As manifestações políticas e religiosas vetadas na camisa da seleção
Nike foi criticada por permitir “Jesus” e barrar “Exu” na customização das camisas; empresa afirma que houve falha no sistema
A CBF anunciou, há alguns dias, os uniformes que serão utilizados pela seleção brasileira na Copa do Mundo do Catar. Logo no lançamento, a fornecedora Nike informou que não seria permitido customizar as camisas com palavras que contenham significado de cunho religioso, político, racista ou palavrões. Nomes de candidatos à presidência ou termos como “mito”, “comunismo” e “socialismo” também foram barrados no site da empresa.
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Nos últimos dias, porém, o tema se tornou polêmico por permitir palavras como “Jesus” e “Cristo” nos modelos e proibir outras como “Exu” e “Ogum”, entidades cultuadas por religiões afro-brasileiras. A empresa, porém, alegou que ocorreu um erro no sistema, que permitiu a customização de algumas palavras de cunho religioso. Além disso, na nota oficial, a empresa frisou que não permite manifestações religiosas e que “o sistema é atualizado periodicamente visando cobrir o maior número de palavras possíveis que se encaixem nesta regra”.
Tanto a Nike, quanto a CBF, fizeram um movimento recente com o objetivo de “despolitizar” a camisa da seleção, muito associada à imagem de Jair Bolsonaro. O lançamento do uniforme teve a participação do rapper Djonga, que faz críticas públicas constantes ao atual presidente. Além do aspecto político, a relação da torcida com a seleção brasileira esfriou nos últimos anos.
A decisão da Nike de censurar algumas manifestações dividiu opiniões. Para Bruno Maia, CEO da Feel The Match e especialista em inovação e novas tecnologias na indústria do esporte, o desejo do consumidor deveriam prevalecer. “A camisa da seleção, antes de pertencer a uma fornecedora de material esportivo, é um símbolo nacional identitário. Não cabe a fornecedor algum regular o uso de qualquer expressão, como se fosse dona da camisa, quando o que existe é uma relação apenas de produção e transação de material esportivo. São tempos sensíveis, as marcas precisam estar atentas a todas esses pontos de contato de comunicação e erros podem acontecer”, pondera.
“É compreensível a preocupação da Nike com o mau uso das ferramentas de customização, mas a linha da censura é sempre tênue. Ademais, a empresa tem um histórico de abraçar lutas identitárias e naturalmente pode rever essa decisão, melhorando o serviço no futuro. A gente evolui justamente quando um erro é cometido, revisitado e aprendido”, completa Maia.
A amarelinha perdeu valor?
Para Bruno Maia, a identificação dos torcedores com os atletas foi afetada, mas a marca da seleção segue forte. “Quando chega a Copa do Mundo, a paixão volta à tona e o país inteiro torce junto. É um produto nobre do mercado esportivo”.
Na opinião de Renê Salviano, sócio da agência de marketing esportivo HeatMap, para captação de patrocínios e desenvolvimento de ativações, a camisa da seleção brasileira sempre será valorizada pelos fãs. “Estamos acostumados a vencer no futebol e ter grandes talentos, isso gera uma conexão enorme com o público. Ainda que muitas vezes as coisas em campo não caminhem tão bem, fora dele a seleção possui um grande apelo, é uma marca valorizada”, aponta Salviano.
No site da Nike, cada camisa oficial da seleção custa R$349,99, valor equivalente a quase 30% do salário mínimo no país. Mesmo assim, o manto azul do Brasil se esgotou em poucas horas no primeiro dia de vendas dos novos uniformes. A fornecedora já disponibilizou um novo lote aos torcedores.
“A camisa canarinho é a mais pesada do mundo, conhecida em todo o planeta. O sucesso de vendas é garantido e, se for atrelado a um bom desempenho em campo, o potencial de receita certamente se multiplica. A torcida perdeu um pouco a identificação com a seleção, porque o brasileiro está acostumado a títulos e a melhores desempenho em mundiais, mas acredito que neste ano temos tudo para fazer uma grande Copa e resgatar totalmente essa paixão”, afirma Pedro Melo, executivo comercial do Atlético-MG que atua na captação e gestão de patrocínios.
Inspirada na garra brasileira, o uniforme principal da seleção traz detalhes que remetem a pele de uma onça. A camisa azul também conta com referências a um dos principais animais da fauna brasileira. No universo dos fornecedores de materiais esportivos, é comum a utilização de conceitos que não estão relacionados ao futebol. De acordo com Fernando Kleimmann, sócio-diretor da Volt, os projetos devem ter embasamento e contarem com alguma ligação histórica para serem concretizados.
“Com minha experiência neste mercado, posso assegurar que no processo de criação de uma camisa, todos os detalhes que são desenvolvidos possuem alguma conexão com a história da agremiação, ainda mais quando estamos falando de um modelo que será utilizado na Copa do Mundo. Nos últimos anos, alusões a temas fora do futebol estão crescendo ainda mais, principalmente quando estão conectados ao planeta streetwear”, explica o executivo.
Para os especialistas da área, apesar do momento turbulento, que envolve 20 anos sem o título mundial e crise política, a camisa amarela segue forte. “Independente do momento, a seleção brasileira consegue unir o povo para torcer, vibrar, ainda mais quando se trata de Copa do Mundo. O Brasil teve um excelente desempenho nas eliminatórias, tem um grupo muito forte, além do peso e tradição no futebol” completa Fábio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports & Marketing e especialista em marketing esportivo.
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