O que a crise na Juventus ensina ao futebol brasileiro
Escândalo no maior campeão italiano de todos os tempos mostra que nenhum clube, por mais poderoso que seja, está acima da lei
Tente adivinhar. Um clube fundado em 1897, em um país apaixonado por futebol, campeão nacional por diversas vezes, duas vezes campeão continental e com uma das maiores torcidas do mundo. Nada ainda? Pois bem, mais uma chance. Esse clube possui as cores preto e branco, tem um estádio novíssimo em folha e está passando por mais uma crise sem precedentes de sua história. Se ainda não adivinhou, não se culpe. Essa poderia facilmente ser a descrição de um clube brasileiro, mas felizmente, neste caso não é. Estamos falando da Juventus e sua mais nova crise que chacoalhou o mundo do futebol em plena Copa do Mundo. O que o futebol brasileiro pode aprender com mais essa crise da La Vecchia Signora?
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Ontem, dia 29 de novembro de 2022, o presidente da Juventus (Andrea Agnelli) e todos os membros do Conselho de Administração, incluindo o ex-ídolo do clube Pavel Nedved, renunciaram aos seus cargos. O clube, que é listado na Bolsa de valores de Milão, viu seus papéis despencarem para 0,28 centavos de Euro. O escândalo de proporções mundiais é o resultado, ainda preliminar, de uma investigação da procuradoria da cidade de Turim sobre fraude contábil na Juventus que inclui pagamento secreto a jogadores e outras manobras contábeis e financeiras. Mesmo ainda em fase inicial de apuração, a Exor (holding que, além da Juventus, detém em seu portfolio marcas como Ferrari, Iveco Group, The Economist e Christian Louboutin) “sugeriu” a renúncia dos membros do Conselho do clube.
Essa crise ocorre 16 anos após o “Calciopoli”, escândalo de arbitragem e manipulação de resultados que rebaixou a gigante de Turim para a segunda divisão e lhes retirou dois títulos Italianos, e de outra crise gerada após a venda ilegal de ingressos, em 2017, efetuada por Angelli ao líder de uma torcida organizada ligado à máfia localizada na Calábria. Apesar da infeliz sequência de uma crise por década, é importante observarmos que o “Calciopoli” e a crise desta semana possuem algo em comum, que é a busca por resultado esportivo a todo custo. Vamos aos fatos.
A Juventus é a maior campeã italiana. O clube já levou o “scudetto” 36 vezes, tendo uma sequência de nove títulos consecutivos entre 2011 e 2020. Essa foi uma resposta e tanto para aquela que tinha sido a maior crise da história da Juve. O clube de Turim renasceu das cinzas após amargar a segunda divisão e abocanhou uma sequência de títulos sem precedentes no futebol italiano. O orgulho bianchoneri estaria restaurado não fosse a sede pelo maior título continental do planeta, a Champions League, algo que o gigante de Turim apenas obteve em duas oportunidades, em 1985 e em 1996. A busca pelo título continental fez com que o clube contratasse Cristiano Ronaldo, em 2018, em uma transferência de 100 milhões de Euros, junto ao Real Madrid.
O sucesso desportivo não apareceu nos níveis desejados, as dívidas se acumularam e veio a pandemia da Covid-19. Em setembro deste ano, o clube divulgou em seus balanços uma perda 254 milhões de Euros no último ano, a quinta perda consecutiva registrada, sendo esta, de 44 milhões de Euros a mais que no ano anterior. Foi a gota d’água para acelerar a investigação que já estava em curso. Suspeitas de pagamentos secretos a jogadores, comissionamento ilegal em transações de atletas, e faturas inexistentes para mascarar receitas irreais. São muitas as acusações das quais a Juventus terá que se defender.
O resultado dessa investigação saberemos nos próximos meses, mas já podemos tirar algumas lições para o futebol brasileiro de mais esse triste episódio no futebol mundial. A primeira e mais óbvia é o fato de que um clube de futebol, por mais poderoso que seja, não está acima da lei. O futebol é uma paixão e um grande clube é um valioso veículo para gerar poder, dinheiro e prestígio. Todo cuidado é pouco. Outra lição é que clube algum está livre dos malfeitos de seu corpo executivo, mas que mecanismos de defesa devem ser acionados imediatamente em casos suspeitos. A Exor foi ágil, “renunciando” o Conselho de forma imediata para colaborar com as investigações a fim de proteger a instituição. E, por fim, e não menos importante, fica a lição de que as SAFs não são as soluções para os problemas “mundanos” do futebol.
Ao torcedor que torce para que seu clube seja adquirido e seja “administrado como uma empresa”, para que dê um salto financeiro e possa disputar títulos, fica a recomendação de saber quem está por trás de uma eventual compra e quais os mecanismos de defesa para proteger o clube em caso de má gestão. A busca por resultado esportivo é o desejo de todos, mas não deve ser a qualquer custo. Que saibamos aprender com os erros dos outros e que a Juventus consiga sair de mais essa lamentável crise. “Forza Juve!”