Brasileira lidera evolução do futebol feminino na Arábia Saudita
Letícia Nunes, atacante do Al-Ittihad, falou com exclusividade à PLACAR sobre abertura cultural do país, adaptação e crescimento do esporte

Há pouco mais de uma temporada o futebol saudita chamou a atenção do mundo. A transferência de Cristiano Ronaldo ao Al-Nassr abriu as portas do mundo árabe para outros atletas de elite e a liga foi se reforçando cada vez mais: de Benzema a Neymar, a Saudi Pro League é uma realidade. O que nem todos sabem é que a Arábia Saudita tem se esforçado para desenvolver também o futebol feminino.
PLACAR visitou o país a convite da liga saudita e se encontrou com a brasileira Letícia Nunes, atacante e artilheira do Al-Ittihad desde agosto deste ano, no Regional Training Center (RTC), projeto de desenvolvimento do esporte local, no complexo do estádio King Abdullah Sports City.
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Aos 22 anos, Letícia se transferiu para o futebol saudita sob indicação da treinadora brasileira Lindsey Camilla (campeã da Libertadores 2020 com a Ferroviária). As duas foram campeãs da A2 no Brasil com o Bahia ainda em 2024. Antes disso, a atacante revelada pelo Cruzeiro também passou por Athletico Paranaense, América-RN, Ipatinga e América-MG.
“Existem outras brasileiras aqui na Arábia Saudita, eu vi que era um projeto que estava se expandindo, com um bom investimento, e achei uma ótima oportunidade”, diz Letícia, explicando sua ida ao país.
O esporte é parte fundamental do projeto de desenvolvimento saudita, não à toa que a Federação de Futebol da Arábia Saudita (SAFF) investiu cerca de R$ 87 milhões na atual temporada para potencializar a categoria feminina, criada há quatro anos, em 2020.
Como é o futebol feminino na Arábia Saudita
A Arábia Saudita deve ser confirmada como sede da Copa do Mundo de 2034 – é candidata única e o próprio presidente da entidade, Gianni Infantino, já trata o país árabe como o escolhido -, mas para isso precisa confirmar os avanços em temas relacionados aos direitos humanos e leis trabalhistas.
O futebol é parte fundamental do projeto Vision 2030 (Visão 2030, que tinha este nome pois a meta era sediar a Copa de 2030), um programa de reposicionamento estratégico, que visa tornar a economia local menos dependente de petróleo e mais aberta ao turismo.
A jogadora nascida em Belo Horizonte diz viver em paz no país antes visto como um dos mais restritivos para as mulheres. “Futebol é futebol em todo mundo. Aqui está sendo uma evolução para o futebol feminino, fico feliz pelas mulheres da Arábia Saudita, é algo que potencializa a questão de liberdade, de poder exercer aquilo que quiser. Está em um processo de evolução muito grande. São níveis diferentes (comparando com o Brasil). As mulheres começaram a jogar a liga saudita há três anos.”
Letícia soma sete gols e duas assistências em sete jogos pelo Al-Ittihad, uma das quatro grandes equipes sauditas. Da cidade de Jeddah, segunda maior da Arábia Saudita, o time tenta desbancar o Al-Nassr, da capital Riad, atual bicampeão. Para isso, a brasileira não é a única estrangeira no elenco. A goleira eslovena Zala Mersnik, a zagueira inglesa Leighanne Robe, a jordana Shahnaz Jebreen e a libanesa Lili Iskandar também são peças fundamentais.
Além de Letícia Nunes, outras oito brasileiras também atuam na Primeira Divisão saudita: Duda Francelino e Kathellen (Al-Nassr), Aline (Al-Hilal), Rayanne (Al-Qadsiah), Keikei (Eastern Flames), Jaine e Tuani (AIUIa), Mayara (Al-Taraji).

Cultura e adaptação
A principal barreira, segundo ela, é se relacionar com outras pessoas. Letícia descarta aprender o árabe pela dificuldade, mas tem estudado inglês: “A vida social é bem diferente, aqui é mais difícil de fazer amizades, este ciclo social é mais curto pela dificuldade de comunicação com os homens e também mulheres, é pouco contato”.
“O que a gente sabe é de uma cultura mais fechada, muito diferente do Brasil, mas é algo relativo. A minha adaptação tem sido bem tranquila… A forma de se vestir, de falar. Depois que você entende fica mais fácil. Hoje eu me sinto muito bem, quase uma saudita (risos).
Infraestrutura e torcida
Letícia diz que o que mais lhe surpreendeu foi o calor dos torcedores, apesar do número reduzido de presentes nas arquibancadas. “Eles apoiam, muitas pessoas mandam mensagem e deixam comentários nas redes do clube. Claro que existem os haters, como no Brasil, pessoas que ainda não entendem o futebol feminino, mas vejo que as pessoas também estão evoluindo junto com o futebol”.
“Eu joguei em bons times no Brasil, com grandes infraestruturas, e vejo que aqui eles dão a mesma base. Tentam investir até mais que no Brasil, financeiramente. Hoje treinamos em um campo muito bom, temos uma ótima comissão”, complementou.
Dificuldades
O forte calor (os termômetros beiravam os 30°C durante a visita de PLACAR mesmo numa das épocas menos quentes do ano) provoca mudanças de agenda. “Aqui as atividades são mais noturnas do que diurnas. Treinamos a partir das 17h30 e vamos até umas 21h30. Para mim é mais difícil para dormir e mais difícil para acordar do que no Brasil. Ter uma rotina. Ainda estou me adaptando”.
Letícia diz se vestir normalmente, mas admite certo desconforto. “Não foi por falta de aviso, mas eu precisei ir no mercado e eu estava com um shorts um pouco mais curto e quando saí do carro todo mundo ficou olhando. Voltei logo para o carro para colocar uma calça”.