A poeta Gabriela Mistral, entre tantos versos maravilhosos, é autora desta frase: ‘Tengo un día. Si lo sé aprovechar, tengo un tesoro’. É tudo o que o Chile quer hoje
A poeta Gabriela Mistral (1889-1957), entre tantos versos cheios de lirismo, é autora desta frase: “Tengo un día. Si lo sé aprovechar, tengo un tesoro”. Neste sábado, em Belo Horizonte, o país em que ela nasceu, o Chile, terá um dia – um dos mais importantes da história de seu futebol. Se souber aproveitá-lo (toc, toc, toc!), terá um tesouro.
Gabriela Mistral ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1945. O também poeta Pablo Neruda (1904-1973) conquistou o de 1971. Pois é, começando a conversa, o placar já está 2 a 0 para eles contra o Brasil. Mas não é só por seus escritores (poderíamos citar ainda Isabel Allende, José Danoso, Roberto Bolaño…) que os chilenos merecem ser admirados.
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Dono de uma geografia única e um mapa sempre comparado, numa piadinha pronta, a magricelas grandões como o ex-vice-presidente Marco Maciel, o Chile, com seu território longo (4 300 quilômetros de comprimento) e estreito (175 quilômetros de largura, em média), reúne contrastantes maravilhas da natureza que vão do Deserto de Atacama (considerado o mais seco do mundo), no norte, às geleiras e fiordes nas franjas da Antártica, no sul. Apertado entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes, tem um povo gentil, hospitaleiro, que desfruta de uma renda per capita maior do que a brasileira e uma carga tributária bem menor do que a nossa. Depois de viver sob uma feroz ditadura militar durante dezessete anos, felizmente voltou à plena democracia e modernizou sua economia. Passear no Chile é uma delícia. Além da paisagem, oferece qualquer tipo de clima, bons restaurantes, ótimos peixes e frutos do mar (vários deles só são encontrados lá) e alguns vinhos que não fazem feio diante dos melhores do mundo.
Bem, e o futebol? Como sabemos, o quase vizinho com o qual não temos fronteira até hoje não alcançou, nem de longe, o êxito obtido em outros campos. Jamais venceu uma Copa América ou o torneio de futebol na Olimpíada ou nos Jogos Pan-Americanos, por exemplo. Foi vitorioso na Libertadores uma única vez, em 1991, com o Colo-Colo, seu clube mais popular. Na Copa do Mundo, a solitária façanha a ser lembrada é o terceiro lugar em 1962, dentro de casa.
Três vezes o Brasil cruzou com os chilenos em Mundiais, com três vitórias incontestáveis: 4 a 2 na semifinal de 1962, no Estádio Nacional de Santiago, onde Garrincha deu um show inesquecível e foi expulso do gramado (por artimanhas da cartolagem e de um árbitro suspeitíssimo, ele acabaria, porém, jogando na decisão do título); 4 a 1 em 1998, no Parc des Princes, em Paris; e 3 a 0 em 2010, no Ellis Park, em Johanesburgo (essas duas partidas, como agora, pelas oitavas).
Por que então o técnico Felipão, parte da imprensa e muitos torcedores disseram tantas vezes que preferiam não enfrentar tão antigo freguês, se a alternativa era a poderosa Holanda ou, antes do vexame da ex-Fúria, a Espanha? A razão é óbvia: como a economia, o sistema educacional e a qualidade de seu cabernet-sauvignon, o futebol chileno mudou de patamar. Mais próximo no passado da garra uruguaia do que da técnica argentina, ultimamente passou a adotar um estilo que o comentarista e ex-craque Tostão chegou a definir, com grande felicidade, como uma maluquice meio irresponsável e saudável. Simplesmente, o Chile, com todas as suas deficiências ao se defender nas bolas altas, passou a jogar sem medo – e a atacar.
De certo modo, adaptou um pensamento literário de Pablo Neruda. “Escrever é fácil”, ele ensinou com ironia. “Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto-final. No meio, você coloca ideias.” É com essa ideia – procurar o gol – que eles vão em busca de seu dia. Torceremos juntos, com todo o respeito, para que não encontrem o tal tesouro.
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