Cadê o Pelé? O melhor modo de encontrá-lo, nestes dias de Copa do Mundo, é seguir os passos da filha Kely, que deixou Nova York para registrar o cotidiano do pai em um videoblog
“Meu pai foi relutante, porque é de uma geração que não costuma expor a vida para os fãs. Ele achava que faríamos uma espécie de Big Brother, com câmeras até no banheiro”
Cadê o Pelé? Era de imaginar que, na Copa do Mundo do Brasil, o rei do futebol fosse figura onipresente. Não é. Ele chegou a ir a um dos jogos no Itaquerão, onde foi fotografado ao lado de Joseph Blatter, o presidente da Fifa, e distribuiu centenas de autógrafos, com a simpatia de sempre, inquebrantável. Muito mais não apareceu, ao menos em eventos oficiais. Pelé tem seus próprios patrocinadores e compromissos. Zela também pela privacidade, por saber que é personagem magnético, sobretudo em tempos de futebol na ribalta. Uma recente cirurgia nos quadris o impede de se movimentar como gostaria, dificuldade potencializada para um homem de 73 anos. Cadê, enfim, o Pelé? O modo mais fácil de achá-lo, nestes dias de Copa, é seguir os passos de sua filha Kely Nascimento-DeLuca. Aos 47 anos, casada com o pediatra Arthur DeLuca, mãe de quatro filhos, ela deixou temporariamente a família nos Estados Unidos e voltou para a casa do pai. O motivo: registrar os passos de Pelé em um videoblog, o The Real Pelé (www.therealpele.com).
Leia também:
Filho de Pelé é preso por envolvimento com tráfico
Nas semifinais, 2 revanches, 10 títulos e 20 decisões
Siga no Instagram: uma seleção de fotos exclusivas em @vejanoinsta
Kely teve a ideia ao acompanhar o cotidiano dos próprios filhos. Via o quarteto seguindo a vida pessoal de jogadores pelas redes sociais e percebeu que a internet poderia aproximar Pelé dos jovens. No início, o rei refutou a aproximação. “Meu pai foi relutante, porque é de uma geração que não costuma expor a vida para os fãs. Ele achava que faríamos uma espécie de Big Brother, com câmeras até no banheiro”, explica Kely. Não há câmeras no banheiro, porém o The Real Pelé, produzido em parceria com a empresa Legends 10, que administra todos os negócios do ex-jogador, acompanha, desde 12 de junho, Pelé nas mais diversas situações, do churrasco em família à inauguração do museu dedicado à sua vitoriosa carreira.
A filha tem feito boas descobertas na convivência com o pai. Em primeiríssimo lugar, voltou à adolescência. Vive recebendo broncas pela bagunça no quarto ou por falar de boca cheia. “Depois desse mês juntos, vamos precisar tirar férias um do outro”, diz ela. “Ele está adorando ter em quem mandar e com quem brigar”, brinca. Kely ingressou também em um mundo que ela sabia existir, mas que lhe era razoavelmente distante, a famosa dupla identidade de Edson e Pelé, Pelé e Edson, traduzida pelo hábito do gênio da bola de se referir a si próprio na terceira pessoa. “Quando era pequena estranhava o fato de o meu pai usar a terceira pessoa para se referir a ele mesmo”, diz Kely. “Mas agora entendo perfeitamente, porque são realmente duas pessoas, dado o tamanho do mito.” Mas ela, mais do que ninguém, sabe distinguir um do outro. “Sei pelo tom de voz quando é o Pelé falando para o público e quando é o Edson em sua vida real”, resume.
Filha do primeiro casamento de Pelé, com Rosimeri Cholbi, Kely vive nos Estados Unidos desde os 8 anos, quando o pai foi jogar no New York Cosmos. Ele já era tricampeão mundial, mas trocar Santos por Nova York fez com que o assédio diminuísse. Para ela, ser filha do maior futebolista do planeta não era algo tão importante. “Eu estudava em uma escola da ONU, com filhos de pessoas importantes do mundo inteiro. Lá, eu era apenas mais uma.” Apesar de o marido e os filhos serem americanos, a relação de Kely com o Brasil é tão forte que ela carrega no pescoço um colar com o mapa do país e um ponto no local onde está Santos. Na nuca, a “nova-iorquina brasileira”, como se define, tem uma tatuagem com os dizeres “made in Brasil”. Kely vem ao Brasil cerca de duas vezes por ano e fica durante um mês, para visitar a família. Desta vez, no entanto, não terá férias. O excesso de trabalho nesta passagem pelo país é exatamente o que mais incomoda Pelé. “Com esse projeto, ela quer me fazer trabalhar até mesmo quando estou de folga”, reclama.
Leia também:
Sem Neymar, Felipão avisa: ‘Agora é a hora dos outros 22’
Alemanha, quem diria, teme jogo físico da equipe brasileira
Felipão ensaia variações na equipe e traz mistério a Minas
Para capturar as imagens sem perder a espontaneidade e, principalmente, sem espantar o verdadeiro Edson, Kely e seus parceiros, o editor Justin Noto, o produtor Nouredine Elhaoussine e o sócio e CEO da Atari Fred Chesnais, decidiram abrir mão das câmeras profissionais. Justin passa o dia com uma GoPro, enquanto Kely filma tudo com seu iPhone. Ela também não poupa esforços para que a meta – um vídeo a cada dia de jogo da Copa – seja alcançada: primeiro legenda todo o material para que Justin, americano, possa editar; depois faz as últimas alterações e aprova a versão final; e, por último, publica o vídeo, o que não tem sido uma tarefa fácil. “Como acompanhamos a agenda do Pelé, estamos a cada dia em um lugar, e nem sempre é fácil conseguir internet para publicar os vídeos.”
Sem roteiro, pai e filha vivem trocando provocações na frente das câmeras, mas é visível que as brincadeiras ocorrem apenas porque os dois são muito próximos. “Não posso dizer que sou a preferida, mas sou, com certeza, aquela com gênio mais parecido ao dele”, conta Kely sobre a relação do pai com os sete filhos, dois dos quais fora do casamento. Preferida ou não, Kely está sempre zelando pela imagem do pai, que retribui todo o cuidado da filha de forma muito carinhosa. Durante um encontro de Pelé com os fãs, Kely interrompeu a filmagem em seu iPhone para pedir ao pai que ajeitasse o terno. Obediente, ele se arrumou e, pouco depois, tascou-lhe um beijo na bochecha. Ao lado da filha, Pelé faz sua própria Copa do Mundo.