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O Comentarista do Futuro ícone blog O Comentarista do Futuro Ele volta no tempo para dar aos torcedores (alerta de!) spoilers do que ainda vai acontecer

Só mesmo 1958 pra ter um jogo assim

Cronista vai ao Santos 7 x 6 Palmeiras que teria matado 5 torcedores de infarto e conecta o placar aos destaques do ano, como Bossa Nova e Brasil Campeão

Privilegiados não são apenas as 43 mil pessoas que ontem assistiram ao surpreendente jogo entre Santos e Palmeiras no Pacaembu. Privilegiados são todos vocês, queridos leitores e leitoras (e também os que não me leem), por estarem testemunhando tão singular e curioso ano. Como venho do futuro, de 2022, posso dizer que só mesmo 1958 para produzir uma partida de Futebol com placar estranho assim, 7 x 6, somando o cabalístico número de 13 gols em 90 minutos. E afirmo isso por saber que no início do próximo Século já será senso comum o entendimento de que foi este o ano-marco do Brasil no Século 20 – ideia consolidada, em grande parte, graças ao livro que um genial cronista e escritor vai lançar em 1997, cujo título antecipo, isto é, sugiro aqui: ‘Feliz 1958 – O ano que não devia terminar’. Acredite: nestes 12 meses vão acontecer coisas inusitadas e inspiradoras em nosso país. E não estou falando da badalada aparição em nossos céus de Discos Voadores, fotografados de um navio da Marinha em janeiro, próximo à Ilha da Trindade (ES). Embora de fato vão parecer extraterrestres os brasileiros que trarão ao mundo um cinema brasileiro renovado, uma música (Nova também) de sotaque único e um jeito de jogar que vai revolucionar o Futebol. Deve ser por isso que estão construindo lá no cerrado essa Capital com prédios que parecem naves espaciais – 1958 explica.

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Este ano será mesmo ‘o cão’! – e não apenas no Horóscopo Chinês. Olho pro passado e pro futuro (até 2022) e não consigo me lembrar de outro jogo que tenha tido ou venha a provocar tantas e seguidas emoções à torcida. Foram duas viradas totalmente surpreendentes! Mesmo depois do 7 x 6, a sensação que dava era de que nunca mais teriam fim os sobressaltos do confronto. Ao final da primeira etapa, quando o Santos ganhava de 5 x 2, quem imaginaria que os alviverdes palmeirenses voltariam com ânimo e munição para marcar quatro gols, em espetacular reviravolta do placar? E que em seguida ainda viriam dois gols do Santos, ambos de Pepe, em nova inesperada reversão do resultado? Os jornais de hoje, podem conferir, a revista Cruzeiro e a Rádio Nacional estarão falando de um saldo negativo desse atacado de emoções: a morte por enfarte de cinco torcedores, um deles dentro do estádio e, por isso, comprovado, e quatro em casa, na arquibancada dos modernos radinhos de pilha. Daqui a 64 anos ainda não haverá certeza de que esses outros de fato sucumbiram aos 13 gols. Mas ainda encontraremos gente acreditando e jurando que é verdade. Igualzinho à história dos marinheiros que viram Discos Voadores.

Antes de rolar a bola, já devidamente sentado no belíssimo Pacaembu, times entrando em campo, ouvi a seguinte resenha entre dois torcedores às minhas costas:

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– Esse Pelé, que tu acha? Pra mim não vai longe…

– Também não gosto. Prefiro que levem pra Copa o Luizinho, mesmo sendo do Corinthians…

Só rindo. Posso garantir a vocês, sortudos leitores, que o menino vai longe sim… E muito! Alerta de ‘spoiler’, vou revelar: dentro de 25 dias, o jovem Pelé será convocado para o Mundial, por sorte nossa, pois trará muitas alegrias da Suécia. O craque será decisivo em mais um crédito destes 365 dias abençoados, o fim de um trauma que a derrota de 1950 nos legou e que será mais explicada em breve, por Nelson Rodrigues, para quem também deixo uma humilde sugestão de batismo: ‘Complexo de Vira-latas’. O ‘Pequeno Polegar’ (Luizinho, do Corinthians) vai ficar de fora. Até mesmo da lista inicial de Feola, com 31 jogadores, que vão se preparar em Poços de Caldas, Sul de Minas, pertinho de Varginha… Mas essa é outra história. De ETs também…

Vou deixar de dar voltas no mesmo lugar – talvez inspirado pelos Bambolês que vi nas ruas – e falar do que, bem sei, todos vocês querem: a partida e o futuro dos dois times e do clássico confronto. Adianto que no futuro vamos nos referir a este de ontem como ‘A Partida dos Infartos’, graças às histórias de vítimas que vão correr por aí. “Foi o jogo mais emocionante que o futebol brasileiro já apresentou”, dirá um dia, em entrevista, o já aposentado atacante Pepe, protagonista do espetáculo. Como se sabe, estavam em campo talentos da velha (Jair da Rosa Pinto) e da nova geração de bons jogadores, como Zito e Mazzola. Mas foi o pouco conhecido Urias, ponta-esquerda alviverde trazido de São José do Rio Preto, que abriu o placar. Três minutos depois, Pelé empatou e eu, claro, dei aquela olhadinha sacana pros dois caras atrás de mim. Rê-rê…

Pelé com a camisa 10 do Santos, na Vila Belmiro, Santos – 1973
Pelé com a camisa 10 do Santos –

A virada santista, com Pagão, e novo empate, de Nardo, indicavam que seria sim um jogo equilibrado. Mas nos últimos 15 minutos da etapa inicial, virou passeio. Daqueles tranquilos e cheios de orgulho, como o que muitos de vocês, leitores, farão no segundo semestre deste ano, quando será lançado o DKW-Vemag, automóvel com 50% de peças fabricadas no Brasil. É sério! Pode acreditar! O Brasil vai dar de goleada em 1958!

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Com os 5 x 2 construídos em 45 minutos iniciais, as marcas da partida, pensamos todos (menos eu, claro), já estavam mais definidas que as medidas das Certinhas do Lalau. Só que não. A história registrará que, ao chegar ao vestiário, o craque santista Zito soltou a galhofa:

– Cinco vira, dez acaba!

Sem saber, preconizava o placar final, que, como sua frase, parece de ‘rachão’ na Várzea. Nas banheiras adversárias, o goleiro palmeirense Edgar recusava as laranjas e chorava copiosamente. Mesmo sendo um jogador experiente, que esteve inclusive na Seleção Canarinho ano passado (terceiro goleiro no grupo do Sul-Americano), repetia a todos, entre soluços, que era incapaz de retornar ao gramado. Saiu. Aliás, posso informar, fará apenas mais dois jogos pelo Verdão, indo para o Atlético Mineiro, onde encerrará a carreira em dezembro. E justamente as boas defesas do reserva Vítor incentivaram o Onze palmeirense a buscar o que parecia impossível. Antes de completar meia hora de bola rolando, Paulinho e Mazzola (duas vezes) já haviam igualado o placar. E quem apareceu para o gol da virada? Urias, claro, o pontinha do interior. Dois gols ontem! E, anotem, só vestirá mais três vezes o uniforme palmeirense. Só em 1958 mesmo…

Gritar e falar alto ficarão fora de moda depois que, daqui a quatro meses, um jovem baiano gravar um 78 rotações como certa ‘batida diferente’ ao violão. Posso sugerir um nome pra canção também: “Chega de Saudade”, que tal? O treinador do Palmeiras, Oswaldo Brandão, não sabe disso e também foi fundamental na épica virada, ao soltar os cachorros no intervalo, sem medir decibéis (ou reclamar do ar-condicionado), dizendo aos seus jogadores que precisavam ter “vergonha na cara”. Parecia ter dado certo. Tanto que, das cabines de rádio, deu pra ouvir o narrador Edson Leite, do ‘scratch‘ da Rádio Bandeirantes, gritar: “Milagre no Pacaembu. Estamos testemunhando o maior espetáculo que já vi no Futebol”. Estamos em 1958, amigo, não deu pra entender ainda?

Mas ele não sabia da missa, a metade. Faltavam apenas 11 minutos para o fim, suficientes para Pepe reescrever a história, com um gol de cabeça e outro com mais um de seus petardos. E pouco importa que o Vasco venha a ser o campeão do torneio – xiiii… Falei! –, esse foi ‘O Jogo’ desta edição da Taça Rio-São Paulo. É linda a história do confronto entre Palmeiras e Santos, o primeiro deles no Velódromo de São Paulo, em 3 de outubro de 1915, quando o recém-fundado Palestra Itália enfrentou o alvinegro para provar que tinha condições de disputar o Campeonato Paulista de Futebol de 1916. Perdeu de 7 x 0, mas acabou ganhando a vaga com a expulsão do Scottish Wanderers, punido por pagar jogadores num campeonato amador. Outros tempos…

Mas acreditem: o melhor ainda está por vir. Na próxima década, os dois clubes serão expoentes de um período de ouro e de arte do nosso Futebol, fazendo com que, no futuro, chamemos este encontro de ‘Clássico da Saudade’. Deixei 2022 a poucos dias de mais uma disputa, e até lá serão 335 jogos, com 143 vitórias do Palmeiras e 105 do Santos. O mais importante deles, aguardem, numa final brasileira de Libertadores da América, mas isso só em janeiro de 2021. E não vou contar quem ganha. Serão adversários em novas finais do Campeonato Paulista (um já ano que vem, outro em 2015) e de uma futura competição nacional, a Copa do Brasil, em 2015 também. O maior artilheiro do confronto até 2022? Pelé, claro, com 32 gols. Pena que não contei e dei mais um sorrisinho sórdido praqueles dois atrás de mim. Sobre como chegará este Novo Brasil que está nascendo a 2022, vou preferir me ater ao esporte: 1958, o ano em que o Futebol-Arte nasceu.

Para ver lances do jogão:

FICHA TÉCNICA
PALMEIRAS 6 x 7 SANTOS

Competição: Torneio Roberto Gomes Pedrosa/Rio-São Paulo
Data: 6 de março de 1958
Local: Estádio do Pacaembu, São Paulo (SP)
Horário: 21h
Público: 43.068 pagantes
Renda: Cr$ 1.676.995,00
Árbitro: João Etzel Filho

PALMEIRAS: Edgar (Vitor); Waldemar Carabina e Édson; Formiga (Maurinho), Valdemar de Fiúme e Dema; Paulinho, Nardo (Caraballo), Mazzola, Ivan e Urias. Técnico: Oswaldo Brandão

SANTOS: Manga; Hélvio (Urubatão) e Dalmo; Ramiro, Fiotti e Zito; Dorval, Jair da Rosa Pinto, Pagão (Afonsinho), Pelé e Pepe. Técnico: Lula

Gols (não perca a conta):

PRIMEIRO TEMPO: Urias aos 18’; Pelé, aos 21’; Pagão, aos 25’; Nardo, aos 26’; Dorval, aos 32; Pepe; aos 38; e Pagão aos 46’
SEGUNDO TEMPO: Paulinho, aos 16’; Mazzola, aos 19’ e 27’; Urias, aos 34’; Pepe, aos 38’ e 41’

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