Kaique Pacheco, de 24 anos, é o novo e celebrado campeão da PBR, o badalado circuito americano de rodeios com touros, hoje dominado por brasileiros
Uma semana antes da grande final da Professional Bull Riders (PBR), circuito de rodeios com touros transmitido pelo canal CBS que movimenta 1 bilhão de dólares por ano nos Estados Unidos —, o paulista Kaique Pacheco montou no touro Fly Over, 1 tonelada de pura fúria. Após conseguir a proeza de estabilizar seus 65 quilos e 1,75 metro no lombo do animal saltitante por 7,9 segundos, quase no limite dos 8 segundos tidos como próximos da perfeição, o atleta caiu inapelavelmente no chão de areia da festa, em Las Vegas. Com as costas no solo, assustou-se, embora não demonstrasse, quando Fly Over deu uma animalesca cabeçada em seu joelho esquerdo. A dor terrível já indicava o que se descobriria logo em seguida, depois do socorro médico. Exames de ressonância magnética confirmaram o rompimento dos ligamentos cruzado posterior e colateral medial, além de rupturas na virilha. Para efeito de comparação, seria como se, no apogeu do anticlímax, o prodígio francês Kylian Mbappé sofresse uma lesão severa uma semana antes da final da Copa do Mundo, contra a Croácia.
Pacheco, familiares e a organização da PBR ficaram em pânico. Impossibilitado de montar, ele corria o risco de perder o título que praticamente assegurara antes da derradeira rodada. A fase final do rodeio americano é dividida em seis montarias. O convalescente Pacheco tivera 90% de aproveitamento nas quatro primeiras. Os excelentes resultados garantiram o troféu, sem que, machucado, ele tivesse de disputar a dupla de baterias finais. A PBR funciona em pontos corridos. E, aos 24 anos, o rapaz caipira de Itatiba, cidade a 83 quilômetros de São Paulo, sagrou-se o mais celebrado peão do mundo. Levou um prêmio de 1 milhão de dólares e carradas de fama.
– Criado em 1992, o rodeio movimenta 1 bilhão de dólares por ano nos Estados Unidos. É transmitido pelo canal CBS
– O espetáculo é o esporte em si; não há shows de cantores famosos. A montaria — sempre em touros — ocorre em arenas fechadas
– Sete dos dez peões finalistas da temporada de 2018 são brasileiros. Quase todos moram em fazendas no Texas
– 25% do público presente na grande final, em Las Vegas, era de turistas brasileiros
– No Brasil, a PBR realizará três eventos próprios (em Cuiabá, Goiânia e Belo Horizonte) em 2018. Quer fazer o dobro em 2019
Desde que se mudou para os Estados Unidos, aos 18 anos, Pacheco já faturou o equivalente a 10 milhões de reais apenas com o circuito. Trata-se de um valor que não considera os contratos comerciais e os convites para eventos. O menino cresceu entre bretes, ferraduras e selas. Seus avós eram tropeiros, responsáveis por criar cavalos e bois de montaria. A grande inspiração estava mesmo dentro de casa. Seu pai, Everaldo Xavier, trabalhou como peão profissional. Nos fins de semana, o garoto adorava vê-lo montar. O interesse pelo esporte foi natural. Aos 12 anos, ele estreou na categoria infantil. Deu-se então o caminho inverso: o pai passou a colocá-lo no carro para rodar mais de 400 quilômetros a fim de disputar competições no interior de São Paulo, Minas e Goiás. “Emancipei meu filho aos 16 anos para que ele começasse a rodar o mundo”, diz Xavier. Com os laços do destino definidos, uma condição foi imposta: o peão mirim teria de concluir os estudos. O adolescente estudou o ensino médio em um internato de agronomia.
Os tempos mudaram. Pacheco, que já não circula sem dar autógrafos, vive numa fazenda na cidade de Decatur, no Texas. Ele montou uma arena especial para aperfeiçoar seu domínio na arte de se manter em cima de touros. Faz treinos específicos em academia para ganhar força nas pernas. Em um deles, fica com os dois braços suspensos por argolas enquanto realiza abdominal levando caixas de madeira presas às coxas. Quando está em casa, passa horas no YouTube vendo vídeos da performance dos animais com os quais lidará. Investe quase todo o seu dinheiro em gado e imóveis.
Pacheco não está sozinho. Se o Brasil já teve os melhores jogadores de futebol do mundo, andou se destacando no MMA e vive fase dourada no surfe, agora também brilha em cima das selas. Nas provas de rodeio dos Estados Unidos, sete dos dez mais bem colocados de 2018 são daqui. Adriano Moraes, tricampeão na PBR, seis hérnias de disco e nove cirurgias por lesões nos ossos, foi o primeiro brasileiro a desbravar o território, nos anos 90. Dali para a frente, a competição cresceu exponencialmente, e the brazilians pegaram as rédeas. A PBR acontece em mais de trinta etapas, sempre em ginásios fechados, como o mítico Madison Square Garden, em Nova York. Não há megashows de música. Os peões são tratados como celebridades. E começam a rodar o mundo, com a exportação da brincadeira. No Brasil, até 2017 a PBR fez parcerias com rodeios já existentes, como os de Barretos e Americana, com competição paralela à principal. Neste ano, a empresa realizará três eventos próprios. Em 2019, serão ao menos cinco. “No Brasil, a festa é mais do que o rodeio em si, é também um festival de música sertaneja”, diz Phil Menezes, diretor da IMM, empresa organizadora da PBR e do UFC. Desperta entusiasmo a consagração de Kaique Pacheco, um chamariz natural, em torno de quem haverá intenso frenesi — no avesso da figura tímida do rapaz, conhecido entre os americanos como Iceman, dada a frieza de quem fala muito pouco.
Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2018, edição nº 2609