Aquela alegria infantil da 1ª fase, o sorriso fácil – tudo isso de repente encolhe. O torcedor deixou a infância para trás. Foi transformado pelo início do mata-mata
Não foi Guimarães Rosa que disse que viver é muito perigoso? Ele tem razão. Mais perigoso ainda é jogar um mata-mata de Copa do Mundo
Percebe, filho (perguntou o velho), como tudo fica mais grave agora? Mais pesado? Aquela alegria infantil da primeira fase, o sorriso fácil, a disposição de abarcar o mundo num abraço – tudo isso de repente encolhe, se contrai. O torcedor deixou a infância para trás. Foi transformado pela chegada das oitavas de final – que alguns chamam de puberdade – num adolescente arredio, cabreiro, cheio de espinhas. O cara continua sendo a mesma pessoa, claro, mas sua metamorfose é evidente. Ele deu adeus à inocência.
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Por exemplo: a paixão que ele sentia virou uma mola tensa demais, filho. Uma mola comprimida ao máximo, à espera do gatilho de um gol para saltar com mais força do que nunca. Esse movimento de tensão e distensão já existia, lógico, é parte inseparável do ato de torcer, mas até agora o coitado sofria de modo sensato, previsível. Sofria quando era hora de sofrer, quando o time ia mal. De repente ele descobre que o sofrimento virou a regra, que nem uma atuação sobrenatural de onze titãs funcionaria como analgésico, que o único prazer possível é o do alívio e que o alívio é sempre momentâneo. Tudo mudou, filho.
Até aquele gol que faz a mola saltar é insuficiente a partir de agora (disse o velho), porque depois a espiral volta a se apertar depressa na barriga, e vai continuar se apertando mesmo que haja um segundo ou um terceiro gol. A coisa é tantalizante, é praticamente insuportável, e fica nisso até o apito final do juiz. Nesse momento a mola consegue enfim dar um refresco, mas o prazer da vitória também é fugaz. Dura só até começar tudo outra vez – e agora, veja bem, com risco dobrado! É ou não é infernal, meu filho? Imagine um mergulhador que vai afundando, afundando no mar, a pressão daquelas toneladas de água sobre ele crescendo, ameaçando esmagá-lo – uma Copa é isso.
Tabela: Saiba como ficaram as oitavas de final da Copa
Ou não: é melhor esquecer o mergulhador. Imagine um equilibrista na corda bamba, sem rede de proteção. A cada número, depois de cada travessia milagrosa que o pobre sujeito consegue completar, dando graças a Deus por continuar vivo, aumentam a altura da corda e ele tem de começar tudo outra vez. No fim das contas o infeliz está furando as nuvens, e todas as unhas do mundo já foram roídas. Entende agora (perguntou o velho) o que temos diante de nós?
Não foi Guimarães Rosa que disse que viver é muito perigoso? Ele tem razão. Mais perigoso ainda é jogar um mata-mata de Copa do Mundo. Nessa hora vale lembrar que do outro lado do balcão está um velho freguês, não custa nada. Vale lembrar que os jogadores deles são todos baixinhos e que já metemos cinco gols de cabeça neles em três partidas de Copa do Mundo – pois não passou da hora de nossos zagueiros gigantes testarem uma bola para o fundo da rede neste Mundial? Esse tipo de pensamento vale sim, filho, vale muito. Distrai, alivia a tensão, dá confiança. Mas o diabo da mola na barriga…
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