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La Popular ícone blog La Popular Por Enrico Benevenutti Aqui contamos histórias do futebol sudaca, aquele que catimba y baila milongas com a bola no pé

Sociedade da Neve: a relação entre o acidente do time de rúgbi e o futebol

Filme indicado ao Oscar narra luta por sobrevivência durante 72 dias na Cordilheira dos Andes; PLACAR conversou com dirigentes e familiares de presentes no voo

O filme Sociedade da Neve, dirigido por Juan Antonio Bayona, é um dos grandes sucessos de 2024. A obra relembra um episódio marcante do continente sul-americano: a heróica luta pela sobrevivência da equipe uruguaia amadora de rúgbi do Old Christians Club, depois de um acidente aéreo na Cordilheira dos Andes, em 1972. Apesar da preferência das vítimas pela bola oval, alguns dos 29 mortos tinham relação especial com o futebol. Entre eles, Numa Turcatti, o narrador do filme, foi fundador de um time de futebol, o Loyola FC, que hoje leva seu nome como homenagem e disputa campeonatos semiprofissionais contra o próprio Old Christians, que se tornou uma entidade poliesportiva.

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Impactada pelo filme indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional e Melhor Maquiagem e Penteados, a reportagem de PLACAR buscou entender a relação da tragédia com o futebol. Gonzalo Tellería, diretor de futebol do Old Christians Clube, Hernán Alegresa, neto de Javier Methol, sobrevivente do acidente, e Liliana, uma das vítimas, e Gabriel Nogueira, irmão de Arturo Nogueira, um dos mortos na Cordilheira, contam esta história.

O FUTEBOL NO CHRISTIANS

Em um país apaixonado pelo futebol como o Uruguai, o Old Christians, equipe de rúgbi que ganhou notoriedade internacional depois da tragédia na década de 1970, cumpriu um caminho quase que natural ao se aventurar também no outro esporte bretão. Atualmente, o clube conta com equipes de futebol para crianças, adolescentes, adultos e até masters, todas com certo destaque nas competições que disputam.

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Fundado como um time de rúgbi em 1962, no bairro de Carrasco, em Montevidéu, o Christians se transformou em poliesportivo com o passar do tempo, conforme explica Gonzalo Tellería, atual mandatário do futebol. “O clube é um só, ou seja, usamos o mesmo escudo de trevo, a mesma camiseta. Os primeiros sócios que vieram do Colégio de Mari organizaram o primeiro time de rúgbi e fundaram os Christians. Com o tempo, depois, foram aparecendo outros esportes: futebol, basquete, hockey… E fomos crescendo. Se existe a demanda por um esporte, vamos crescendo.

Gonzalo Tellería comanda futebol do Christians - Divulgação / OCC
Gonzalo Tellería comanda futebol do Christians – Divulgação / OCC

Para contextualizar, a pequena diferença entre os esportes, é que o nosso rúgbi se joga no mais alto nível do país, ainda que não seja um esporte profissional. A liga uruguaia alimenta a seleção nacional e o clube é o último tricampeão, temos algum êxito”, prossegue Tellería, pontuando que até os dias de hoje a principal força ainda é a bola oval. “Se o clube tivesse focado em somente um esporte, como o futebol, seríamos seguramente 10 vezes melhores na modalidade“.

A equipe de futebol do Old Christians é associada à Liga Universitária, tradicional torneio do país que conta com 96 equipes em seis diferentes divisões. Atualmente, a equipe que tem o trevo como emblema disputa a divisão mais alta da competição.

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Hernán Alegresa, atleta do time e neto de Javier Methol, um dos 16 sobreviventes do acidente, entrou no clube quase que por inércia após o colégio e chegou a dividir a atenção entre o Old Christians e o futebol juvenil profissional. O jovem não deixa de relembrar da influência de seu avô na paixão pelo OCC (sigla do Old Christians Club) e pelo esporte: “Ele sempre apoiou os valores e todo o sentido de pertencimento que existe no clube. Quando conseguia jogar no final de semana pelo Christians, jogava. E desde o primeiro dia até hoje sigo jogando. Não me arrependo de nada, ainda mais por causa do grupo e dos amigos”.

Para Hernán, o vínculo com o futebol é ainda mais forte e tem raízes na relação com o seu avô: “Quando ele estava internado, em 2015, eu fui o único neto que não conseguiu visitá-lo. Eu tomei a decisão de ir jogar uma partida de futebol quando a minha família foi vê-lo. Na época, estava no juvenil profissional. A sua morte e a minha ausência no hospital me fizeram levá-lo muito mais dentro de mim… E foi justamente o futebol o motivo que me impediu de vê-lo uma última vez. Eu penso nisso até os dias de hoje. Minha mãe me fez entender depois que estava tudo bem, não foi algo ruim. Ele sabia o porquê de eu jogar futebol e sempre me apoiou. Sempre que eu me lembro do meu avô, me lembro também do futebol”, conta, emocionado.

Javier Methol, sobrevivente do acidente e avô de Alegresa - Reprodução / YouTube
Javier Methol, sobrevivente do acidente e avô de Alegresa – Reprodução / YouTube

Ele se foi e passou a ser meu ídolo. Não o tenho como Javier Methol, o sobrevivente de Los Andes, mas sim como Tata, meu avô. Estar jogando no Old Christians é manter sempre o meu avô por perto”, completa Alegresa.

Javier Methol sobreviveu ao acidente, mas viu sua esposa, Liliana, não aguentar os impactos do acidente. O mais velho entre os atletas, se tornou empresário e morreu em 2015, de câncer.

LOYOLA FC, OU NUMA TURCATTI

No filme Sociedade da Neve, a narração é feita por Numa Turcatti, vítima fatal do acidente que ganha destaque pelo seu posicionamento e valores, além da curiosidade de ter viajado a convite de amigos, sem ser parte integrante do time de rúgbi dos Christians. É tido como a alma do grupo nas cordilheiras. Em 1966, seis anos antes da tragédia, o jovem uruguaio foi responsável por fundar a equipe Loyola Fútbol Club.

O time de futebol surgiu como alternativa para os amigos não perderem o contato durante a faculdade e o nome Loyola fez referência ao colégio que estudavam, o Colegio Seminario de Montevideo, cujo patrono era Santo Inácio de Loyola. Julio Martínez Lamas ‘Flaco’, Alfredo ‘Pancho’ Delgado, José Luis ‘Coche’ Inciarte e Arturo Nogueira, que estiveram no voo, eram também atletas do clube. O último, irmão de Gabriel Nogueira, que falou à PLACAR.

Meu irmão começou a ir a seminários e fez amizade com muita gente que mais tarde fundou o clube Loyola FC. O que eu me recordo perfeitamente é de ir com meu pai e meu irmão mais novo ver as partidas de futebol em um campo que ficava aqui perto de casa”, diz Nogueira.

Do grupo de fundadores, Pancho e Coche sobreviveram à tragédia e se tornaram responsáveis por uma homenagem que permanece até hoje. Em 1973, logo após o “Milagre dos Andes”, os dois mudaram o nome do clube de Loyola FC para Numa Turcatti. O condecorado Numa era o capitão da equipe e responsável por cuidar de todas as questões administrativas. Dentro de campo, vestia a camisa 7 e atuava como atacante.

O clube foi inscrito na Liga Universitaria em 1970 e permanece até hoje.

Artugo Nogueira (em pé, o segundo da direita à esquerda) e Numa (primeiro agachado da esquerda à direita) - Divulgação / Numa Turcatti
Artugo Nogueira (em pé, o segundo da direita à esquerda) e Numa (primeiro agachado da esquerda à direita) – Divulgação / Numa Turcatti

COPA DE LA AMISTAD

O acidente é lembrado anualmente pela instituição através da Copa de la Amistad (Copa da Amizade), uma competição que foca na integração entre o Old Christians e o Old Boys de Chile: “É o torneio que não se pôde jogar em 1972”, explica Gonzalo Tellería. Nos anos pares, os Christians viajam até o país vizinho, enquanto que nos ímpares é a vez dos chilenos serem recebidos no Uruguai.

A Copa de la Amistad era originalmente somente para rúgbi, mas tínhamos um time de futebol, eles também formaram uma equipe e assim foi… agora participam todos os esportes”, conclui.

O MILAGRE DOS ANDES

No início de outubro de 1972, a equipe amadora de rúgbi, Old Christians Club, estava prestes a realizar uma excursão rumo ao Chile. Para isso, um avião foi fretado para 40 pessoas, mais os cinco tripulantes. Entre elas, além dos jogadores e integrantes do time, estavam simpatizantes, familiares e amigos dos atletas. A viagem teve início no dia 12 de outubro, partindo de Montevidéu, com destino a Santiago.

Depois de uma pernoite em Mendoza, na Argentina, em razão de mau tempo nas Cordilheira dos Andes, a segunda parte do voo partiu no dia 13 de outubro. Porém, em um dia de muitas nuvens e turbulências, um erro na localização do comandante fez com que a aeronave iniciasse a descida para pouso em posição equivocada, o que resultou em colisão com uma montanha a mais de 4.000 metros de altura, partindo o avião sob o gelo andino.

Entre os instantes após o impacto e a primeira noite em temperaturas extremas (cerca de 40° C abaixo de zero), 17 pessoas morreram. Ao longo da espera, outras pessoas não resistiram à temperatura, aos ferimentos e a duas avalanches. A última vítima fatal foi o estudante de direito e jogador de futebol amador, Numa Turcatti, que antes de morrer autorizou que os sobreviventes se alimentassem de sua carne, prática que ocorreu como meio de sobrevivência durante o período na neve.

O resgate aconteceu 72 dias após o acidente, em 23 de dezembro de 1972, após longa caminhada de Fernando Parrado e Roberto Canessa em busca de ajuda. Ao todo, 16 pessoas foram resgatadas com vida, o que fez o acontecimento ser conhecido mundialmente como o “Milagre dos Andes”.

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