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Por que Vini Jr. deixou de ser favorito ao Bola de Ouro

Protagonismo pelo Real Madrid indicava Vinicius Jr. como primeiro Bola de Ouro brasileiro desde Kaká em 2007. No entanto, Copa América desastrosa e fatores que causam antipatia implodiram sua candidatura. Pesquisa com jornalistas mostra que o favorito agora é outro

O cronômetro do Levi’s Stadium, em Santa Clara, Califórnia, marcava apenas seis minutos do primeiro tempo quando deu-se o desafortunado lance: Vinicius Jr., tão acostumado a apli car dribles, reagiu mal ao levar um chapéu de James Rodríguez e recebeu cartão amarelo pelo toque com o braço no rosto do colombiano. A punição o suspenderia do jogo seguinte, as quartas de final da Copa América contra o Uruguai, pois o atacante do Real Madrid havia recebido outro cartão diante do Paraguai, por reclamação, no fim de um duelo já resolvido – a seleção brasileira vencia por 4 a 1, com dois gols dele. Sem seu principal jogador, a equipe canarinho se despediu dos Estados Unidos com a derrota para a Celeste, nos pênaltis, após empate em 0 a 0. Das tribunas, Vini viu ruir não apenas o sonho do primeiro título pelo Brasil, mas tam bém seu favoritismo aos prêmios de melhor jogador do mundo.

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O jogador de 24 anos, bicampeão da Liga dos Campeões pelo Real Madrid, ambas as vezes marcando na final, sabe que decepcionou na condição de protagonista do Brasil, na ausência do lesionado Neymar. “Falhei ao tomar dois cartões amarelos evitáveis. Novamente assisti à eliminação do lado de fora. Mas, dessa vez, por culpa minha. Peço desculpas por isso. Sei ouvir as críticas e as mais duras, acreditem, vêm de dentro de casa”, escreveu nas redes sociais. Foram apenas dois gols, nenhuma assistência e um punhado de contestações em solo americano. Em meio às férias, o filho mais famoso de São Gonçalo (RJ) assistia ao avanço de seus concorrentes à Bola de Ouro na Eurocopa na Alemanha. O que parecia uma remota ameaça tomou corpo, como comprova pesquisa realizada por PLACAR com 60 jornalistas de diversas partes do planeta. Vini Jr. não é mais o favorito ao prêmio da revista France Football, que será entregue em 28 de outubro, no Théâtre du Châtelet, em Paris. As razões para sua derrocada estão sujeitas a debate.

Depois de mais de 15 anos, a premiação francesa não contará com nenhum de seus dois maiores vencedores, Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, que ganharam 13 dos últimos 15 troféus – apenas Luka Modric, em 2018, e Karim Benzema, em 2022, quebraram a hegemonia. O croata do Real Madrid ganhou o prêmio após levar
seu país à final da Copa do Mundo da Rússia. Seis anos depois, outro meio–campista de rara classe figura como candidato mais forte à conquista, justamente depois de brilhar em um torneio de seleções: o volante Rodri, capitão da Espanha, campeão e cra que da Euro. Na eleição promovida por PLACAR, que atribuiu seis pontos ao primeiro colocado, quatro ao segundo e três ao terceiro, emulando a Bola de Ouro (confira os critérios do pleito e as diferenças em relação ao prêmio The Best, da Fifa, no quadro da página 22), Rodri foi eleito com 217 pontos, contra 205 de Vinicius e 156 de Jude Bellingham. Antes das competições continentais, o meia inglês do Real, que logo em sua primeira temporada na Espanha assumiu a camisa 5 de Zidane e jogou o fino da bola, despontava como principal concorrente do amigo Vini. Mas, apesar de ter chegado à final da Euro e de ter marcado, de bicicleta diante da Eslováquia, um dos gols mais belos do ano, não manteve a regularidade necessária para convencer o júri. Kylian Mbappé, que também reforçará o esquadrão merengue, foi quem teve, com sobras, as melhores estatísticas de gols e assistências, mas a temporada frustrante por PSG e seleção francesa o alijou da disputa.

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Já Rodri, de 28 anos, coroou mais uma temporada fabulosa, na qual chegou a ficar 74 jogos sem perder com a camisa do Manchester City, tetracampeão inglês de forma consecutiva. Apesar do estilo discreto, de quem facilita o jogo de seus companheiros com visão de jogo e passes precisos, foi eleito também o melhor jogador do Mundial de Clubes de 2023, em que a equipe inglesa atropelou o Fluminense por 4 a 0. Autor de 12 gols e 14 assistências na temporada, Rodri fez jus à condição de potencial Bola de Ouro, mas se favoreceu de deslizes de Vinicius Jr. na hora H – além de uma evidente antipatia ao brasileiro por parte da imprensa internacional e de adversários. O debate é subjetivo, mas tem nexo: componentes externos, como o racismo do qual foi vítima constante na Europa e contra o qual lutou bravamente, podem ter pesado contra ele?

Arquivo PLACAR

Vale ressaltar que, desde sua estreia como profissional do Flamengo em 2016, Vinicius se acostumou a receber julgamentos enviesados. Enquanto antirrubro-negros o apelidaram jocosamente de “Neguebinha” – em referência a Negueba, cria da Gávea que não vingou –, boa parte dos flamenguistas o defendia vorazmente de toda e qualquer crítica, mesmo as construtivas e pertinentes, como as que cobravam melhora nas tomadas de decisão e finalizações. Com talento, personalidade e o peculiar sorriso no rosto, o atacante foi conquistando seu espaço no Real Madrid, calando os detratores e evoluindo a cada temporada. Seu sucesso foi proporcional aos ataques que passou a receber de torcedores rivais, e não demorou para que o racismo entrasse em cena.

Corajoso, Vini Jr. tornou-se um ícone antirracista e fez acelerar medidas punitivas na Espanha. Recentemente, três torcedores do Valencia foram condenados a oito meses de prisão pelos ataques contra o brasileiro, realizados em maio de 2023, no estádio Mestalla. Foi uma vitória na luta por direitos, mas que trouxe consequências em um mundo ainda repleto de ódio. “O homem negro retinto sempre foi posto num local de subalternidade, e o Vini se recusou a estar neste lugar. Se impôs contra LaLiga, federação e governo da Espanha, e contra todos que disseram que ele estava errado, e é claro que isso incomoda muita gente. Pelé e outros nomes tentaram falar, mas foram silen
ciados. Isso não funcionou com o Vini”, opina Marcelo Carvalho, diretor executivo no Observatório da Discriminação Racial no Futebol. “Para ganhar a Bola de Ouro, ele tinha de ser perfeito. Mesmo ganhando tudo com
o Real, não foi suficiente. A perda da Copa América foi a desculpa que precisavam para não votar nele”, complementa. Seu discurso casa com o de Rodrygo, também do Real Madrid, que em entrevista à PLACAR de julho cravou: “Ele [Vinicius] sabe que para a gente é um pouco mais difícil, né? Digo por mim também. Ver outros caras na minha frente [na eleição de 2023] foi meio estranho, sabe? A gente tem consciência de que tem que fazer
sempre um pouco mais.”

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Sim, Vinicius incomoda parcela significativa da sociedade com sua mais do que digna luta por direitos, mas é fato que também contribuiu para o quadro de antipatia de jornalistas e adversários com atitudes menos nobres. Envolveu-se em diversas confusões em campo, foi acusado de simular faltas e provocar adversários e manteve atrito constante com árbitros, o que lhe rendeu cartões amarelos tolos como o que o tirou do duelo decisivo contra o Uruguai. O comportamento do camisa 7 foi amplamente debatido durante a Copa América.“Há muitos comentários sobre a atitude e personalidade dele, mas cada jogador é como é. Fosse meu atleta, eu lhe diria algumas coisas para o bem dele”, analisou à PLACAR o técnico dinamarquês Thomas Christiansen, que dirige o Panamá. “Ele tem um jeito de jogar que obviamente não é muito confortável para os rivais aceitarem”, complementou o argentino Daniel Garnero, treinador do Paraguai, antes de importante ressalva. “Mas é para isso que serve o árbitro. Tem que impor limites.”

Após a goleada sobre o Paraguai, seu único bom momento pela seleção em 2024, incluindo os amistosos preparatórios, Vini Jr. deixou o estádio sem conceder entrevistas – distribuiu apenas sorrisos irônicos, coincidindo com a postura denunciada em algumas partidas do Real Madrid. “Caso ele realmente perca a Bola de Ouro, eu não relacionaria o resultado à luta contra o racismo, que é nobre”, avalia Carlos Meneses, jornalista espanhol da agência EFE. “Para mim, tem a ver com as provocações aos rivais dentro do campo. Ele às vezes se mostra um pouco arrogante quando vai bem e acho que, por essa razão, não desfruta de muita simpatia.”

Nem mesmo entre os brasileiros Vinicius é unanimidade. Em recente comemoração de 30 anos do tetra campeonato da seleção brasileira em 1994, o ex-lateral Jorginho alfinetou o astro do Real Madrid, sem citar seu nome, mas a ilha espanhola onde o atacante descansou após uma longa temporada. “Acaba uma Copa América, os caras já postam foto em Ibiza, como se nada tivesse acontecido. Se você não sente a dor da derrota, não tem condições de se alegrar com a vitória”, discursou, com altas doses de hipocrisia, visto que diversos de seus parceiros não eram exemplos de boa conduta – muitos, aliás, pediram dispensa em Copas Américas nas décadas de 90 e 2000. Fato é que as chances de o Brasil voltar a ter um representante eleito melhor jogador do mundo, 17 anos depois da Bola de Ouro de Kaká, caíram drasticamente. Uma matéria do site do jornal The New York Times nem sequer cita Vinicius entre os candidatos ao prêmio, na visão de oito jornalistas – até mesmo o marroquino Ayoub El Kaabi, cuja grande façanha foi ser campeão da Conference League pelo Olympiacos, aparece no texto.

Historicamente eurocêntrica, a Bola de Ouro não deixa de ser uma espécie de peça publicitária de ligas, clubes e marcas. Nesse sentido, Rodrie Bellingham atendem perfeitamente ao jogo de interesses da elite, e o fato de o espanhol jogar na Inglaterra e o inglês na Espanha fortalece ambas as candidaturas. Rodri já foi elogiado por seu técnico Pep Guardiola por não ter tatuagens, brincos ou penteado espalhafatoso – imagem que contrasta com a rebeldia de Vini. Além do trio do pódio, correm bem por fora outros nomes, como o atacante inglês Harry Kane, artilheiro da Liga dos Campeões e da Bundesliga pelo Bayern, vice-campeão alemão e da Euro e Chuteira de Ouro da temporada com 44 gols; o lateral-direito espanhol Dani Carvajal, do Real Madrid, campeão da Champions (com gol na final) e da Euro; o atacante argentino Lautaro Martínez, da Inter de Milão, campeão e artilheiro da liga italiana, que repetiu a dose na Copa América; e o novato espanhol Lamine Yamal, do Barcelona, melhor jovem da Euro, aos 17 anos. Restam dois meses até a eleição para valer e, como mostrou a triste Copa América brasileira, as coisas mudam rápido no futebol. Mas hoje é possível cravar: Vinicius Jr. virou zebra para a Bola de Ouro.

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