Publicidade
Publicidade

Borré exclusivo à PLACAR: ‘Tenho fome de títulos importantes’

Atração do Grenal 445, atacante colombiano põe em prática no Beira-Rio a mentalidade ambiciosa forjada por Gallardo e só pensa naquilo: tirar o Inter da fila

Rafael Santos Borré é uma das atrações do Grenal 445, que abre a final do Campeonato Gaúcho 2025 no próximo sábado, a partir das 17h45, na Arena do Grêmio. O atacante colombiano do Internacional se recuperou de uma lesão no músculo posterior da coxa, treinou normalmente e deve ser confirmado no ataque do Colorado, que persegue seu primeiro título estadual desde 2016.

Publicidade

O jogador de 29 anos concedeu entrevista exclusiva à PLACAR no CT Parque Gigante, em Porto Alegre, e abriu o jogo. No papo de quase uma hora, contou ter vivido sob o comando do técnico argentino Marcelo Gallardo, nos tempos de River Plate, uma transformação definitiva na forma como enxerga o futebol.

Siga o canal no WhatsApp e fique por dentro das últimas notícias.

Lançado pelo Deportivo Cali em 2013 e vendido pelo clube colombiano ao Atlético de Madrid dois anos depois, ainda aos 19 anos, o hoje badalado camisa 19 lidava com dificuldades e incertezas na carreira até a chegada a Núñez em 2017. Foram só seis partidas nos primeiros seis meses de River, 119 minutos jogados. Mas uma conversa particular com o treinador durante a pré-temporada de 2018 mudou de vez a forma como vê as coisas.

Publicidade

“El Muñeco”, como é conhecido Gallardo, disse que faria daquele um ano diferente em resultados para o clube e desafiou o jogador a buscar espaço dentro de sua mentalidade vencedora. Borré terminou a temporada como titular e os Millonarios se sagraram campeões da Libertadores sobre o arquirrival Boca Juniors.

“Quando cheguei para trabalhar com ele, tinha uma forma de ver o futebol. Já era competitivo, claro, sempre fui assim, mas foi como uma mudança na minha mentalidade porque para ele não era suficiente ganhar uma partida. Ele queria ganhar em tudo, até mesmo no treinamento, a cada bola dividida… em muitas situações aplicava essa mentalidade. E creio que tem uma facilidade para transmitir isso aos seus jogadores. Me transformou em um jogador muito competitivo, demasiadamente competitivo”, disse à PLACAR.

Borré durante a entrevista à Placar: 'Precisamos dar um salto de mentalidade' - Diego Vara/Placar
Borré durante a entrevista à Placar: ‘Precisamos dar um salto de mentalidade’ – Diego Vara/Placar

Apresentado há um ano pelo Internacional com pompa de maior contratação do clube na última temporada – 6,2 milhões de euros (R$ 33,2 milhões à época), a segunda maior da história atrás somente de Nico López -, ele agora quer replicar a mesma obstinação por vencer no Beira-Rio.

Publicidade

“Primeiro quero ajudar a equipe a crescer, a dar um salto quanto a sua mentalidade e ao seu posicionamento dentro do futebol brasileiro. O Inter precisa se colocar entre os que lutam por títulos importantes. Temos que lutar pelo Brasileirão, por Copa do Brasil, por Libertadores, estar inseridos no âmbito internacional e brigando por coisas importantes. Mas primeiro precisamos ter essa mentalidade de recolocar o clube nesse lugar de protagonismo”, explica.

Quinto colocado no Brasileirão em 2024, o Colorado alcançou o seu melhor momento com a chegada do técnico Roger Machado em julho. Borré virou a principal referência, se transformando também no artilheiro da era Roger.

A temporada que parecia comprometida pelas enchentes que vitimaram centenas de vidas no Rio Grande do Sul, levando o time a jogar e treinar longe do estado, se tornou exemplo de recuperação devido a uma série de 15 partidas de invencibilidade. Ele agora tem “fome” por mais.

Atacante colombiano tem 13 gols em 36 partidas até aqui pelo Colorado - Diego Vara/Placar
Atacante colombiano tem 13 gols em 36 partidas até aqui pelo Colorado – Diego Vara/Placar

“É o que eu quero e os meus companheiros pensam também. Ter essa ‘hambre’ (fome) de poder lutar por títulos importantes. Sabemos a dificuldade econômica que temos e que há clubes no Brasil com muita capacidade de investir em bons jogadores, mas creio que quando há essa vontade, essa fome como falam, e com um grupo forte mentalmente, com vontade de conseguir coisas, podemos conseguir coisas”, afirma.

O Inter não fatura um título desde a Recopa Gaúcha de 2017, vencida nos pênaltis sobre o Ypiranga de Erechim. Desde 2016, não leva um Gauchão, vendo o rival conquistar o heptacampeoanto consecutivo, e acumula filas ainda mais incômodas em outras competições: o último Brasileirão foi em 1979, a última Copa do Brasil em 2004 e a última Libertadores em 2010.

Peça-chave, passa pelos pés e pela mente de Borré a chance de reconduzir o Inter as grandes conquistas. Melhor cenário para cumprir a primeira parte do sonho ambicioso do que um Grenal decisivo não há.

Confira a entrevista completa:

Borré posa para as lentes de Placar; colombiano é o artilheiro da 'era Roger' - Diego Vara/Placar
Borré posa para as lentes de Placar; colombiano é o artilheiro da ‘era Roger’ – Diego Vara/Placar

Que resumo faz desse seu primeiro ano no Brasil? Foi um pouco atípico e até estranho por tantas coisas que aconteceram. Cheguei, obviamente, com enorme expectativa por estar em um time grande e com muita história, mas depois muitas coisas mudaram. Tínhamos outro treinador (Eduardo Coudet) e um time acostumado a jogar uma maneira, mas logo aconteceram as enchentes, algo que machucou muito ao Rio Grande do Sul. Nos custou bastante para recuperar. Ao clube, institucionalmente, e a nós jogadores, esportivamente. Houve uma pausa que não esparava durante o ano porque queria aproveitar todo o embaldo do Brasileirão para chegar bem na Copa América e acabamos perdendo muito tempo. Depois do período nos Estados Unidos, trocaram o treinador. Chega o Roger com uma ideia nova, novos modelos de jogo e, a partir daí, acredito nos acomodamos. Acho que o time pôde enfim começar a construir algo novo, trabalhar sobre essa forma de jogo e os resultados, claro, começaram a chegar. Pessoalmente também comecei a me sentir mais cômodo dentro de campo e com o tempo, e mais partidas, as coisas começaram a fluir um pouco mais dentro de campo.

Se lembra de uma temporada tão conturbada assim? Não. Em um clube não me recordo nada assim tão atribulado como no ano passado. Há sempre a questão de ir para a seleção, de estar nas Datas Fifa partidipando dos jogos, mas o dia a dia do time sempre fluiu com normalidade, podendo jogar todas as competições e de trabalhar com os meus companheiros. Acredito que 2024 foi diferente nesse sentido, não estava preparado para tantas interrupções.

Os jogadores costumam carregar grandes momentos de muita resiliência  no início da carreira. Há algo que te marcou durate a sua formação? Sim, passamos por muitas situações. Houve dificuldade para alcançar meus sonhos, foi um grande esforço feito pelos meus pais para que eu conseguisse jogar futebol profissional. Passei coisas em casa, por exemplo, como a falta de comida do dia a dia, do dinheiro para as passagens, para ir treinar, para ir jogar… são coisas que marcam muito a gente, porque são esforços que a família fez naquele momento para que eu pudesse estar mais perto de realizar um sonho. E sempre trago isso comigo, sou muito grato por tudo o que vivi porque me ajudou a formar-me como pessoa e como jogador, a lutar para conseguir os meus sonhos. Muitos treinadores também apostaram em mim, viam algum talento, e hoje lhes agradeço muito porque me permitiram construir uma carreira maravilhosa.

Borré comemora gol ainda nos primeiros anos de futebol colombiano - Divulgação/Deportivo Cali
Borré comemora gol logo nos primeiros anos de carreira, no Deportivo Cali – Divulgação/Deportivo Cali

Seu melhor momento no Inter coincide com a chegada do Roger. Como é a sua relação com ele? Acredito que ambos (Roger e Coudet) têm uma ideia bastante parecida quanto ao jogo de uma forma geral. [A de Roger] é uma ideia muito similar a que Coudet já aplicava, ele não tentou mudar muitas coisas, mas buscou adaptar os jogadores que já tinha ao esquema que propôs. Sinto que o ponto forte de Roger é que conhece os jogadores e tenta se adaptar para encontrar a melhor forma de trabalhar com eles. Observo que é um treinador que sempre se preocupa muito em melhorar [a equipe] no dia a dia, mas também tem a capacidade de mudar situações, de encontrar soluções quando uma equipe rival propõe algo em um jogo. Ele sempre encontra uma forma de dar a volta por cima, de buscar uma maneira de mudar algo. Também noto que é um treinador que escuta muito os jogadores. Escuta aquilo que sentimos dentro de campo. O treinador tem uma ideia principal, mas depois vão acontecendo coisas dentro de campo se está dando certo, se não está dando certo…

Mas o que mudou na prática? Muitas coisas. Agora temos mais liberdade para jogar e, de acordo com o que nos propõem os rivais, tentamos encontrar uma forma na qual provocamos muitos problemas para os adversários, que não conseguem acessar ao nosso plano de jogo tão facilmente. Eles precisam trocar [o esquema] dentro de campo, e isso gera dúvidas. Como se não conseguissem os encaixes por estarem incomodados. Tentamos buscar isso: ver que posicionamento fica melhor e, como disse, o Roger sempre nos dá a liberdade de encontrar essa condição dentro de campo.

Você parece estar se entendendo bem dentro de campo com Alan Patrick. Sim, é um jogador difícil de se encontrar. Como costumamos dizer na Colômbia que James é o nosso mágico, por aqui o Alan é o mágico. Ele é quem tem a varinha para fazer mágicas acontecerem. É diferente e tem essa mentalidade de planejar coisas antes de receber a bola. De encontrar espaços onde pode estar. Ele nos dá essa visão de jogo que precisamos no último terço [do campo] e tem essa facilidade para fazer jogadas, além de ficarmos com a bola. Me entendo muito bem com ele porque somos dois jogadores que compreendemos os espaços que temos qu eocupar e tentamos nos conectar rapidamente sempre que estamos perto. Quando passamos muito tempo sem tocar na bola, já começamos a nos preocupar para entrar em contato, para participar. E acho que isso faz com que as coisas possam fluir dentro do campo.

Borré e Alan Patrick: dupla é aguardada ansiosamente por torcedores para a decisão do Gauchão - Ricardo Duarte/Internacional
Borré e Alan Patrick: dupla é aguardada ansiosamente por torcedores para a decisão do Gauchão – Ricardo Duarte/Internacional

Sua chegada ao Inter, até pelo alto investimento, foi cercada por muita badalação. Sente que ainda precisa provar mais? Sim, a minha chegada, sempre digo, aconteceu muito pelos torcedores, pela disposição que tiveram em querer a minha vinda. Vivia um momento na carreira em que queria ter essa sensação de estar em um lugar em me quisessem e onde eu pudesse ajudar a um grupo. Esse ano encaro de outra forma, com outra mentalidade e disposição. Sinto que com tudo o que fizemos no ano passado ficou muito claro o que queríamos. Esse ano venho com essa vontade e personalidade de ajudar a equipe. Primeiro quero ajudar a equipe a crescer, a dar um salto quanto a sua mentalidade e ao seu posicionamento dentro do futebol brasileiro. O Inter precisa se colocar entre os que lutam por títulos importantes. Temos que lutar pelo Brasileirão, por Copa do Brasil, por Libertadores, estar inseridos no âmbito internacional e brigando por coisas importantes. Mas primeiro precisamos ter essa mentalidade de recolocar o clube nesse lugar de protagonismo para depois, pessoalmente, também ser um protagonista. Ser uma peça-chave para que a equipe conquiste seus objetivos.

Acha possível ser campeão este ano?  Eu acho que sim, vai ser muito importante o trabalho, a ‘hambre’ (fome), a vontade que teremos, a mentalidade para buscar com força um título importante, um título grande… acho que como equipe estamos capacitados para brigar por um título importante.

**

Borré e Gallardo: dupla conquistou seis títulos juntos em Núñez - Paolo Aguilar/EFE
Borré e Gallardo: dupla conquistou seis títulos em Núñez – Paolo Aguilar/EFE

Você falou sobre uma mudança de mentalidade. É o que o clube mais precisa neste ano? Sim, é o que eu quero e os meus companheiros pensam também. Ter essa ‘hambre’ (fome) de poder lutar por títulos importantes. Sabemos a dificuldade econômica que temos e que há clubes no Brasil com muita capacidade de investir em bons jogadores, mas creio que quando há essa vontade, essa fome como falam, e com um grupo forte mentalmente, com vontade de conseguir coisas, podemos conseguir coisas. E eu tenho essa mentalidade de trazer isso, essa vontade de conseguir algo importante com o clube. Voltar a posicionar o clube em um lugar importante no Brasil. Mas, obviamente, que isso é algo feito em grupo, um trabalho de todos.

Parte disso que você carrega foi forjado no convívio com Marcelo Gallardo? Quando cheguei para trabalhar com ele tinha uma forma de ver o futebol que já era competitiva, eu sempre fui competitivo, mas foi como uma mudança na minha mentalidade porque para ele não era suficiente ganhar uma partida. Ele queria ganhar em tudo. Mesmo no treinamento, a cada bola dividida… em muitas situações aplicava essa mentalidade de ganhar. E eu creio que ele (Gallardo) tem facilidade para transmitir isso aos seus jogadores e comigo, pessoalmente, foi um trabalho muito bom que me transformou em um jogador competitivo, demasiadamente competitivo. Em muitos momentos, sabia o que queria transmitir a equipe. Foi um treinador que melhorou muitas coisas em mim. Sou grato porque me fez crescer muito como atleta e pessoa.

Primeira passagem de Gallardo pelo River como treinador terminou com 14 títulos em oito anos - Juan Ignacio Roncoroni/EFE
Primeira passagem de Gallardo pelo River como treinador terminou com 14 títulos em oito anos – Juan Ignacio Roncoroni/EFE

Houve alguma conversa específica entre vocês que o marcou? Quando cheguei ao River no meio de 2017, meu primeiro semestre foi mais ou menos porque não pude jogar muito. Tinham jogadores a frente (Scocco, Alario…), uma hierarquia a ser respeitada. Em 2018, durante a pré-temporada, Marcelo teve uma conversa comigo. Me lembro muito de suas palavras dizendo que seria um ano muito importante para o clube e dependia de mim realmente querer ganhar o lugar que merecia dentro do grupo. Que tudo dependeria do meu trabalho e da vontade que teria para buscar. E nunca esqueci isso, me marcou, porque a partir daquele momento minha vontade aumentou e a mentalidade começou a ser de protagonista do time. No fim, graças a Deus fomos consagrados com a Libertadores e vários títulos.

E o que o faz tão diferente no dia a dia? Ele já falou em treinar um clube brasileiro? Não sei se teve essa possibilidade de vir ao futebol brasileiro, mas quando estava conosco era algo muito diferente. Ele sempre queria ganhar, mas também falava muito sobre a forma como conseguir. Não adianta fazer de qualquer forma ou de qualquer jeito. Se não vencêssemos da forma como os torcedores do River gostam, jogando bem, propondo jogo, sendo uma equipe agressiva que corre riscos, que maca alto, não servia. Então, para ee era muito importante a forma como iríamos ganhar. Outra coisa que sinto que o faz ser o treinador que é: a mentalidade de sempre querer melhorar alguma coisa. Muitas vezes mesmo em partidas que ganhamos por 5 a 0, 6 a 0, tranquilos, ele apontava três ou quatro coisas para melhorar. E dizíamos: ‘como é possível?’. Teve uma partida que vencemos por 4 a 0, as coisas correram bem, mas para ele haviam detalhes para tentarmos melhorar, um momento que não estivemos tão concentrados. Sempre nos corrigia mesmo ganhando assim, imagina como não queria melhorar após uma derrota? Ele sempre utilizava algo para seguirmos buscando coisas importantes para o clube.

**

No Inter desde março de 2023, Borré negou ofertas de Palmeiras, Flamengo e até do arquirrival Grêmio - Diego Vara/Placar
No Inter desde março de 2023, Borré negou ofertas de Palmeiras, Flamengo e até do arquirrival Grêmio – Diego Vara/Placar

Você foi procurado por muitos clubes no Brasil: Palmeiras, Flamengo… por que aceitou o Inter? O futebol brasileiro, desde os tempos de River, sempre esteve como uma possibilidade real para mim, mas sentia que ainda havia algo para mim e para a minha carreira na Europa (já havia tido breves passagens no Atlético de Madrid e Villarreal). Via muita disposição dos clubes brasileiros, que me faziam boas ofertas, mas foi mais forte a vontade de jogar na Europa, um lugar em que poderia buscar um crescimento na carreira, aprender um pouco mais sobre o futebol. Mas depois dos anos na Alemanha, de ter vivido o futebol europeu, de ter tido a possibilidade de ser campeão (da Liga Europa em 2022), depois de tudo isso, senti que a experiência já estava completa. Então apareceu a possibilidade de vir ao Brasil, ao Inter. A princípio ainda pensava se já era mesmo o momento de voltar, mas a vontade cresceu pela manifestação dos torcedores de Inter. Por todo o esforço que faziam para que eu pudesse vir. Valorizei muito isso, foi importante para que fechasse e hoje estou aqui.

O Grêmio estava entre esses clubes? Sim, tive essa possibilidade (de acerto) em um momento também.

E isso te dá mais moral com a torcida, certo? Rejeitar um rival, fazer um gol logo no primeiro Grenal... Sim (risos). Digo que foi um pacote completo. E vem desde antes porque com o River também tive a oportunidade de enfrentá-los nas semifinais (da Libertadores) e marcar um gol. Então, acredito que a partir daí vem minha história com o Inter, que já tinha tido a oportunidade de vir, mas não aconteceu, acho que não era o momento também. Agora posso estar do lado do maior (do Rio Grande do Sul). Para mim sempre é muito especial pela forma como aconteceu.

Borré marcou gol e comemorou como um saci, mascote do clube, no Grenal 443 - Ricardo Duarte/Internacional
Borré marcou gol e comemorou como um saci, mascote do clube, no Grenal 443 – Ricardo Duarte/Internacional

Perto de sua saída do River, houve muita especulação sobre seu futuro. Corria a informação que você não queria deixar o clube de mãos vazias. Isso pesou mesmo? Meus pais me ensinaram a nunca sair mal de lugar nenhum e sempre deixar as portas abertas. Por mais situações difíceis que tenhamos vivido em algum lugar, também há muitas coisas boas. E, particularmente, no River, vivi muitas dessas coisas boas. Pelo contrato com o Atlético de Madrid, o clube tinha a possibilidade de comprar a outra porcentagem do meu passe e eu poderia permanecer. Só que esse tempo já havia se esgotado. Eu ficaria sem contrato com o Atlético e com o River, como um agente livre, mas ainda queria deixar algo para o clube por todos os anos que vivi lá, por tudo o que me fizeram crescer como jogador. Então depois, na negociação com o Frankfurt, foi possível encontrar uma forma para que o River recebesse algo. Da minha parte, fiz tudo o que estava ao meu alcance. Saí bem do clube, isso é o mais importante para mim.

Há um fluxo de grandes jogadores no futebol brasileiro: Suárez, Depay e agora o Neymar. O Vegetti classificou a Série A como uma das dez melhores ligas do mundo. Vê assim também? Eu concordo com o Vegetti, mas vou além: colocaria o futebol brasileiro hoje entre as cinco ligas mais importantes do mundo. Competiria com as principais da Europa e sinto que estaria acima de algumas delas. Por quê? Pela qualidade dos times, pela competitividade que há. Jogar no futebol brasileiro e ter a cada fim de semana jogos envolvendo grandes equipes, que normalmente se reforçam para brigar pelo campeonato, sinto que não acontece tanto em outras ligas. Isso domingo após domingo, sem contar com as competições internacionais, falando apenas da liga local. E aqui é assim: fim de semana após fim de semana, você tem a possibilidade de jogar contra equipes históricas, grandes times que, obviamente, geram muita dificuldade, seja em casa ou fora. Isso faz com que a liga seja muito competitiva. Além disso, há equipes que, historicamente, não são tão grandes, mas que hoje têm uma estrutura que as fizeram crescer e terem times competitivos. Gosto muito da qualidade dos jogadores, da forma de trabalhar dos treinadores, da possibilidade de enfrentar equipes que têm a mentalidade de propor sua ideia de jogo acima do que o rival pensa. Acho isso muito bom, faz muito bem para o futebol em geral e para o futebol brasileiro ainda mais. Mas, claro, há coisas que são difíceis de entender como a questão do calendário. Ter tantos jogos assim sempre é difícil, ainda mais com a qualidade que mencionei. Às vezes, você joga a Copa Libertadores e, de repente, na quarta-feira já tem um jogo contra um grande time aqui do Brasil. No fim de semana joga contra outro grande do Brasil. São jogos fisicamente intensos e, quando chega a competição internacional, ficamos um pouco desgastados pela mesma exigência da liga local.

O cara: atacante colombiano terminou o último ano como vice-artilheiro do time, com 12 gols - Ricardo Duarte/Internacional
O cara: atacante colombiano terminou o último ano como vice-artilheiro do time, com 12 gols – Ricardo Duarte/Internacional

O que achou das torcidas? E das rivalidades? Eu gosto muito dos cantos das torcidas, sinto que isso faz com que o futebol daqui seja diferente. Na verdade, nós devemos aos torcedores o que somos e acredito que as torcidas aqui no Brasil fazem com que tudo seja ainda mais especial. Muitos times também têm suas torcidas grandes. A cada partida jogamos em lugares onde o estádio está cheio, o ambiente para jogar é bom. Eu acho que isso faz com que a qualidade da liga seja muito boa.

Mas há também os pontos de discórdia: a qualidade dos gramados, a discussão pelos sintéticos… o que pensa a respeito? Com relação aos gramados, obviamente, como jogador prefiro jogar no gramado natural. A discussão envolvendo os sintéticos é algo que ainda sinto que falta muito para nos adaptarmos. Vejo como uma forma, talvez uma facilidade, que cada entidade vê de usar como uma vantagem, não sei. Obviamente, os jogadores em geral preferem um pouco mais o gramado natural.

Você jogou o Grenal, mas tem também muitos Boca e River no currículo. Quais as diferenças? Tive a oportunidade de jogar diferentes clássicos, muitos jogos importantes assim. Mas, sim, eu acho que River e Boca e Inter e Grêmio são partidas especiais, clássicos que criam um ambiente especial. Em particular, Inter-Grêmio tem essa proximidade. Os torcedores convivem muito entre si (em Porto Alegre). Em Buenos Aires estão os dois, mas há muitos times também. Muita gente é torcedora de Independiente, Racing, San Lorenzo… há outros times. Aqui é algo muito particular porque só são esses dois (Inter e Grêmio), os times da cidade. Então, isso torna o Grenal especial, mas claro que o Boca-River mobiliza muitas pessoas que estão de um lado ou do outro e faz com que seja um clássico muito grande também.

Borré e discute com Sebastian Vílla em clássico com o Boca em 2021 - Marcelo Endelli/EFE
Borré discute com Sebastian Vílla em clássico com o Boca em 2021 – Marcelo Endelli/EFE

**

Borré não esquece o 23 de novembro de 2019: 'minha maior dor no futebol' - Diego Vara/Placar
Borré não esquece o 23 de novembro de 2019: ‘minha maior dor no futebol’ – Diego Vara/Placar

Você enfrentou o Flamengo, do Jorge Jesus, na final da Libertadores de 2019. O título parecia nas mãos do River, mas acabou escapando. O que aconteceu naquele momento? Acredito que aquele jogo explica perfeitamente o que é o futebol. Não há nada escrito até que tudo termine, muitas coisas podem acontecer. A partida era especial, tive a oportunidade de marcar um gol e acho que se fôssemos campeões naquele dia, com o meu gol, ou mesmo se tivéssemos feito outro, me consagraria como um jogador ainda mais importante na história do River por conquistar duas Libertadores. Era algo que me permitiria ocupar um posto mais alto dentro do clube, mas em poucos minutos essa possibilidade escapou. Te digo: essa é a beleza do futebol. Muitas vezes parece que as coisas estão definidas, mas tudo pode mudar em muito pouco tempo. E, infelizmente, tivemos que sofrer naquele momento. Foi duríssimo para nós porque considero que fomos melhores durante todo o jogo. Fizemos uma partida espetacular, quase perfeita. Estávamos bem posicionados, fomo sólidos, sempre firmes nos duelos individuais e muito melhores que o Flamengo. Mas em três ou quatro minutos deixamos escapar a possibilidade de sermos campeões.

Foi a derrota mais dolorida da sua carreira? E como ficou o vestiário depois? Eu acho que sim. Pela forma como aconteceu, por ser uma final e, obviamente, por tudo o que significava. Também por ter anotado um gol e ter feito uma competição especial. Havia muita tristeza no vestiário, claro, porque sinto que esse time [de 2019] particularmente jogava muito bem. Não sei se foi o melhor que Gallardo teve, mas era um River que jogava muito. E, por isso, fomos superiores a todos os nossos rivais, inclusive ao Flamengo. Mostramos isso na final. Estávamos mostrando [até o momento dos dois gols] que éramos superiores, mas não conseguimos fechar isso com chave de ouro. Depois que tudo acabou ficou essa tristeza.

Gabigol e os gols no final do jogo que colocaram fim ao sonho do River - Alexandre Vidal/Flamengo
Gabigol e os gols que colocaram fim ao sonho do River em Lima – Alexandre Vidal/Flamengo

Foi a primeira decisão em jogo único. Gosta do novo formato ou prefere o modelo antigo? Eu gosto de jogo único. É um momento legal para que as duas torcidas estejam juntas ao mesmo tempo no estádio. Também faz com que para os times seja algo particular porque você não tem tempo para perder, para se preparar para o jogo da volta… prefiro assim.

E o que pensa do Gabigol? Ele foi o carrasco do River naquela final e, por vezes, é visto como um jogador muito polêmico. Sente que está desparecendo tipos assim no futebol? O considero um grande atacante, um jogador muito bom que tem um modo de atuar que particularmente gosto. Ele não é uma referência fixa, pode sair da área, pode se aproximar de outros jogadores…  gosto desse estilo. Construiu uma excelente carreira. Tudo o que conquistou no Flamengo e o que conseguiu até aqui é espetacular. É um jogador para quem olho e gosto pela mobilidade que possui [dentro de campo]. Faz algo parecido com a maneira como também gosto de jogar, entende? E quanto ao desaparecimentos de referências como camisa 9, acho que vai muito dos estilos dos treinadores. O futebol hoje é tão dinâmico que ter uma referência fixa entre os zagueiros muitas vezes cria facilidades para o outro time. Dá muita vantagem para que possam te marcar. Claro que também passa por saber utilizar. Se há um jogador ali que finaliza bem, que não precisa tocar muitas vezes na bola, mas faz muitos gols, isso é uma vantagem. Mas muitas vezes as equipes precisam de outro tipo de jogador, alguém que se aproxime mais, que te dê o passe a mais que faz falta. Eu acho que vai muito de estilo mesmo e do que você quer propor. Sinto que o futebol sempre vai mudando, mas também vai voltando as suas origens. Em algum momento voltaremos ter essa figura importante do centroavante.

**

Nome frequente na seleção, Borré quer mais: a titularidade na Copa de 2026 - Ricardo Maldonado/EFE
Nome frequente na seleção, Borré quer mais: a titularidade na Copa de 2026 – Ricardo Maldonado/EFE

Na seleção colombiana, apesar de sempre ser lembrado nas convocações, talvez ainda lhe falte uma sequência como titular. Sua maior meta é buscar um lugar entre os 11 até a Copa? Para mim sempre será um orgulho fazer parte do grupo da seleção. É algo maravilhoso, mas é óbvio que tenho a mentalidade e a ambição de ser o titular. Reconheço que a concorrência é forte porque tenho companheiros que têm jogado muito bem, então quero continuar consolidando o meu trabalho e a minha carreira para poder estar nessa condição de ser o 9 principal da seleção, com toda a responsabilidade que há, ter a oportunidade de jogar a Copa do Mundo entre os 11. Essa é a minha mentalidade, essas são as minhas vontades. Será muito importante o que vou fazer no clube para poder chegar lá com essa condição de titular.

E o que acontece com James Rodríguez? Vemos na Colômbia um jogador extremamente respeitado, mas que tem tido muitas dificuldades nas últimas passagens por clubes. Acho que é um caso especial porque conosco na seleção ele se sente confortável e tranquilo. É o lugar onde sabem extrair o melhor do seu potencial, onde queremos que esteja bem, que se sinta à vontade. Também tentamos poupá-lo de responsabilidades, para que tenha a liberdade de pensar o jogo, de nos fazer fluir dentro de campo. Já provamos que quando ele tem tudo isso, essa leveza, faz com que a equipe funcione. E para nós isso é muito importante. Ter um jogador como ele, com sua hierarquia e experiência, com uma mentalidade vencedora, nos traz muitos recursos. Acho que por tudo isso na seleção ele flui [o seu jogo] com maior tranquilidade.

Borré e James: parceria para recolocar a Colômbia em uma Copa do Mundo - Mauricio Dueñas Castañeda/EFE
Borré e James: parceria para recolocar a Colômbia em uma Copa do Mundo – Mauricio Dueñas Castañeda/EFE

PLACAR esteve na cobertura da Copa América e havia a impressão que o técnico Néstor Lorenzo tentava durante as entrevistas protegê-lo. Ele jogava como um falso 9, com poucas obrigações de marcar… é isso que ele precisa? De um time ou uma estrutura em função dele? Não sei se tudo gurando em torno dele, mas entendo que é um jogador que precisa de liberdade para se movimentar em campo porque, com a capacidade que tem, precisa estar tranquilo e em um lugar em que possa resolver as coisas rapidamente. É um jogador que se tiver essa brecha, com essa levesa, pode facilmente te fazer ganhar uma partida. Nós apostamos nisso, em dar essa tranquilidade a ele, para que pudesse encontrar os lugares onde melhor se encaixa e, assim, o coletivo também funcionasse naturalmente. Sempre brincamos com ele e dizemos que é nosso mágico e que tem a varinha mágica para fazer as coisas acontecerem. Ele sabe e nós também sabemos, por isso que a equipe tenta proporcionar momentos para que ele brilhe. Não precisamos de muitas aparições para que nos coloque em vantagem, para que nos dê uma assistência.

Para fazer parte da nossa comunidade, acompanhe a PLACAR nas mídias sociais.

Publicidade