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Há dez anos, o show da ‘Barcelusa’

PLACAR destacou a campanha da equipe campeã da Série B de 2011, com direito a um perfil do treinador Jorginho; foi a última grande alegria lusitana

A Associação Portuguesa de Desportos, a popular Lusa, certamente não vive o melhor momento de seus 101 anos de história. Desde que foi rebaixada da Série A do Brasileirão em 2013, em um controverso rebaixamento envolvendo uma batalha jurídica no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), o clube do Canindé foi ladeira abaixo, amargando crises financeiras e caindo de divisão em divisão. Em 2021, voltou ao âmbito nacional, ao jogar a Série D, mas o sonho durou pouco. Em 2022, estará novamente sem divisão do Brasileirão, e visando ao menos retornar ao Paulistão. A última grande alegria do torcedor lusitano completa exatamente uma década: a campanha da “Barcelusa”, como ficou conhecida a equipe campeã da Série B de 2011 de forma arrasadora.

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O apelido era uma brincadeira com a histórica equipe do Barcelona, então dirigida por Pep Guardiola, que no fim daquele ano bateria o Santos de Neymar e companhia por 4 a 0 na final do Mundial de Clubes, no Japão. Em dezembro de 2011, na edição sobre a Bola de Prata do ano, o repórter Rodolfo Rodrigues resumiu desta forma a façanha daquela equipe da Portuguesa.

O ano da Barcelusa

Portuguesa deu as cartas na Série B, que terminou com a ascensão de dois paulistas e dois pernambucanos

Edno da Portuguesa, durante jogo entre Portuguesa x Salgueiro, partida válida pelo Campeonato Brasileiro da Série B.
Edno da Portuguesa, durante jogo entre Portuguesa x Salgueiro, partida válida pelo Campeonato Brasileiro da Série B.

Com campanha irrepreensível (23 vitórias, 13 empates e apenas três derrotas), a Portuguesa foi campeã da série B sem ser incomodada. Sob a batuta do técnico Jorginho, a Lusa alcançou uma invencibilidade de 21 jogos, liderou o torneio em 32 das 38 rodadas, teve o melhor ataque (82 gols) e a melhor defesa (sofreu 32 gols). Com um futebol ofensivo, com destaques para o atacante Edno e para os meias Marco Aurélio e Ananias, a Portuguesa chegou a ser apelidada de “Barcelusa” por torcedores e simpatizantes. O título foi garantido com três rodadas de antecedência, graças a uma das melhores campanhas da série B nos últimos tempos. Com 71,1% de aproveitamento, a Lusa só não superou o Corinthians de 2009 (campeão com 74,6%) desde a implantação do sistema de pontos corridos, em 2006.

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PLACAR também dedicou uma reportagem especial ao então “Guardiola do Canindé”, o técnico Jorginho, comandante da Barcelusa. A reportagem de Marcos Sergio Silva destacou as “marcas de Jorge”, num perfil sobre a carreira do ex-jogador e então promissor treinador. Aos 57 anos, ele foi dispensado esta semana pelo Figueirense, que disputará a Série C do Brasileirão em 2022.

Confira, abaixo, na íntegra:

 

Reportagem de 2011 sobre o técnico da Lusa
Reportagem de 2011 sobre o técnico da Lusa

Marcas de Jorge

Como Jorginho superou suas tragédias para virar o cobiçado treinador que levou a Portuguesa a um inédito título nacional da série B

As marcas de Jorge Luiz da Silva, o Jorginho, estão pelo rosto e pelo corpo. São dores externas e internas, cicatrizadas ou não. Técnico campeão da série B, ele driblou as tragédias pessoais enquanto costurava a carreira. Frequentemente se viu em encruzilhadas – e nelas tomou as decisões que o transformaram em um homem “cascudo”, como se define. Para o presidente da Portuguesa, Manoel da Lupa, ele é o responsável pela volta do clube à série A. Mas prefere dividir com jogadores e comissão técnica os méritos da conquista. Foi logo depois de Héber Roberto Lopes apitar o fim de Lusa 2 x 2 Sport, no Canindé, que assegurava o título da série B. Jorginho ficou no banco enquanto os jogadores comemoravam. Resignou-se enrolado a uma bandeira rubro-verde até começar um solitário aviãozinho. Não escapou, no entanto, de ser atirado ao alto pelo elenco campeão.

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“É evidente que ele veio mais pela gratidão com o clube do que pelo salário”, avalia Da Lupa. De fato, o ex-office boy tem o que agradecer ao clube da colônia lusitana de São Paulo. Meia-atacante do São Remo, um time de várzea do bairro da Freguesia do Ó, em São Paulo, ele negou oportunidades de jogar pelo Palmeiras e pelo São Paulo quando ainda era uma promessa, em 1981. De família humilde, não podia trocar o salário de 7000 cruzeiros (moeda da época) que ganhava em uma importadora pela ajuda de custo de 1500 cruzeiros oferecida pelos dois clubes. “Aquele trabalho era realidade, não sonho”, lembra. Mas, na Lusa, um conselheiro conhecido como Almeidinha do Hóquei o convenceu a ficar ao tirar do bolso o dinheiro que equipararia os ordenados.

Como jogador, Jorginho viveu uma época de vacas magras no clube. Em 1990, perseguido pela torcida, bateu em um conselheiro lusitano nos vestiários do Pacaembu e foi negociado. Voltou em março deste ano, como técnico. Atletas foram dispensados, e, dos titulares, restaram Marco Antônio e Marcelo Cordeiro. De um time que capengava no Estadual, conseguiu classificar-se para o mata-mata do Paulista. Para a série B, “repatriou” Edno, destaque do bom time de 2008. “Jorginho me chamou para uma conversa franca”, relata o jogador. “Ele me perguntou o que eu queria: se estava dando um passo atrás ou se realmente me importava com o clube. Respondi que só tinha a ganhar com a volta, e ele me aceitou.”

O treinador é rigoroso nos treinos e nas cobranças. As broncas coletivas são públicas; as individuais, de portas fechadas. As maiores foram distribuídas nas goleadas contra Bragantino (5 x 0) e São Caetano (5 x 2). “Ele chutou tudo no vestiário”, relata Manoel da Lupa. “Perguntava se achavam que tinham jogado bem. Ele tinha certeza que não.” É um cara “da pá virada”. Não se furta a dar nomes de quem o atrapalhou, tampouco esconde suas próprias falhas.

“Eu falo para o jogador: `Não me sacaneie, porque não tenho papas na língua”. Não posso deixar gente de mau caráter continuar trabalhando no futebol, porque ele vai te derrubar”, justifica. É notória sua chegada ao time principal no Palmeiras, clube que treinou por sete rodadas no Brasileirão de 2009 entre a demissão de Vanderlei Luxemburgo e a chegada de Muricy Ramalho e que alçou à liderança. Na época, treinava o time B. Foi convocado às pressas para uma reunião à meia-noite no clube. Primeiro, exigiu dos dirigentes que tivesse autonomia. Depois, em uma conversa com o elenco, lembrou que já tinha jogado contra ou ao lado de quase todos. “Disse: `Saí daí, não sei mais nem menos que ninguém. Só tenho uma coisa a mais: vou ser a vida inteira mais experiente””, lembra o técnico.

Jorginho não gosta de ser fotografado. Deixa que o fotógrafo de PLACAR registre em apenas um minuto seu rosto, atravessado por uma cicatriz de 13 centímetros, herança da primeira de suas tragédias familiares – era passageiro de um Corcel 2 quando o automóvel chocou-se contra um Aero-Willys. Tinha 14 anos. O tio, que dirigia o carro, morreu na hora. A resistência às fotos, no entanto, é recente. Não quer guardar imagens desde que o filho Leonardo, atacante do time juvenil do Palmeiras, morreu em 2008, aos 16 anos. Havia perdido o ônibus para o treino, em Guarulhos (SP), e resolveu ir na garupa de uma moto. O piloto perdeu a direção, e ele e Leonardo foram atropelados por um caminhão. Morte instantânea. “O Leonardo tinha 1,84 metro. Era forte, rápido e tinha a mesma facilidade que eu de passar, de bater na bola”, descreve o pai. “E aí aconteceu esse incidente.”

“Esse cara envelheceu muito depois disso”, observa Elói, ex-jogador da Portuguesa nos anos 70 e amigo do técnico. Jorginho, de fato, tornou-se mais reservado ainda do que era. “Passei três anos brigado com Deus”, lembra o técnico. “Larguei tudo. Depois de três anos, eu fui até a igreja com a minha esposa e pensei: `Ele (Deus) não tem culpa”. Depois daquele dia, não saiu o peso, mas tenho mais forças para carregá-lo.”
Sua história no futebol já havia começado com uma morte prematura. Em 1983, o então ponta de 18 anos estreou no time profissional depois de outro acidente de carro, na mesma marginal Tietê onde o filho morrera, vitimar o titular da posição, o promissor Djalma Bahia, 21. Por uma dura coincidência, outra tragédia o fez desistir de continuar nos campos. Em 2003, no Avaí, sua irmã foi diagnosticada com câncer no pâncreas. Tinha mais seis meses de vida. Entre o futebol e a família, preferiu a segunda opção.

“Mesmo com todos os problemas que teve, ele é um cara vitorioso e excepcional”, diz Edno, que viu Jorginho encerrar a carreira no Avaí no mesmo ano em que subia para os profissionais. “Ele sabe que a base é a família. Continua o mesmo de quando era jogador: um trabalhador, que cobra muito e não se acomoda.” Jorginho encerra 2011 com outras marcas – desta vez, históricas. Trouxe um título nacional que a Lusa não conhecia e valorizou-se como treinador. Decidiu seguir no clube, desde que a Lusa cumpra os pedidos de reforçar o time e barrar o que considera excesso de paternalismo dos dirigentes. “Ele tem tudo para sair no mesmo nível que um Muricy, que um Luxemburgo”, prevê Manoel da Lupa. Se essa marca será incorporada pelo treinador, só o tempo dirá.

 

 

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