Opinião: prêmio a Modric é a vitória da arte sobre as estatísticas
Meio-campista croata não teve números brilhantes como Cristiano Ronaldo e Salah, mas a beleza e a relevância de seu futebol vão muito além das planilhas

Em abril deste ano, a revista France Football escreveu um pedido de desculpas formal ao meia espanhol Andrés Iniesta por nunca ter lhe concedido uma Bola de Ouro. O elegante ídolo do Barcelona conquistou todos os títulos possíveis, mas com seu jogo coletivo e de genial simplicidade sempre ficou à sombra das máquinas de gols – e jogadas igualmente espetaculares – Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. O holandês Wesley Sneijder e o espanhol Xavi Hernández também fizeram por merecer, mas jamais chegaram perto da coroação. Nesta segunda, porém, toda a classe dos playmakers, como são conhecidos os criadores de jogadas, se sentiu um pouco representada por Luka Modric. O prêmio The Best 2018 conquistado pelo croata não só encerra uma década de hegemonia de Cristiano e Messi, como reforça a tese de que o futebol é cada vez mais um jogo de grupo. É a vitória da arte sobre os números.
Há quem considere que a premiação foi injusta e até política – era uma bela oportunidade de a Fifa manter Cristiano e Messi empatados em cinco conquistas e ainda premiar uma longa carreira de uma atleta fora do “eixo” e com uma história de vida marcada por guerras e superação. A Copa do Mundo da Rússia, da qual Modric foi vice-campeão e eleito o melhor jogador, foi certamente o que mais pesou na escolha, assim como ocorreu em 2006 na conquista do zagueiro italiano Fabio Cannavaro (talvez a mais controversa de todos os tempos). Modric ainda foi peça-chave do Real Madrid nas conquistas da Champions e do Mundial de Clubes, ambos pela terceira vez consecutiva – os torcedores do Grêmio, por sinal, não vão esquecer tão cedo o verdadeiro desfile em campo do croata nos Emirados Árabes. Seus números, no entanto, não são os mais impressionantes.
A comparação com os artilheiros Cristiano Ronaldo e Mohamed Salah é quase uma covardia: Modric somou cinco gols e onze assistências em 59 jogos na temporada, ante 54 gols e onze assistências em 55 jogos do português, e cinquenta gols e dezesseis assistências em 58 jogos do egípcio do Liverpool. Também não roubou tantas bolas quanto o incansável N’Golo Kanté, nem acertou tantos passes quanto o colega Toni Kroos. Mas a beleza do jogo do craque croata de 1,72 metro e 66 quilos não se resume a números. Eles, na verdade, até atrapalham, pois Modric muitas vezes foge do senso comum, evita o passe curto e burocrático – o que diminuiu sua porcentagem de acerto.
O baixinho bom de bola, apelidado no início de carreira de “Cruyff dos Balcãs”, é o motor da equipe do Real Madrid. Corre todo o campo, encontra os espaços vazios, busca o jogo desde a defesa e leva a bola ao ataque com enorme qualidade. Passes de primeira, condução perfeita e uma trivela que já se tornou uma assinatura são parte de seu repertório. É veloz, inteligente, toma as decisões corretas… um verdadeiro artista, um camisa 10 moderno. As estatísticas são sempre bem-vindas e ajudam a explicar o jogo, mas não é preciso utilizar nenhuma planilha para saber que Luka Modric é um craque absoluto, um gênio da bola. Basta ligar a TV, prestar atenção e desfrutar.