Para 9 entre 10 torcedores, Copa deixará imagem negativa
Na reedição de uma pesquisa realizada por VEJA em 2011, percepções sobre a organização do Mundial no Brasil ficam ainda piores. E isso é ruim para todos…
Se os resultados da sondagem de três anos atrás já eram ruins, o quadro que se desenha na nova pesquisa é extremamente preocupante para o governo e a Fifa. A visão dos entrevistados sobre a organização do Mundial piorou em absolutamente todas as perguntas repetidas do levantamento anterior
Desde que entrou no Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo, há pouco mais de dois anos, o ex-craque Ronaldo foi um pregador incansável do otimismo em relação ao evento – gravou campanha do governo federal, promoveu o torneio no exterior e até apareceu numa célebre propaganda da Brahma, vestido como um Tio Sam verde e amarelo, num cartaz que provocava quem duvida do sucesso do Mundial. Na última terça, porém, Ronaldo mudou de tom e lamentou publicamente o aperto para concluir os estádios a tempo. “Acho uma pena. É o nome do nosso país lá fora. Não é bom passar essa imagem para o mundo”, disse, num evento da própria Brahma no Maracanã, o palco da final da Copa. Escalado pela presidente Dilma Rousseff para ser o homem forte do governo no Mundial, o ministro Aldo Rebelo é outro que se abateu com os problemas desta reta final. Se antes zombava das preocupações com os prazos (chegou a dizer, no Senado, que os atrasos eram só “impressão” da população), o ministro agora se mostra alarmado com enroscos como o de Curitiba, que escapou de ser cortada pela Fifa na última terça. “Devemos confiar desconfiando. É preciso trabalhar duro”, alertou. Até Jérôme Valcke, o irritadiço francês que serviu de xerifão da Fifa nos preparativos para o evento, tentou levantar a bola do Brasil num passado recente. “É muito difícil entender por que, em um país que vive e respira futebol, algumas poucas pessoas continuam a enxergar apenas aspectos negativos, mesmo que não haja nada de negativo”, escreveu, há um ano, num texto divulgado no site da Fifa. Ao anunciar a manutenção de Curitiba entre as doze sedes, na semana passada, num seminário em Florianópolis, Valcke era a personificação do mau humor, destilando azedume a cada declaração sobre os compromissos assumidos – e descumpridos – pelos brasileiros.
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Os sinais de apreensão revelados por Ronaldo, Aldo Rebelo e Valcke, as personalidades mais emblemáticas da contagem regressiva para a Copa no Brasil, se refletem também na opinião pública. Faltando menos de quatro meses para a abertura, o retorno da grande festa do futebol ao país, mais de seis décadas depois do primeiro Mundial realizado por aqui, desperta sentimentos ruins no torcedor. Para mensurar esse clima de pessimismo, o site de VEJA reeditou uma pesquisa feita originalmente em julho de 2011, convidando os leitores a opinar outra vez sobre a Copa e o país-sede. O novo levantamento, realizado pelo Departamento de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Editora Abril, registrou as impressões de 4.381 pessoas de todas as regiões brasileiras, que responderam a quinze questões ligadas ao evento entre os dias 17 e 19 de fevereiro. Se os resultados da sondagem de três anos atrás já eram ruins, o quadro que se desenha na nova pesquisa é extremamente preocupante para o governo e a Fifa. A visão dos entrevistados sobre a organização do Mundial piorou em todas as perguntas repetidas do levantamento anterior. Em 2011, 79% diziam que o país deixará uma imagem negativa na Copa; agora, nove em dez acham que o saldo será ruim para o país. Se antes 88% achavam que nem todas as obras ficarão prontas a tempo, agora 94% têm essa convicção. E se 32% pensavam que o evento deixará coisas boas ao país (excluindo-se os estádios), hoje esse contingente é de apenas 13%. Questionados sobre o que sentem quando pensam na Copa do Mundo, os entrevistados trocaram a “preocupação”, resposta mais citada em 2011, com 58%, pela “vergonha”, com 55%. No total, 87% afirmam que não estão satisfeitos com a realização do torneio no país (antes eram 73%) e 85% garantem que não estão ansiosos pelo início do evento (há três anos eram 75%).
Vitrine do governo – A percepção negativa do brasileiro em relação à Copa é ruim para todo mundo: para as sedes, que podem ficar sem o retorno financeiro sonhado quando conquistaram um lugar no evento; para a organização, que enfrentará um contexto desfavorável na hora de realizar o torneio; para a Fifa, que se arrisca a comprometer o sucesso de seu produto mais rentável; e para os patrocinadores, que gastaram fortunas para atrelar suas marcas a um Mundial cercado de dúvidas e críticas. Mas ninguém tem mais motivos para se preocupar do que os governos, Estados e municípios, que bancaram nada menos de 93,7% dos 8,9 bilhões de reais gastos até agora nos estádios (a previsão inicial era de 2,6 bilhões). Curiosamente, é quase o mesmo porcentual de pessoas que se dizem contra o uso de dinheiro público na construção e reforma das arenas (94%, contra 85% em 2011). Outro dado é especialmente preocupante para quem apostou tão alto – e torrou tanto dinheiro – nas obras da Copa. Questionados sobre quem será o culpado caso o Mundial seja uma decepção, 94% dos entrevistados apontaram o governo federal, contra apenas 12% que citam a Fifa. Há três anos, o governo era visto como principal responsável pelo evento por 79% das pessoas. A ligação cada vez maior entre a imagem da Copa e o governo, diga-se, é mais do que compreensível. Na tentativa de propagandear a Copa como catalisador do desenvolvimento, principalmente na área de infraestrutura, o Planalto ampliou sua interferência na condução dos preparativos para o evento. Em ano eleitoral, a expectativa era de que a festa serviria de vitrine para projetos de mobilidade urbana e modernização dos aeroportos. O ritmo capenga desses projetos e o cancelamento de alguns deles esvaziaram o argumento oficial em defesa dos gastos com o evento.
Não haverá revolução na infraestrutura em função da Copa. Os avanços modestos – em alguns casos, na base do “puxadinho” – dificilmente serão o bastante para convencer a população, que se vê, mais uma vez, diante da concretização de suas piores expectativas sobre o país e seus governantes. Quando a Fifa confirmou que o Brasil receberia o torneio, em 2007, o brasileiro não comemorou: ele desconfiava que as obras acabariam custando muito mais que o prometido, estourariam todos os prazos, teriam falhas de planejamento e seriam bancadas pelo dinheiro do contribuinte, com participação quase inexistente da iniciativa privada. Dito e feito: sete anos depois, os clichês mais surrados sobre um país que custa a abandonar seus vícios se confirmam, um a um.
O quadro torna-se ainda mais delicado diante de um advento preocupante para o Planalto. Desde as manifestações de junho de 2013, realizadas simultaneamente à Copa das Confederações, a cobrança em relação aos gastos excessivos no Mundial ganhou tons muito mais agressivos e estridentes. A mobilização via internet que promete que “não vai ter Copa” ganhou fôlego (ainda que seja ilusória: vai ter Copa, sim, mesmo que com o Exército ao redor dos estádios, como prometeu Dilma há alguns dias). Os protestos e a truculência dos black blocs foram o assunto da única questão adicionada ao questionário elaborado em 2011 na pesquisa do site de VEJA – na ocasião, ninguém imaginava que haveria risco de vandalismo em torno das arenas do Mundial. Consultados sobre o que deve acontecer no evento, os leitores que participaram da nova sondagem apostaram em protestos capazes de furar bloqueios policiais e chegar aos arredores dos palcos das partidas, causando dores de cabeça aos organizadores. Esse é o cenário previsto por 43% dos entrevistados.
Outros 22% participantes da pesquisa acham que os manifestantes não serão capazes de atrapalhar o torneio, enquanto 22% temem uma situação extrema, em que os protestos ganhariam tamanho impulso que a Fifa teria de recorrer a medidas drásticas, como adiar partidas por falta de segurança. Só 13% acham que a onda de manifestações vai perder força no Mundial. Na virada do ano, a imagem da Copa do Mundo e o risco de uma repetição das cenas de junho foram discutidos em diversas reuniões estratégicas do Planalto. Dilma ordenou uma ofensiva de marketing e comunicação para tentar promover aspectos positivos do evento – afinal, a presidente sabe que uma Copa realizada sob um contexto negativo poderá ter impacto sobre sua tentativa de reeleição. No início do mês, o governo decidiu ajustar o discurso. Com base em uma pesquisa de opinião encomendada para avaliar as manifestações do ano passado, Dilma colocou em segundo plano a defesa dos investimentos em obras da Copa e passou a apelar para o ufanismo do país do futebol. Saiu o “legado”, entrou a “Copa das Copas”, slogan adotado por Dilma nas inaugurações de estádios (e emprestado até por Joseph Blatter e Jérôme Valcke em alguns pronunciamentos). De acordo com reportagem do jornal Folha de S. Paulo, trata-se de uma criação do marqueteiro Nizan Guanaes, surgida numa reunião sigilosa com a presidente. Nizan, aliás, é um dos responsáveis pela campanha “Imagina a festa”, da Brahma, a mesma que retratava Ronaldo como um Tio Sam tupiniquim, num cartaz que estampa uma mensagem com tom de intimidação: “Pessimistas, pensem bem”. Mas eles são a maioria. E a propaganda lançada em 2012, que mostrava uma população eufórica celebrando nas ruas a glória nacional, hoje parece mais fantasiosa do que nunca.
https://youtube.com/watch?v=LWN7IwU5KbY%3Frel%3D0
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https://youtube.com/watch?v=MpQPKsWdeto
‘Imagina a festa’
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‘Vem pra rua’
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