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Rogério Ceni: ‘O futebol, para mim, não é algo difícil’

Em entrevista exclusiva, o técnico do Fortaleza falou sobre os desafios no clube, sobre outra chance no São Paulo e as chances da seleção na Copa

A experiência de Rogério Ceni como treinador do São Paulo, clube pelo qual o ex-goleiro dedicou 25 anos e meio de sua carreira, não teve um desfecho feliz. Seis meses após a sua contratação, foi demitido pelo presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco. Agora, Ceni busca um recomeço à frente do Fortaleza, time cearense que acabou de subir para a Série B do Campeonato Brasileiro. Em pouco tempo de trabalho, já começa a colher alguns frutos: a equipe chegou à decisão do Campeonato Cearense e disputa a final contra o maior rival, o Ceará. Na semana da final, Ceni recebeu a reportagem de VEJA, presente na cidade para a Expedição Vozes do Futebol, e foi categórico em dizer: “O futebol, para mim, não é algo difícil”.

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Os 30 minutos de conversa aconteceram após treinamento no estádio Alcides Santos, sede do clube, dois dias antes da primeira final do Estadual. O Fortaleza perdeu o primeiro jogo na última quarta-feira por 2 a 1, no Castelão, mas fica com o título com uma vitória simples na segunda partida, que acontece neste domingo, às 16h, no mesmo local. Após 17 jogos à frente do time, Rogério Ceni afirmou que está evoluindo como treinador. Para ele, o maior aprendizado não foi o curso que fez na Inglaterra, antes de ser contratado pelo São Paulo no final de 2016, mas, sim, os anos vividos dentro de campo, trabalhando com diversos treinadores.

O São Paulo também foi assunto – garante que não carrega ressentimentos. “É claro que não queria ter saído, gostaria de ter concluído o trabalho. Mas só tenho a agradecer à instituição. Não tenho mágoa nenhuma”. Como jogador, Ceni conquistou tudo o que podia com o São Paulo e foi chamado para disputar duas Copas do Mundo – foi campeão em 2002 como terceiro goleiro e disputou os minutos finais do jogo contra o Japão na primeira fase do torneio de 2006. Em ano de Mundial, nomeou Brasil, Alemanha e Espanha como os favoritos para ficar com a taça e elogiou o técnico Tite.

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Confira os principais trechos em vídeo e, logo abaixo, a íntegra da entrevista:

https://www.youtube.com/watch?v=CA5WUJldoFU

Como é ser técnico do Fortaleza? É bacana. Passamos de 70 treinos e chegamos a 16 jogos no ano. Onde estamos gravando hoje, aqui no bairro do Pici, é apenas o nosso segundo ou terceiro treino, pois o campo estava em reforma. Trabalhamos em outro centro de treinamento, em Maracanaú, longe daqui, a cerca de 45 minutos de casa. Lá temos uma estrutura bem diferente, com algumas coisas que precisam ser melhoradas. O tempo que o Fortaleza passou na Série C explica essa estrutura inferior ao que esperava. Mas as coisas estão sendo feitas. Já temos uma nova academia, um campo auxiliar em construção, estão tentando melhorar o gramado desse aqui. O CT das categorias de base também passou por melhorias no gramado. Minha diversão é o trabalho. Chego por volta de 13h30, 14h, todos os dias, vou embora por volta das 20h30, 21h – além do trabalho em casa. Desenho treinamentos todos os dias, trago tudo programado para executar de acordo com nossa preparação, do adversário que a vamos enfrentar. Trabalhamos muito com o pessoal do vídeo. Vivo para o trabalho. Tenho um prazer muito grande em trabalhar.

Essas melhorias foram sugestões suas? Estou tentando. Se o Fortaleza chegar próximo do nível de um São Paulo, já vai ter evoluído muito. Através dos conceitos que tive durante quase 26 anos trabalhando lá, espero que algumas coisas saiam do papel, melhorem, sejam reformadas, adquiridas. A diferença financeira para os clubes da Série A é muito grande. E, em meio a isso tudo, tivemos de montar um time praticamente do zero, porque ficaram só seis jogadores do ano passado. Montamos esse time em novembro para se apresentar em dezembro. O último jogador se apresentou no comecinho de janeiro. Nossa última contratação, Jean Patrick, chegou no fim do campeonato e  praticamente lesionado. A equipe que começou o trabalho comigo em 26 de dezembro chega à final da competição três meses depois.

Qual é a diferença de fazer a montagem de um time com condições financeiras mais modestas? Existem diferenças, claro, mas com certas semelhanças. No São Paulo, também não tínhamos dinheiro quando nos reapresentamos. Fomos avisados que não haveria dinheiro e a montagem do time foi feita com pouco investimento, 50% daquele time vinha das categorias de base. Só que o São Paulo tem uma categoria de base bem desenvolvida, bem estruturada, da qual saem atletas para a equipe principal. Aqui a categoria de base está num nível um pouco abaixo. Tivemos jogadores de base aqui, mas não têm a mesma qualidade técnica daqueles formados no São Paulo. Aqui trabalhamos com um tipo diferente de atleta, como aquele que está no Interior de São Paulo, nos campeonatos regionais, e que precisamos garimpar. A diferença é que, em dezembro, sempre se dá preferência aos campeonatos do Sudeste e do Sul e fica mais difícil contratar. A parte boa para quem vem para cá é que podemos oferecer um calendário anual para o jogador, enquanto no futebol paulista, por exemplo, ele arrisca a jogar só quatro meses, tempo que dura o Estadual. Foi essa a forma que utilizamos para atrair um ou outro jogador. Agora é o momento das últimas contratações, de acordo com a realidade financeira do clube, para termos um time forte para a Série B.

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O técnico de São Paulo, Rogério Ceni, durante treinos para a Flórida Cup
Ceni, no São Paulo Rubens Chiri/saopaulofc.net/Divulgação

Sua breve carreira como técnico já teve três momentos: o período de estudos na Europa, a passagem pelo São Paulo e agora seu segundo time. O Rogério Ceni que começou na profissão é muito diferente do que está hoje no Fortaleza? Sim, as coisas mudam a cada dia de novos treinamentos e com pessoas diferentes. A repetição é fundamental. Assim como o atleta que treina faltas, por exemplo, se repetir, a tendência é que melhore. Como treinador também. A cada dia adquire novas experiências. Quando comecei, sabia menos do que sei hoje, o que é natural. Mas me preparei bastante. O estudo ao qual você se refere foram os cursos fora?

Sim. Para mim, os estudos são 25 anos e meio trabalhando dentro do futebol, observando os mais variados treinadores, cada um a sua maneira, com treinamentos, jogos, substituições, escalações, sistema de jogo. Essa talvez seja a maior escola que alguém pode ter: trabalhar num clube de ponta durante 25 anos. Os estudos são complementos necessários para o entendimento do lado psicológico, fisiológico, para aprender algumas coisas da área de preparação física, aprimoramentos que não domina, que não tem conhecimento, porque não estudou para isso. Esses cursos servem muito para o crescimento em todas essas outras áreas, até no comportamento como treinador, no domínio do grupo. Honestamente, sempre me senti tranquilo e preparado para trabalhar. Desde que assumi o São Paulo. A cada dia, há novas dificuldades, novas experiências, novas soluções. Tudo isso amadurece. Na parte motivacional, trabalho para criar sempre coisas novas, oferecer uma variação aos treinamentos diários, para não repeti-los. Isso desperta um interesse muito grande no atleta. Para mim, essa tem sido talvez a maior evolução nos últimos meses.

Quais técnicos servem de inspiração para o seu trabalho? É complicado nomear, porque trabalhei com muita gente boa. Muita gente me influenciou em vários momentos. A influência tem a ver com a forma com que pretendo jogar, mais defensiva, ou com marcação mais alta, com pressão. Um time mais alto ou um time mais técnico. Não tenho muita predileção a ideias. Procuro me adaptar ao que tenho. Isso vai muito da leitura do adversário. Gosto que a bola fique mais tempo comigo, gosto de pressionar. Esse é o meu normal. Mas tenho de encarar os adversários de acordo com as possibilidades da equipe que tenho.

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O também ex-goleiro e treinador Emerson Leão chamou o Fortaleza de “time pequeno”. Como você enxerga o clube no cenário nacional? O Fortaleza é uma marca muito forte dentro do Estado, assim como o Ceará. Talvez até na região Nordeste. São dois times entre os dez maiores da região. O Fortaleza não participou esse ano da Copa do Nordeste, mas ano que vem estará, porque chegou à final do Estadual. Em relação ao Brasil, a marca se dilui um pouco, o que é natural. Isso acontece com a maioria dos times do Nordeste, apesar da população ser relevante. As equipes daqui não têm a estrutura dos considerados grandes do país, nem a relevância. Cabe a nós levarmos essa marca a todo o Brasil. E isso só acontece quando o time chega bem na Copa do Brasil, na Série A. Com boas campanhas as equipes do Nordeste vão ter espaço de mídia maior, maior relevância, e isso se conquista com o tempo.

A sua contratação trouxe ao clube mais interesse da imprensa? Talvez você possa responder  melhor que eu. Vim pelo trabalho e pela oportunidade de desenvolver uma ideia de jogo. E por ser um time que, na minha visão, tem condições de ganhar o Campeonato Cearense. É difícil, mas é possível. Quando fui trabalhar no São Paulo, era possível conquistar títulos, porque o São Paulo é uma equipe grande do Estado e do país. É verdade que não vivia um momento muito favorável, nem financeiramente nem pelos resultados. Aqui o momento é de subida. O time subiu da Série C e nosso objetivo é de conquistar um título, para marcar o nome na história do clube. O Campeonato propicia isso, apesar de o Ceará viver um momento melhor em todos os sentidos, financeiro, técnico, até de grupo formado há muito mais tempo. Seria importante para a minha carreira e importante para a história do clube vencer o campeonato, por se tratar do ano do centenário do Fortaleza.

Essa é sua primeira final como treinador. O que passou pela sua cabeça nessa semana? Estou tranquilo. A semifinal também era eliminatória e a segunda fase do Cearense, apesar de serem cinco jogos, se não conseguíssemos a pontuação, não nos classificaríamos. A vantagem é que, na primeira fase, disparamos na liderança e classificamos com antecedência. A semifinal foi um pouco mais apertada, porque não tínhamos a vantagem de jogar por dois empates. O Floresta venceu nossa equipe na segunda fase, mas levamos o time à final nos dois jogos eliminatórios. Agora é a última parte que temos para cumprir. Logicamente estou ciente das dificuldades, mas é aproveitar o momento. Me sinto muito confortável à beira do campo. Talvez fosse mais difícil conduzir uma entrevista, definir as perguntas ou entrar ao vivo, isso seria difícil. Mas o futebol, para mim, não é algo difícil. É conhecimento que adquiri ao longo dos anos.

O que espera para o futuro, daqui a 10 anos, por exemplo? Nossa, se daqui a 10 anos estiver vivo, já estarei feliz, para ser honesto. Tenho dores no joelho então, e estarei ainda mais feliz se estiver trabalhando com futebol. Meu futuro vai depender do que acontecer este ano. Gostaria muito de conquistar meu primeiro título em torneios oficiais (como técnico do São Paulo, Ceni conquistou a Flórida Cup em 2017, torneio de pré-temporada nos Estados Unidos). Seria engrandecedor para minha carreira e também para o Fortaleza essa conquista. Também espero manter o time na Série B no primeiro ano. Acho que já seria um grande feito estabilizar o clube, melhorar suas condições, para que pensasse em crescer a partir do próximo ano. Acho muito difícil subir para a primeira divisão logo no ano seguinte ao acesso. É algo raro no futebol brasileiro. As pessoas sonham com isso, mas não é fácil. No futuro, também espero estar trabalhando, com saúde, e um grupo bom, como esse que tenho hoje. Os atletas têm muita alma, coração e vontade, isso é o principal para o treinador. Quando se tem um grupo disposto a trabalhar, independente da região do país, ou da divisão, isso é algo especial. Vejo nesses jogadores o que eu era como atleta.

E a vontade de fazer um trabalho de médio a longo prazo… É, gostaria muito de completar um ano de trabalho. Acho que seria importante para a minha carreira estar um ano à frente de um clube, completar um ciclo. Nada impede que esteja aqui ano que vem, ou em outro lugar. No futebol nada é definitivo. Podemos fazer uma entrevista aqui e amanhã acontecer alguma que mude tudo. Infelizmente é uma cultura natural no futebol brasileiro e quem entra nessa profissão tem de estar acostumado com essas mudanças. Sempre falei que seria interessante completar o ciclo de um ano, ou seja, jogar o campeonato regional e o campeonato nacional, para que isso servisse como um parâmetro legal para o futuro.

Ficou alguma mágoa em relação ao São Paulo? Ainda pensa que poderia ter ficado mais tempo? Não, não, não. Imagina. Não posso ter mágoa de um clube que formou minha vida como atleta e deu início à minha formação como treinador. Só tenho a agradecer à instituição. Não tenho mágoa nenhuma. É claro que não queria ter saído, gostaria de ter concluído o trabalho. Foi feito um contrato de dois anos justamente para que pudesse devolver um pouco ao São Paulo o que tive como atleta, em uma nova função. Mas trabalhos são interrompidos no Brasil abruptamente e quem decide é quem manda no clube, ou quem tem o poder da caneta naquele momento. Mas com relação ao São Paulo só tenho amigos, gente que trabalhou comigo os 25 anos e está lá até hoje, atletas que tentaram fazer o seu melhor. Infelizmente, o momento não era dos mais favoráveis. Foi um desafio bastante grande, porque não tivemos jogadores de 10, 15 milhões de reais contratados, com exceção da chegada do Lucas Pratto, depois do começo do campeonato. Fui buscar seis jogadores nas categorias de base, e ainda bem que a base era forte, porque fomos para a Flórida Cup e conquistamos o torneio com 50% de uma equipe formada no clube. Mas tudo isso passou. O São Paulo é o clube pelo qual tenho um carinho muito grande e ficará para sempre guardado no coração. Não tenha dúvidas, estou sempre na torcida acompanhando os jogos. Lamentei muito essa última semifinal no Paulista (o time foi eliminado pelo Corinthians nos pênaltis), porque jogou de uma maneira correta, tranquila, sóbria, e tomou um gol numa bola parada nos acréscimos. Mas a carreira de treinador segue e acho que essa nova experiência está sendo importante, num Estado, num lugar diferente, com uma outra cultura. Para ter sucesso como treinador, não basta só entender de futebol. É preciso entender a cultura local, como as pessoas pensam, como elas veem futebol. Isso é o mais importante e está sendo muito prazeroso.

Você tem vontade de dirigir o São Paulo novamente? Gosto de ser treinador e gosto do São Paulo. Acho que vai demorar um pouco, se um dia acontecer. Mas claro que sim. Se um dia essa oportunidade surgir, daqui uns anos, e eu estiver na atividade ainda e o clube se interessar por um profissional que julgue ser bom treinador, sem dúvida nenhuma estaremos de novo na história do São Paulo. Caso contrário, acho que sempre teremos uma relação bastante estreita. Talvez a maior relação de um atleta com uma instituição em matéria de longevidade.

Estamos próximos da Copa do Mundo. Acha que a seleção tem chance de conquistar o título? Tinha a impressão que o Brasil era favoritíssimo ao título, aí assisti ao jogo contra a Alemanha (em março) e me surpreendi um pouco com a atuação da equipe alemã. Vi a Espanha jogar contra a Argentina também. Pode ser uma impressão momentânea, não se pode usar 90 minutos como parâmetro, mas hoje vejo a seleção brasileira como uma das grandes favoritas. Depois de ver Espanha e Alemanha jogarem, confesso que tudo se equilibrou um pouco mais. Acho que o Brasil tem nesses dois adversários os grandes concorrentes ao título. Não vejo nenhuma surpresa, apesar da badalação em cima da França, Bélgica. Dá gosto de ver o Brasil jogar. É um time que cresceu muito nas mãos do Tite, que faz um excelente trabalho. Tem tudo para ganhar, se não cruzar com a Alemanha nas oitavas. Se tiver um encontro no meio do caminho, a maior dificuldade será com essas duas seleções. Caso contrário, não vejo ninguém parando o Brasil até a decisão.

O Lugano chamou Tite de “encantador de serpentes”, pela forma como se relaciona com a imprensa. Qual sua opinião sobre o trabalho dele? Cada um tem uma forma de ver. Acho que ele sabe lidar muito bem com a imprensa e isso faz parte da profissão. É bom se relacionar bem com todos, mas não é fácil, porque às vezes , de cabeça quente, saindo de um jogo, recebe uma pergunta maldosa e pode criar uma animosidade. Vimos casos como o do Oswaldo Oliveira (ex-treinador do Atlético-MG), que é muito calmo, ter uma reação que não é dele. O Tite tem essa virtude, e claro que os resultados ajudam muito. Vindo de várias vitórias, dificilmente acontece alguma  indisposição com alguém. Sem vitórias fica mais fácil acontecer alguma animosidade. Mas trata muito bem do assunto, deve estar bem assessorado, é uma virtude chegar à Copa com uma relação leve com a imprensa. Não diria que é um encantador de serpentes. Ele sabe lidar com os que cobrem a seleção brasileira. E isso não diminui a capacidade técnica dele, porque a boa relação só existe depois dos 90 minutos – que têm sido muito bem jogados. Mostra que é um treinador competente dentro e fora de campo.

E os goleiros? O Tite já confirmou as presenças de Alisson e Ederson na Rússia. É justo? Sim, acho justíssima a convocação dos dois. Hoje, são os dois goleiros que inspiram mais confiança. O Ederson está em uma equipe muito talentosa e que favorece o jogo com os pés, o que se tornou pré-requisito para posição, e na minha época era raro. O Alisson evoluiu muito com os pés, mas não joga em uma equipe  que briga por títulos nacionais. Para a terceira vaga, há várias alternativas. Desde o Marcelo Grohe, o Cássio, o Vanderlei, que ainda não foi testado, o Neto, convocado agora, e outros, como Diego Alves, que esteve na Copa América.

Quem você levaria se fosse o técnico? Poxa vida. Sem ser o treinador do time? Já vou me complicar um dia se for o treinador e tiver de levar alguém. Seria injusto citar um nome. Citei quatro ou cinco que têm condições de estar na Copa.

 

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