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Índio quer apito, bola… e justiça!

Triste com as imagens dos Yanomâmis em Roraima, cronista vai a 1955 ver estreia na Seleção do maior craque de origem indígena que o mundo já viu: Garrincha

Esta é a segunda estreia de Garrincha, o espevitado ponteiro direito do Botafogo, que testemunho. A primeira foi o início de sua carreira profissional no alvinegro carioca, quando marcou três gols num 6 x 3 aplicado sobre o Bonsucesso pelo Campeonato Carioca disputado há dois anos. A partida, a propósito, completará 70 anos em 2023, ano em que parti, numa máquina do Tempo, até aqui, queridos leitores e queridas leitoras de 1955, para aplaudir a simpática ‘camisa canarinho’, que adotamos ano passado, na Copa da Suíça, enfim no corpo de pernas tortas e geniais do atacante. Por mais difícil que seja acreditar, faço seguidas e variadas viagens ao passado do futebol e vir assistir a esse empate (1 x 1) entre a Seleção Brasileira e o Chile, ontem no Maracanã, pelo Sul-Americano, me ocorreu por ser ele, Garrincha, embora poucos falem, o maior craque que já surgiu e surgirá – ao menos nas próximas sete décadas – nos gramados do mundo com origem indígena. Sinto informar que deixei o futuro em meio a tristes notícias e vergonhosas imagens de índios Yanomâmis, tribo do ‘Território Federal do Rio Branco’ (que em 1962 rebatizaremos de ‘Roraima’), tratados por governantes e exploradores das nossas florestas como se brasileiros não fossem. O avô de Garrincha nasceu e cresceu entre os Fulni-ô, que habitam o extremo oposto, a leste, do território nacional, no litoral de Pernambuco. Seu neto, desde ontem, passa a defender as cores nacionais. E com ele, revelo a todos, finalmente daremos fim ao chamado ‘Complexo de Vira-Lata’, alcançando o tão sonhado título de Campeões do Mundo. Duas vezes! O Futebol Brasileiro estava mesmo precisando de sangue dos seus povos originais.

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Anos terminados em ‘3’ sempre marcarão a carreira do extrema-direita, para o mal e para o bem. Nascido em 28 de outubro de 1933 (em 2023 estaremos festejando os 90 anos da data), Garrincha deixou Pau-Grande e os primeiros certames no Serrano, de Petrópolis, para estrear como jogador em 1953 (como já lembrei) e encerrará a carreira no Escrete Nacional num amistoso em… 1973 – e fiquemos por aqui nas coincidências (Nota da Redação Placar em 2023: o cronista não cita, mas o atacante viria a morrer em outro ano terminado com ‘3’: em 20 de janeiro 1983, há 40 anos). Em campo, sua ‘bola’ será sempre a mesma, única, fazendo valer o apelido ganho nos tempos em que jogava descalço, alusão a um ‘passarinho difícil de ser caçado’. Ninguém vai mesmo parar o rapaz, que na Seleção marcará 17 gols em 61 partidas, vindo a perder apenas uma, justo a última pelo Brasil num Mundial. Garrincha, garanto a todos, será um ‘Deus do Futebol’, do tipo que escreve (sua história) certo por pernas tortas.

Curiosamente o nosso adversário de ontem, o Chile, será o país latino-americano que mais vai valorizar os povos indígenas em seu Futebol. Não por acaso, serão muitos os jogadores índios – ou descendentes de – que se destacarão nos gramados chilenos. Anotem alguns nomes: Marcelo Salas, Ivan Zamorano e Alexis Sanchez. Em outros países do continente, também advirão admiráveis futebolistas, como o boliviano Marco Etcheverry, o colombiano Carlos Valderrama, o peruano Paolo Guerreiro e um futuro ídolo argentino, do Quilmes, Omar Hugo ‘El Índio’ Gómez. No Brasil, talvez já um sinal da intolerância e do preconceito, serão menos casos. Mas teremos sim, registrem e me cobrem, um volante descendente do povo Xucuru (PE) que se destacará no Corinthians e disputará as copas de 2014 e 2018. (Nota da Redação Placar em 2023: o cronista referia-se a Paulinho). Um atleta que, para não fugir à regra, ganhará apelidos como ‘Índio Velho’ ou ‘Boliviano’.

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O ex-jogador Índio, na aldeia Gavião Kyikatêjê, em Bom Jesus do Tocantins, durante ensaio do especial “Expedição VEJA”

No mesmo time paulistano, e assumindo o apelido pouco criativo (‘Índio’), na passagem de século (1998, 1999 e 2000) veremos um lateral conquistar títulos (2 Brasileiros e um Mundial de Clubes) após deixar o povo Xucuru-Cariri, localizada em Palmeira dos Índios, a 136 quilômetros de Maceió (AL), onde já será ‘famoso’ – como Iracanã, nome de pássaro e peixe típicos da região) por ser filho do cacique da tribo, José Sátiro, o Zezinho. Índio será um dos muitos a sonhar e militar, no próximo século, pela criação de um clube apenas com jogadores indígenas e a organização de um campeonato nacional entre as tribos do país. Mas no Brasil tudo que se refere a povos indígenas sofre contra-ataques da insensibilidade. 

A América do Sul parece ter maior consciência de suas raízes. O continente está pontilhado de clubes de futebol batizados como ‘Guarani’ (ou ‘Guarany’) em homenagem a tribos dos nossos antepassados, donos originais do continente, que perambulavam por onde hoje estão Bolívia, Paraguai e parte do Brasil. Por aqui, também são muitos, porém o mais famoso deles, no interior de São Paulo, tem o nome por homenagem da elite de Campinas à obra operística de Carlos Gomes, o grande maestro, ilustre campineiro. Mas há ainda pelo menos outros 10 ou mais times chamados ‘Guaranis’ Brasil afora. Sem falar em outras agremiações com alusões aos povos ancestrais, como o Tupy e o Tupinambá, desde 1911 em atividade na mineira Juiz de Fora.

Escudo da Seleção Brasileira indígena
Escudo da Seleção Brasileira indígena

Os chilenos, que derrotamos no certame de ontem, são tão orgulhosos de suas raízes indígenas que o principal clube do país, o Colo-Colo, fundado há 30 anos, é uma homenagem ao cacique Colo-Colo, herói do povo Mapuche. No Futebol Brasileiro, há registros de 1928 sobre a fundação de times nas etnias Kaingang e Terena. Em 1929, na ilha do Bananal, nasceu o Esporte Clube Índio Carajá. Mas teremos que esperar até 2009 para que surja aquele que será considerado o primeiro time indígena do mundo, o Gavião Kyikateje. Antes e durante as partidas, será costumeiro vermos os jogadores de cocar e com pinturas tribais. E surgirá então um grande ídolo no futebol indígena brasileiro, anotem: Aru Sompré. Será dele o ‘Ini-Ta-Gol’ (Gol, no idioma das matas) de honra do Gavião Kyikateje em sua estreia na elite do futebol do Pará, em 2014. Os ‘guerreiros’ serão derrotado pelo Payssandu (2 x 1), mas com os jogadores, todos índios, demonstrando principalmente ‘espírito de combate’, ‘força’ e ‘vontade’, virtudes representadas no vermelho-e-preto das pinturas em seus corpos. 

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Novas histórias e tradições que chegarão até o Século 21 ainda vivas, mas ameaçadas por uns ‘cabeças-de-bagre’ do extremismo. Os índios nos ensinaram a ‘Peteca’, o ‘Queimado’, a ‘Bolinha de Gude’, o ‘Cabo de Guerra’ e a ‘Briga de Galo’, entre outros jogos e brincadeiras. Pena que não estamos aprendendo com eles o ‘respeito’ e o ‘amor’ pela vida de todos os que vivem em nosso País.

PARA VER OS MELHORES MOMENTOS DA DESPEDIDA DE GARRINCHA DA SELEÇÃO

https://ge.globo.com/video/em-1973-garrincha-se-despede-da-selecao-brasileira-com-vitoria-no-maracana-1528959.ghtml

PARA CONHECER A HISTÓRIA DO ÍDOLO DO FUTEBOL INDÍGENA ARU SOMPRÉ

FICHA TÉCNICA
BRASIL 1 X 1 CHILE

Competição: Campeonato Sul-Americano de 1955 (Taça Bernardo O’Higgins)
Data: 18 de setembro de 1955 (sábado)
Estádio: Mário Filho (Maracanã)
Local: Rio de Janeiro (RJ)
Horário: 20h
Árbitro: Charles Frederick Williams (ING)

BRASIL: Castilho (Fluminense/Capitão); Paulinho de Almeida (Vasco), Pinheiro (Fluminense) e Nílton Santos (Botafogo); Ivan II (América) e Dequinha (Flamengo); (Botafogo), Walter Marciano (Vasco), Evaristo (Flamengo); Didi (Fluminense) e Escurinho (Fluminense). Técnico: Zezé Moreira

CHILE: Misael Escuti (Colo-Colo); Manuel Álvarez (Universidad Católica), Rodolfo Almeida (Palestino), Isaac Carrasco (Colo-Colo) e Carlos Cubillos (Unión Española); Ramiro Cortés (Audax Italiano), Jaime Ramírez (Colo-Colo) e Enrique Hormazábal (Santiago Morning); René Meléndez (Everton), José Fernández (Palestino), Leonel Sánchez (Universidad de Chile) (depois Jorge Robledo, do Colo-Colo). Técnico: Luis Tirado

Gols: Segundo Tempo: Pinheiro, aos 10’; e Jaime Ramirez, aos 39’

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