Um instituto de pesquisas de mercado estima em 23 o número de medalhas do Brasil na Olimpíada do Rio. São quatro pódios a menos que a aposta do Comitê Olímpico Brasileiro. O duelo estatístico apenas começou
A um ano do início da Olimpíada do Rio, começam a brotar os resultados de uma das mais interessantes modalidades: a previsão do número de medalhas de cada país. Os modelos de cálculo misturam histórico de pódio, PIB, desempenhos em edições anteriores, número de participantes e o efeito de jogar em casa. Os acertos podem chegar a 100%, e nunca ficam abaixo de 95%. Institutos de pesquisa de mercado, grandes bancos internacionais, casas de apostas e universidades dominam esse campo. VEJA obteve com exclusividade o mais recente levantamento em torno das perspectivas para a delegação do Brasil na Rio 2016, construído pela MarketData, reputada empresa de análise de mercado. A estimativa é de 23 medalhas – quatro a menos do que a meta estabelecida pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Parece pequena a diferença de quatro medalhas. Não é, sobretudo se forem de ouro.
Ao mirar em 27 medalhas – dez a mais do que na Olimpíada de 2012, em Londres -, o COB pôs o sarrafo numa altura ambiciosa. É quantidade de pódios que instalaria o Brasil na 11ª colocação (o país ficou na 16ª) quatro anos atrás. Com 23 medalhas, a posição, a rigor, seria a mesma na listagem final. “É como tentar prever se vai chover hoje usando dados de quinze anos antes”, diz Karina Gernhardt Nakamura, gerente executiva de estatística da MarketData. “Há possibilidade de erro, sim, mas muito pequena, ínfima, porque as informações históricas têm solidez.”
Mesmo sabendo-se que a margem de erro é pequena, é sempre possível apostar que estatística não entra em campo, não corre, não luta, não salva um match point. No caso da MarketData, contudo, ressalve-se que a empresa cravou o desempenho dos atletas chineses na Olimpíada de Pequim, em 2018 (100 medalhas), e bateu na trave para a delegação da Grã-Bretanha em Londres, em 2012 (esperava 68, foram 65), e os gregos em Atenas, em 2014 (a aposta era dezessete, e saíram dezesseis pódios).
Para comprovar a eficácia de seu modelo, a MarketData aplicou o algoritmo de modo reverso em Jogos do passado. Houve discrepância em alguns casos, mas ela é explicável – e ajuda a entender o que pode bagunçar a brincadeira da estimativa olímpica. Nos Jogos de Atlanta, em 1996, a equação apontou para 174 medalhas dos Estados Unidos – foram 101. A diferença é resultado de um nó geopolítico: os sucessivos boicotes à Olimpíada de 1980, em Moscou, e à de 1984, em Los Angeles. A inexistência de grandes duelos, como Estados Unidos versus União Soviética ou Estados Unidos versus países do eixo soviético, escamoteou resultados e a conta desse buraco de informações alterou avaliações futuras. Tome-se como exemplo a improvável vitória do britânico Allan Wells nos 100 metros rasos em 1980, um atleta apenas mediano que, anos depois, faria barulho ao lembrar que fora “o último atleta branco a ganhar os 100 metros rasos”, como se sua constatação fosse reflexo de racismo. Outro fator de subversão estatística é a possibilidade (remota) de um atleta ganhar exponencialmente mais provas do que se supunha. Foi o caso do nadador australiano Ian Thorpe, que saiu de Sydney, em 2000, com cinco medalhas no peito. Imaginava-se que seriam menos. Thorpe, sozinho, justifica o erro da MarketData ao olhar para 2000 e o país mandante: o computador calculou cinquenta medalhas para a Austrália, e foram 58.
Convém ressaltar que os modelos matemáticos não trabalham diretamente com o nome de atletas – estimam os resultados a partir do conjunto, fundamentalmente ancorados no PIB. Se é possível prever medalhas com base na riqueza de algumas nações, que tal tomar o caminho inverso, tentando imaginar que medalhas costumam ser distribuídas, em determinadas modalidades, quase sempre aos mesmos países? O estatístico americano Nate Silver – famoso por ter acertado na mosca o resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos – respondeu a essa questão. A ginástica rítmica, ele descobriu, é a modalidade que tem a menor renda per capita por medalha. Em seguida, vem o levantamento de peso. É o que explica o fato de países pequenos conquistarem medalhas nesses esportes. Na outra ponta, a mais alta renda per capita por medalha é a do hipismo, seguida do triatlo e da natação – não por acaso, cavalo e cavaleiro vencedores são prioritariamente europeus, e nas provas de triatlo e natação o domínio é americano. Em outras palavras: há medalha de rico e medalha de pobre.
A soma disso tudo – ricos e pobres, o passado, a força da torcida doméstica (associada à pressão) e a renda – permite vislumbrar um futuro olímpico para o Brasil, que pode, sim, chegar às 27 medalhas sonhadas (em sua defesa, o COB diz trabalhar com estatística, mas também no corpo a corpo com atletas de altíssimo rendimento), pode cair para 23, ou descer até um pouquinho mais. Na semana passada, uma empresa holandesa de mineração de dados esportivos, a Infostrada, dava ao Brasil apenas 21 medalhas em 2016. A Infostrada é a única a atualizar as estimativas mensalmente, porque acompanha as competições detalhadamente, dando, portanto, nome aos bois, aos atletas.
“Meta é para ser difícil mesmo, não é para ser fácil”, diz o diretor executivo de esportes do COB, Marcus Vinícius Freire. O COB fez a coisa certa: investiu 1,4 bilhão de reais nos últimos quatro anos em atletas de alto rendimento. Vindo do mercado financeiro, Vinícius Freire desenhou um competente e invejado cronograma de trabalho, lida com estatísticas, mas também com a alma dos competidores. Continua a apostar na meta de 27 medalhas, porque é fundamental saber aonde chegar. E, no entanto, na hora H pode dar errado – e os problemas de formação esportiva do Brasil (veja o quadro na pág. ao lado) estarão mais escancarados do que já estão.
O bom é que logo saberemos quem poderá abrir um champanhe – os donos das estatísticas mais cautelosas, que só lidam com números, ou os mais esperançosos, que aos dados acrescentam a evolução dos atletas, como faz o COB em sua projeção. Bem-vindo ao tempo em que tudo pode ser medido – até mesmo a glória olímpica (apesar das necessárias e comoventes surpresas). “Como tudo o que se faz gera conteúdo e informação – na internet, no GPS, nos exercícios físicos -, a precisão será uma característica de nosso tempo, mesmo no que soa imponderável”, diz Marcelo Sousa, diretor executivo da MarketData.
Colaborou Natália Luz
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