundos – o Jogo de Uma Vida” de 2006) e até um filme (o documentário “Inacreditável – A Batalha dos Aflitos”, de 2006 também) sobre o confronto. Demorei bem mais que 71 segundos – tempo decorrido entre a cobrança da penalidade e o gol da vitória – para chegar ao Estádio Eládio de Barros Carvalho, o “Aflitos”. Muita gente aflita para entrar. Tentei mas não consegui acesso aos vestiários, onde gostaria de comprovar uma das muitas histórias de sabotagem que atravessarão os próximos 16 anos: o forte cheiro de tinta provocado por uma suposta pintura propositalmente feita horas antes da chegada da delegação do Grêmio. Mas posicionei-me de forma a ter visão privilegiada do polêmico lance aos 35 minutos da etapa final, o segundo pênalti, que quase fez o tricolor gaúcho abandonar o gramado e paralisou o jogo por 27 minutos. E posso garantir: não foi pênalti! Ao menos se seguirmos as regras que estarão esclarecidas e vigentes em 2021:
1) O braço do zagueiro gremista Nunes estava colado ao corpo;
2) Antes de tocar no cotovelo, a pelota bate no corpo do jogador, situação que será descrita como não passível de marcação da penalidade;
Ressalve-se que, três minutos antes da “cotovelada” na bola, houve sim um pênalti, não marcado, para o Náutico, quando o mesmo Gallato que defenderia a penalidade deu um escandaloso chega-prá-lá no pontinha-esquerda alvirrubro – o famoso “elas-por-elas”. De qualquer forma, no futuro os pernambucanos hão de dizer que o último pênalti do mundo marcado assim, com bola no cotovelo, terá sido este de ontem e que deu-se, obviamente, lá… No Recife!
Os dois clubes chegaram a esta derradeira peleja de fato “aflitos”. Depois de terminar o Brasileiro do ano passado na última colocação, o Grêmio atravessou o ano numa crise econômica braba, que o fez anunciar que decretaria falência caso não conseguisse o acesso à elite do futebol. Já o alvirrubro do Timbu perdeu a chance de subir, chegando então a seu 12º ano na Série B (desde 1994). Aos dois trago muitas (boas e nem tanto) notícias do futuro. A começar pelo fato de que, podem anotar, ano que vem o Brasileirão começa a ser disputado por pontos corridos, passando a serem quatro e não dois clubes que sobem e descem entre as Divisões. Os seja: as duas partidas finais (esta e o Santa Cruz 2 x 1 Portuguesa-SP, no Arruda) do último Brasileiro Série B com mata-a-mata aconteceram em Recife. Mais um orgulho para a “Veneza Brasileira”!
A mudança também vai facilitar a vida do Náutico, que ano vem – bota um sorriso no rosto, Timbu! – consegue enfim voltar à Primeirona. Mas não sem sofrimento. Para chegar em terceiro lugar e conseguir o acesso, vai precisar apenas bater uma equipe paulista sem pretensões no torneio, mas a vitória só virá em nova partida dramática, que também inspirará filme: o documentário “Batalha dos Aflitos 2 – A volta por cima”, a ser lançado em 2007. Mas a alegria, sinto informar, vai durar pouco. Os principais times pernambucanos, aliás, em 2021, de “quando” venho, estarão Olinda abaixo. O Náutico, após ser campeão da Série C (!!!), estará na Segunda, como sempre, e novamente não deve subir; o Sport, que em maio comemorou seu centenário, estará na Primeira, mas com toda pinta de que vai fazer companhia ao rival em 2022; e o Santa Cruz, maior torcida do Estado, é uma caso à parte… Não sei nem se devo contar, mas vá lá: deixei o futuro dias após o rebaixamento do clube para a Série D, sim, um quarto patamar, que passará a existir em 2009, sendo inaugurado inclusive pelo próprio clube do Arruda. É isso mesmo: o ‘Santinha’ vai chegar ao fundo do poço, cumprir uma jornada heroica até a volta à Série A e, novamente, ir descendo degrau a degrau até os subterrâneos do futebol nacional. Só não sei dizer como os pernambucanos contarão isso. Pois é lá que já ouvi gente dizendo que outro orgulho local, o Íbis, é o “maior ‘pior time do mundo’!
Imortal também é Bezerra da Silva, que nos deixou em janeiro, e pelo que observo no futuro, o recém-lançado You Tube, já conhecem? Ao Grêmio, os próximos anos reservam mais boas do que más notícias. A primeira delas é que “AndersonShow” voltará um dia ao Brasil, para jogar no rival-mor, e acabará “ajudando” o Internacional a ser rebaixado também para a Série B. A segunda é que serão muitas e relevantes as conquistas do tricolor gaúcho de hoje até o martírio de 2021, quando estará em terceiro lugar num ainda desconhecido e futuro ranking da CBF. Mas prestes a cair. Nada demais, pois saibam que daqui a 16 anos este fantasma ainda vai assustar, claro, mas ser melhor recebido e assimilado. Clubes como Palmeiras, Fluminense, Corinthians, Botafogo, Atlético Mineiro e outros tubarões já terão conhecido a Segundona. E acreditem: entraremos 2022 com um gigante time mineiro emplacando seu terceiro ano seguido na Segundona e um outro “grande”, do Rio, chegando a dois anos em sequência na prateleira mais abaixo. Não é tri-legal, mas, se cair em 2021, o Grêmio será tri nas cores e em rebaixamentos, tri como a Beija-flor foi este ano no Carnaval carioca. E, afinal, já é dos gremistas, e ninguém tasca, a proeza de ter sido o primeiro “time grande” a cair para a Segunda, em 1991. E essa, os pernambucanos vão ter que engolir! Pra sempre!
FICHA TÉCNICA
NÁUTICO 0 X 1 GRÊMIO
Local: Aflitos, Recife (PE)
Data: 26 de novembro de 2005
Árbitro: Djalma José Beltrami (RJ)
Assistente 1: Hilton Moutinho Rodrigues
Assistente 2: Carlos Henrique de Lima Filho
4º árbitro: Patrício Antônio de Souza
Público: 29.891 (22.353 pagantes)
Renda: R$ 302.070,00
NÁUTICO: Rodolpho, Bruno Carvalho (Miltinho), Batata, Tuca e Ademar; Tozo (Betinho), Cleisson, Danilo e David (Romualdo). Técnico: Roberto Cavalo
GRÊMIO: Galatto, Patrício, Domingos, Pereira e Escalona; Nunes, Sandro Goiano, Marcelo Costa e Marcel (Anderson); Lipatin (Marcelo Oliveira) e Ricardinho (Lucas). Técnico: Mano Menezes
Gol: Anderson, 61’/2ºT (0-1).
Cartões amarelos: Bruno Carvalho, Miltinho, Batata, Paulo Matos e Tozo (NAU); Domingos, Pereira, Lipatin e Escalona (GRE)
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