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Viva o futebol arretado: sucesso de clubes nordestinos não é por acaso

Com aposta em austeridade e modernização, times da região dão exemplo a muitos membros do ‘eixo’

(Matéria publicada na edição de julho de PLACAR, já disponível em nossas plataformas para dispositivos iOS e também Android, e que chega às bancas de todo o país na próxima semana)

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Há dois anos, o atacante Thiago Galhardo, hoje no Inter, causou controvérsia ao confessar ter ficado surpreso com o fato de seu primeiro salário no Ceará ter caído adiantado, e ele esperava que fosse atrasar. “Me avisaram que aqui pinga em dia, não tem erro”, disse entusiasmado, numa declaração que soou como uma leve provocação ao Vasco da Gama, seu clube anterior. Não é mera coincidência, portanto, que em 2021 o clube nordestino esteja em seu quarto ano consecutivo na elite, enquanto a equipe carioca voltou para a Série B. Não é caso isolado de sucesso, o do Vovô cearense. Vários clubes do nordeste vêm colhendo os frutos do profissionalização e da boa gestão. Desafiam as lógicas de mercado que sempre favoreceram o futebol do sul e sudeste, o chamado “eixo”.

Na Série A, há quatro representantes, 1/5 do total. Na Copa do Brasil, os resultados são ainda mais significativos, com seis equipes classificadas para as oitavas de final: ABC (RN), Bahia e Vitória (BA), Fortaleza (CE), Juazeirense (BA) e CRB (AL). O time alagoano, aliás, roubou a cena ao eliminar o atual campeão Palmeiras, no Allianz Parque. Bahia, Ceará e Fortaleza são os melhores exemplos de boa gestão. O trio está sempre bem colocado nos rankings de transparência e redução de dívidas e compartilha de uma mesma premissa: não ceder a pressões externas e não dar passos maiores que as pernas. O nome do jogo é austeridade. O desafio financeiro se tornou ainda maior em razão da pandemia do novo coronavírus, que atingiu em cheio a principal fonte de receitas dos clubes: a presença dos torcedores que costumam lotar os estádios. Em 2019, o Fortaleza teve a segunda maior média de público (32 999), atrás apenas do líder Flamengo (55 000).

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Com patrocínios e cotas de TV inferiores aos vizinhos ao sul e com a decisão de seguir honrando seus compromissos, não restou outra alternativa a não ser enxugar os elencos. “Tivemos de compensar essa perda com algumas negociações, diz o presidente do Fortaleza, Marcelo Paz. “Montamos um elenco praticamente a custo zero, com jogadores em fim de contrato, emprestados. As passagens de fase na Copa do Brasil ajudaram o time a seguir neste caminho da responsabilidade financeira”. Um acerto em cheio, ao menos até agora, foi a contratação do técnico argentino Juan Pablo Vojvoda. Ele vem fazendo os fãs do Leão do Pici esquecerem de Rogério Ceni, campeão da Série B de 2018 e da Copa do Nordeste do ano seguinte.

O torneio regional, por sinal, é peça fundamental no debate sobre a retomada do futebol nordestino. Organizada pela primeira vez em 1994, a Copa do Nordeste foi remodelada em 2013 e desde então se tornou o verdadeiro xodó das torcidas. A Lampions League, como foi carinhosamente apelidada, com chaveamento e até taça semelhante a da Champions League Europeia, teve sempre arquibancadas cheias (préCovid-19) e audiências de TV altíssimas na região. Na decisão deste ano, o Bahia bateu o Ceará nos pênaltis em uma final dramática. “A Copa do Nordeste é um enorme sucesso em termos de mobilização, um título de expressão maior que os estaduais, que estimulou uma rivalidade regional muito forte”, diz Guilherme Bellintani, presidente do tricolor de Salvador. “É uma competição atraente, um sucesso afetivo e esportivo, mas economicamente ainda precisa avançar para ser, de fato, um fator de transformação. Mas chegaremos lá”. A premiação de apenas 1 milhão de reais pelo triunfo foi toda dividida entre os atletas e, portanto, não representou nenhum grande alívio no caixa.

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Além dos resultados em campo, o Bahia, campeão brasileiro de 1959 e 1988, se destaca com diversas iniciativas sociais, como campanhas de apoio à comunidade LGBTQI+ e ao Sistema Único de Saúde (SUS). Os clubes da região também vêm testando formas de atrair mais sócios torcedores com a criação de canais e serviços exclusivos, e são bastante ativos nos debates sobre direitos de transmissão e na possível formação de uma liga independente. “A rivalidade fica em campo. Há total conexão e cumplicidade entre nós dirigentes, um entendimento claro de que podemos melhorar o futebol nordestino como um todo se estivermos unidos”, completa Bellintani.

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Givanildo, jogador do Santa Cruz, em 1977 -
Lenda: Givanildo, ídolo do
Santa Cruz na década de 70
quando foi convocado para a
seleção brasileira; aos 72
anos, ele está de volta Silvio Ferreira/Placar

Guardadas as devidas proporções, clubes menores como o Confiança, (SE) e o Sampaio Correa (MA) também têm crescido com base no zelo financeiro. Os representantes de Pernambuco, potência da região, buscam uma retomada. De Recife, uma lenda local, Givanildo Oliveira, primeiro jogador da história convocado para a seleção brasileira atuando no nordeste, pelo Santa Cruz, demonstra ceticismo. “A pandemia afetou todos os clubes, especialmente os do norte e nordeste. Já vi momentos melhores”, diz o extreinador, conhecido como “rei do acesso”, que retornou ao clube do coração em 2021, agora como diretor de futebol.

O mais recente título nacional de elite dos nordestinos foi a Copa do Brasil de 2008, do Sport, e os próprios dirigentes locais admitem que, no curto prazo, a meta é fazer um bom papel na Série A e, quem sabe, nas competições sul-americanas. Troféus estão no horizonte, mas sem falsas promessas. Como diria o poeta Ariano Suassuna (1927-2014), defensor ferrenho da cultura sertaneja e fanático pelo Leão da Ilha: “o otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.” E viva o futebol mais arretado do país.

Enrevista com técnico do CRB
Entrevista com técnico do CRB PLACAR/Reprodução

 

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