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Como as competições esportivas começam a migrar para o mundo virtual

O objetivo é driblar as restrições de circulação na quarentena e acabar com a abstinência de atletas e torcedores

O ano de 2020 ficará marcado como um dos piores da história do esporte. Olimpíada adiada, campeonatos de futebol suspensos, NBA paralisada, competições de atletismo e natação canceladas, público ausente e incertezas sobre como será o pós-pandemia deixaram um imenso vazio na vida dos apaixonados por gols, cestas, corridas e braçadas. Como em diversas outras áreas, porém, a tecnologia passou a oferecer algum alento aos que sofrem de abstinência esportiva — sejam eles atletas de verdade, sejam torcedores. Na crise do coronavírus, as disputas de algumas modalidades migraram para o mundo virtual. Um dos casos emblemáticos é o Tour de France, a mais festejada prova do ciclismo mundial. Pela primeira vez desde 1947, as pedaladas não estão sendo dadas nas estradas da França, mas nas salas, garagens ou quintais dos competidores. Os organizadores do evento decidiram realizar a corrida na plataforma Zwift, espécie de simulador on-line para ciclistas. Funciona assim: o atleta cria um avatar, conecta a bicicleta a um sensor e pedala dentro de casa, acompanhando seu progresso na TV ao mesmo tempo que observa o desempenho dos adversários. A proposta futurista agradou aos participantes. “Ser capaz de competir em alto nível na sala de estar é muito agradável”, disse Lauren Stephens, vencedora de uma das etapas virtuais do Tour de France, ao jornal The New York Times.

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A largada da primeira etapa virtual do Tour de France ocorreu no últi­mo dia 4. Participam do evento, que repete exatamente o mesmo roteiro da prova original, ciclistas renomados e competidores anônimos. A ideia é que a prova continue em todos os fins de semana de julho. Se tudo der certo — essencialmente, se não houver uma segunda onda de contágio da Covid-19 na França —, o Tour de France real será disputado no fim de agosto ou no início de setembro, mas as primeiras opiniões favoráveis a respeito da competição on-line levaram os organizadores a pensar em mantê-la nos próximos anos como uma espécie de avant-première da competição oficial. Os elogios se devem ao esforço dos promotores para tornar a experiência mais completa. Os ciclistas de ponta são obrigados a acoplar à bicicleta dispositivos que regulam automaticamente as características do percurso e até reproduzem as dificuldades do trajeto, com direito a solavancos, curvas fechadas, subidas íngremes e descidas perigosas. Ao mesmo tempo, relógios inteligentes monitoram o ritmo cardíaco dos atletas e televisões de alta resolução transmitem imagens perfeitas das estradas francesas — tudo para aproximar a corrida virtual da verdadeira.

MARATONA - No apartamento: atleta chinês correu 50 quilômetros. //Reprodução

Outro projeto, desta vez da X3M em parceria com a Running Heroes, são os clubes virtuais da XTerra Brazil, principal circuito de esportes off-road do país, e da Uphill Marathon, maratona realizada apenas em percursos íngremes. Eles reúnem interessados em disputar provas no ambiente on-line, os inscritos são ranqueados de acordo com os tempos na vida real e recebem dicas de treinamentos e alimentação. “Precisamos lembrar que o desafio e a recompensa estão presentes nas duas maneiras de praticar exercícios”, diz Bernardo Fonseca, presidente da X3M, empresa que detém as marcas XTerra Brazil e Uphill Marathon. Faz sentido o que o executivo diz. Os participantes de provas virtuais também suam a camisa, queimam calorias e ficam exaustos com o esforço exigido pelas bicicletas adaptadas ou esteiras especiais. A diferença é que, ao contrário de seus avatares inseridos no mundo da ficção, eles não saem do lugar. Para muitas pessoas, pode ser frustrante. “As competições virtuais não irão substituir as disputas reais, mas vão complementá-las. Elas se somam”, afirma Fonseca.

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O número crescente de competições on-line demonstra que as pessoas, atletas ou não, estão ansiosas para sair de casa. A quarentena prolongada — e necessária, ressalte-se — tem provocado algumas situações inusitadas. Nos primeiros dias do isolamento na Itália, um indivíduo ficou conhecido por correr os 42 quilômetros regulamentares da maratona na varanda do seu apartamento. Na China, o corredor Pan Shancu gastou a sola do tênis dentro de sua pequena residência. Shancu afastou móveis e criou espaço para completar 50 quilômetros em pouco menos de cinco horas. “A sensação é ótima”, declarou o atleta. A tecnologia das corridas virtuais oferece novas experiências para esses malucos. Em vez de correrem sozinhos, eles podem dividir a pista, mesmo que virtualmente, com outros competidores.

O mundo dos esportes teve de se reinventar na crise do novo coronavírus. Embora nem todas as modalidades possam ingressar no universo virtual, a maioria delas tentou, de alguma maneira, sobreviver ao desastre econômico provocado pela pandemia. A Premier League, primeira divisão do futebol inglês, perdeu 1 bilhão de libras por causa da paralisação dos jogos. Para fazer algum caixa, está fechando novas parcerias com fabricantes de videogames. A NBA, liga profissional de basquete dos Estados Unidos, fez o mesmo, promovendo disputas on-line entre os jogadores estrelados. Estratégia idêntica foi adotada pela Fórmula 1, que retornou às corridas de verdade há duas semanas. Antes disso, a categoria lançou um jogo de computador que atraiu cerca de 1,7 milhão de participantes. Apesar do sucesso das competições on-line, a dura realidade é que nada é capaz de substituir o suor de verdade.

Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696

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