Romero e xenofobia: confusão entre jornalismo e ‘humor esportivo’
Atacante paraguaio do Corinthians acerta em cheio ao defender seu país e levantar discussão sobre preconceito. Mas erra ao generalizar
Ángel Romero escolheu o momento errado para falar sobre um tema sério. Ao se pronunciar sobre a declaração em que afirmou que o Santos era “time pequeno” – uma tolice, em qualquer circunstância –, o atacante paraguaio do Corinthians esbravejou contra o tratamento xenófobo que recebe de parte da torcida e da mídia. Ninguém pode tirar sua razão: afinal, quem determina o que é humilhante é quem escuta, e não quem faz os comentários. Mas Romero errou novamente ao generalizar e dizer que o preconceito parte da “maioria dos jornalistas” – que, segundo ele, seriam… santistas! Romero, você fez muito bem ao levantar essa discussão, mas não pode confundir jornalismo com “entretenimento esportivo”.
O maior artilheiro da Arena Corinthians convocou uma entrevista para dizer o que guardava, segundo ele, há quatro anos. Apesar de se expressar bem em português, preferiu falar em espanhol, de orgulho ferido. “Eu, supostamente, ofendi a um clube, o Santos. E vocês, na maioria, insultam um país, que é diferente. Uma nação. E não é de agora. Faz quatro anos que estou aqui, e sinto que não só aqui no Corinthians se vê essa situação. Não só com Kazim, Balbuena e Romero. Mas com os estrangeiros que vêm jogar no Brasil”, cravou, diante de surpresos jornalistas que fazem a cobertura do dia a dia do Corinthians, jornalistas de verdade, que não aceitaram a acusação.
Rapidamente, um áudio passou a circular nas redes sociais para sustentar a opinião de Romero. O trecho de um programa esportivo de rádio, de “cunho” jornalístico. “Esse idiota do Romero não tem dimensão do que é grandeza, porque saiu de um país que é praticamente uma aldeia indígena, que movimenta a economia através de tráfico de drogas e contrabando de armas”, disse um dos participantes do Estádio 97 (atualização: no texto original, citei o comentarista Mano como autor da frase, quando na verdade foi seu irmão gêmeo, Marcos Borges). Com raiva, destilando preconceito puro. Típico de programas deste tipo, travestidos de jornalísticos, mas são conversas de bar, sem qualquer critério e compromisso.
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Sem citar nomes, Romero ainda falou claramente de um comentário do ex-jogador Edmundo, em programa da Fox Sports. “Um dia desses vi que um jornalista estava criticando um atacante argentino do Vasco e disse que ele mais parecia um paraguaio. Queria saber o que o Paraguai fez para ele, que aliás foi jogador e tem muitos fãs paraguaios, infelizmente”, disse sobre a frase de Edmundo (que não é jornalista de formação).
Romero convive com comentários deste tipo há muito tempo. Atleta dedicado, conquistou seu espaço mesmo sem técnica exuberante. É bicampeão brasileiro e estrangeiro com mais jogos pelo Corinthians (172) – mais que o argentino Tevez e até seu compatriota Gamarra (ambos adorados pelos corintianos). Muitos críticos, jornalistas ou não, apelam para o clichê sobre “produtos falsificados” do Paraguai, “cavalo paraguaio” e outras besteiras para menosprezar seu futebol. Um ato desprezível, até mesmo num boteco. Mas raro no jornalismo sério.
Romero marcou um golaço ao expor o assunto. Em tempos de tanta intolerância, muros e falta de empatia, o Brasil – um país historicamente impulsionado por estrangeiros e antes visto como um dos mais hospitaleiros do mundo – se mostra mais preconceituoso do que nunca. Que o digam haitianos, venezuelanos, e tantos outros estrangeiros obrigados a buscar refúgio por aqui (tema tratado em reportagem especial de VEJA). Mas não se combate preconceito com mais preconceito. Existem jornalistas sérios e são esses que devem ser seguidos, não só por Romero, mas por qualquer pessoa que queira informação confiável.
E mais uma consideração, já que Romero diz aceitar e gostar de críticas em relação ao que faz em campo: pare de simular agressões e provocar os adversários o tempo todo. Isso não pega bem e pode causar mais confusões.