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Há 20 anos, o doping de Maradona contra a mesma Nigéria

Jogo contra africanos em 1994 foi a despedida do craque argentino em Copas


Na partida contra a Nigéria, Maradona sai acompanhado de uma enfermeira para realização do teste anti-doping
Na partida contra a Nigéria, Maradona sai acompanhado de uma enfermeira para realização do teste anti-doping VEJA

Em tom de ironia, Maradona insinou que faria sexo com a enfermeira que o levava ao antidoping – só não contava que a americana, casada com um argentino, entenderia tudo

Bebeto e Romário, Parreira e Zagallo. Contar a Copa de 1994 no Brasil quase sempre significa enaltecer uma dessas duplas. A versão argentina daquele Mundial também é resumida em duo, mas um muito mais melancólico: Diego Maradona e Sue Carpenter, a enfermeira que levou o astro ao exame antidoping que o tirou daquela Copa, há exatos vinte anos, contra a mesma Nigéria, adversária desta quarta-feira.

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A perplexidade dos argentinos com o caso é sentida até hoje, como mostra o sucesso do livro O último Maradona – quando cortaram as pernas de Diego (leia trecho abaixo). Lançado em maio em Buenos Aires, sua primeira impressão foi esgotada em semanas. Escrito pelos jornalistas Alejandro Wall e Andrés Burgos, a obra de 320 páginas da editora Aguilar investiga as muitas teorias conspiratórias sobre o assunto, mas deixa em aberto o que realmente houve entre Maradona, a AFA (Associação de Futebol Argentina) e a Fifa.

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Se não fecha questão sobre o polêmico doping por efedrina no jogo contra a Nigéria, o livro seduz pela tradicional picardia argentina. Entre os momentos mais curiosos está o diálogo entre o técnico Alfio Basile e o assistente Rubén Díaz ao informá-lo sobre o doping (“Deu positivo”, falou Basile. “Quem?”, seguiu Diaz. “E quem poderia ser, idiota?”).

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Outro destaque é a ironia de Maradona com a enfermeira que lhe cercou. Gritando em espanhol à sua mulher, que estava nas tribunas do estádio, Maradona apontava para Sue Carpenter dizendo que faria sexo com ela – mas não contava que a enfermeira americana, casada com um argentino, entendia tudo.

Chama atenção também a defesa do preparador de Maradona naquela Copa, o autodidata fisiculturista Daniel Cerrini, de 27 anos: “Se a Fifa deixou a Argentina dar água com tranquilizante ao Branco, como vão tirar Diego desta Copa?”, relembrou, citando quando os argentinos doparam o lateral brasileiro no Mundial de 1990.

Maradona já avisou que não estará presente na partida desta tarde, no Beira-Rio, em Porto Alegre, para evitar desgastes com a federação. Estaria ele também disposto a não relembrar antigos fantasmas contra a Nigéria?

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O dia em que conhecemos a efedrina

A outra imagem do doping de Maradona no Mundial dos Estados Unidos é um balbucio frente à câmera, este fio de voz que se desgarra – e desgarra milhões – quando lança suas palavras mais dolorosas: “Me cortaram as pernas”. Um epitáfio à altura do homem das grandes frases.

À margem dos feitos trágicos que custaram vidas – como os 71 asfixiados na Porta 12 do Monumental, o 23 de junho de 1968 depois de um River-Boca, ou cada uma das centenas de vítimas da violência -, a quinta-feira 30 de junho de 1994 foi a jornada mais triste do futebol argentino. O anúncio da expulsão de Maradona do Mundial se seguiu na televisão como o final de uma série e se chorou nas ruas como a morte de um personagem célebre.

Em um esporte em que a identificação entre os torcedores e os clubes avançou nos últimos anos até chegar a uma relação simbiótica, muitos elegeriam uma final perdida ou o rebaixamento de sua equipe como o primeiro que evitariam se pudessem voltar no tempo. Porém, em nível nacional, o futebol não nos entregou um duelo coletivo superior ao dia em que conhecemos a efedrina. A atmosfera de tragédia foi maior que qualquer eliminação em um Mundial. As derrotas na primeira fase ou nas quartas-de-final produziram uma reação clássica: os xingamentos aos jogadores e técnicos. O Mundial dos Estados Unidos gerou a solidariedade com o totem em desgraça e massificou um estado de depressão. A Argentina somatizou os males de seu fabricante de felicidade.

Sua desdita foi a nossa.

Uma frente de desolação cobriu o país.

No dia seguinte em que Maradona foi excluído do Mundial, o diário “Página 12” titulou com a única palavra usada por outro diário, “Notícias”, 20 anos atrás, na morte de Juan Domingo Perón: Dor.

Entre a terça 28 e a quinta 30 de junho de 1994, as 48 horas que aniquilaram a carreira de Maradona nas cidades de Boston, Dallas e Los Angeles começaram um deserto de títulos para a seleção. Nos 20 anos anteriores, a Argentina ganhou dois Mundiais e duas Copas América.

Nos 20 anos seguintes, nada.

Foram os dias em que deixamos de ganhar.

Os titereiros das leis do futebol

Há Mundiais que se decidem nos gramados. O de 1994 também se decidiu em uma disputa de poder entre João Havelange e Joseph Blatter, então presidente e secretário geral da Fifa, e Júlio Grondona, presidente da AFA e vice da Fifa.

Os autênticos donos do Mundial.

O futebol é política. Um de nossos entrevistados sorriu quando nos recordou que nos regulamentos da AFA há leis que podem se interpretar de duas maneiras antagônicas, ante a qual a eleição final dependerá da conveniência de turno. Outra testemunha direta do doping refletiu:

– Para mim Blatter se equivocou, não entendo ainda como não o encobriu.

Não foi uma frase induzida com viés argentino, mas a interpretação de alguém que conhece como se cozinha o futebol, um submundo independente inclusive do Poder Judiciário. A Fifa deixa claro: país que recorre aos tribunais, país que fica sem Mundial.

O doping de Maradona foi sempre um quebra-cabeça dispersado em crônicas, comentários da época e a construção da nossa memória. O escritor espanhol Javier Cercas diz que muitas vezes antepomos nossas lembranças ao que realmente aconteceu. Ao recolher cada peça e encontrar outras que até agora permaneciam escondidas, fica exposta a catarata de mentiras e desculpas que saíram de todas as partes. Caem-se os mitos e se revelam as obscuridades.

Por que não houve controle antidoping na repescagem contra a Austrália? Quais pessoas entraram para revisar a concentração da Argentina em Boston no dia anterior à partida contra a Nigéria? Foi feito em Maradona um controle preventivo antes do Mundial? Era habitual que uma enfermeira buscaria os jogadores no meio do campo? Como surgiu o pretexto das gotas nasais para explicar o doping? Como chegou a efedrina à urina de Maradona? Houve só efedrina? O que ocorreu durante a reunião da contraprova em Los Angeles? A efedrina tapava outros compostos? Por que a AFA decidiu retirar o jogador? Qual foi a ameaça da Fifa? Que rol jogou o governo dos Estados Unidos? Por que a Fifa não outorgou a Maradona o direito a uma legítima defesa? Existiu uma promessa de proteção que se quebrou? A Fifa traiu Diego?

Outro dos entrevistados nos disse desde as entranhas da Fifa que ainda ninguém contou a verdade sobre o que passou com Maradona. Que algum dia se saberá, alguém o dirá, porém esse não era o momento. O dirigente se fez de misterioso. E avançou com a intriga.

– Na caixa forte de sua casa, Julio Grondona guarda uma carta do governo dos Estados Unidos pedindo que retirem Maradona do Mundial. Averiguem.

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“Maradona”, Andrés Calamaro

Gravada em 1999, a música celebra a amizade entre o roqueiro e o ex-jogador: “Maradona não é uma pessoa qualquer / É um homem apegado a uma bola de couro / Tem o dom celestial / De tratar muito bem a bola / É um guerreiro / É um anjo e se veem as asas ferias / É a bíblia junto ao aquecedor”.

“Estadio Azteca”, Andrés Calamaro

O tema de 2004 dramatiza o primeiro contato do menino Calamaro com as imagens do palco onde brilharam Pelé e Maradona: “Apertando os dedos, agarrando-lhe, dando minha vida / A arquibancada / Quando era criança / Conheci o Estádio Azteca / Fiquei duro, esmagado vendo o gigante”.

“Capitan Pelusa”, Los Cafres

Pelusa era o apelido de infância de Maradona, pelo cabelo bagunçado. A banda de reggae criou em 1997 a canção que questiona “Não sei o que querem de você? / Seus inimigos se mordem / Teu povo não te questiona / Não se ressente / Te esperam / Quem te espera / Com um grito quente”.

https://youtube.com/watch?v=Xpe95RNdTfE

“La Mano de Dios”, Rodrigo

A mais famosa música-homenagem a Maradona explodiu em 2000, ano em que o ex-jogador sofria com a droga.”A fama lhe apresentou uma branca mulher / De misterioso sabor e proibido prazer”, cantava Rodrigo, ídolo de um estilo chamado cuarteto – morto ao bater o carro também em 2000.

“La Mano de Dios”, Diego Maradona

O tema foi interpretado também pelo próprio – e empolgado – Maradona no documentário “Maradona by Kusturica”, do cineasta sérvio Emir Kusturica. Lançado em 2008, a produção traz Diego acusando João Havelange de armação em 1994 – em 20 anos como presidente, ele jamais vira o Brasil campeão. 

https://youtube.com/watch?v=MdD28gTbdQs

“Maradó”, Los Piojos

O trecho do show que escancara o fervor por Maradona começa com o famoso refrão de shows e jogos: “Já se vê / Já se vê / O que não salta / É um inglês”, pela Guerra das Malvinas. Diego entra no palco no fim para abraçar o vocalista Ciro, famoso torcedor do Boca Juniors, e puxar o coro “Argentina”. 

“Baile de la gambeta”, Bersuit

A música de 2004 fala sobre a necessidade de “dançar para mudar esta sorte, pois se sabemos driblar, afastamos a morte”. A paródia, claro, recorre ao mais famoso driblador do futebol argentino, que mostra desenvoltura ao dançar, fazer embaixadinhas e até vestir peças de roupas atiradas em sua direção.

“La vida es una tombola”, Manu Chao

De 2007, a música ironiza as frequentes encrencas do ex-jogador: “Se eu fosse Maradona / Viveria como ele / Mil rojões, mil amigos / O que venha, a mil por cem / Se eu fosse Maradona / Sairia pelo mundo / Para gritar-lhe à Fifa / Que eles são o grande ladrão / A vida é uma loteria / De noite e de dia”.

“Santa Maradona”, Mano Negra

Uma canção em francês a um jogador argentino e com um trecho de narração de Osmar Santos. “Santa Maradona”, de 1994, virou filme homônimo lançado na Itália em 2001. Fala da obsessão dos napolitanos pelo ex-atleta –  nas casas, ao lado das figuras religiosas, havia também fotos de Diego. 

“Que es Dios?”, Las Pastillas del Abuelo

A banda (em português, “As pastilhas do Avô”) gravou em 2008 um tema misturando Maradona, Deus, guerras, talento e sexo: “Grande amante em todas as partes / Dança o dez com sua mulher / Carícias, beijos e abraços / O Dez fazendo amor / E o orgasmo foi um golaço / Vermelho, o sol gritava gol”.

“Brindo por Las Mujeres”, Andrés Calamaro e Fito Paez

O trio unido é até hoje uma grande lembrança argentina na preparação para a Copa de 1994. “Que o Mundial seja nosso e também de vocês dois”, fala Maradona ao fim do vídeo, retratando todo o otimismo depois de sua inclusão ao time que só se classificou àquela competição na repescagem. 

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