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Champions, frio e ‘vício’ em números: Paulinho conta a experiência no Midtjylland

Há cinco temporadas nos Lobos, brasileiro fala à PLACAR sobre a adaptação ao futebol dinamarquês, além dos títulos e inovações do clube fundado somente em 1999

Há cinco temporadas no futebol europeu, Paulinho tem em seu currículo participações nas três principais competições do continente: Champions League, Europa League e Conference League. O brasileiro trocou o Bahia, em 2019, para se estabelecer na Dinamarca e transformar o Midtjylland em sua nova casa. O lateral esquerdo conversou com exclusividade à PLACAR sobre sua experiência no futebol dinamarquês e sobre o clube de Herning, interior do país, fundado apenas em 1999 e que leva uma filosofia forte de análises de dados junto a outras experiências peculiares.

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“Antes de vir pro Midtjylland, para ser sincero, não fazia ideia de como era o Campeonato Dinamarquês. Eu não tinha uma imagem na minha cabeça, até porque não é de tão fácil acesso no Brasil. A gente pouco escuta falar. Mas a verdade é que eu até me surpreendi com o nível”, diz Paulinho, logo no começo da entrevista, com seu cabelo recém platinado.

Paulo Victor da Silva é cria do Santo André, mas pouco atuou no Brasil. Logo em 2019, após passar pelo Bahia, se transferiu para o Midtjylland, da Dinamarca. Uma equipe fundada em 1999 a partir da junção de outras duas: Ikast e Herning Fremad.

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Foi defendendo os lobos que conquistou o Campeonato local em 2019/20 e a Copa da Dinamarca em 2021/22, e realizou um sonho: “A Champions League sempre foi meu sonho e mesmo que a gente nem tenha passado de fase, mas só de ter vivido a sensação”.

Paulinho duela contra o Liverpool de Salah pela Champions em 2020 - Divulgação / Midtjylland
Paulinho duela contra o Liverpool de Salah pela Champions em 2020 – Divulgação / Midtjylland

O sucesso dos Lobos em um período tão curto de vida dá-se a Matthew Benham, ex-sócio majoritário do clube. O empresário inglês implementou uma cultura de análise de dados e estatísticas que faz parte do futebol moderno e segue no Midtjylland até hoje.

“O Midtjylland tem uma equipe aqui só voltada para isso. Não vou conseguir nem citar todos os dados que temos aqui, para o pessoal do clube tudo são números. Todos os treinos trazem alguns dados, eles são viciados em números. Para contratar também eles fazem esse tipo de análise. Não sei quantas pessoas ao certo trabalham nesse aspecto, mas eles são muito focados nisso”, revela Paulinho.

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O brasileiro também destaca a diferença do futebol brasileiro com o dinamarquês: “Taticamente, a disciplina em si é surreal. Os caras não têm o talento do brasileiro, mas, taticamente, às vezes é o que supera… É uma escola totalmente diferente da nossa, que é mais talento do que tática. Aqui, independentemente de ter talento ou não, você precisa corresponder taticamente se não fica para trás”.

O clube de Herning não inovou somente em construir uma cultura de números, mas também em outras fases do jogo. Por exemplo, Thomas Gronnemark se tornou especialista em cobranças de lateral e serviu nos bastidores do clube antes mesmo de trabalhar com o Liverpool de Klopp.

No período de intertemporada mais recente – quando as competições locais param por conta do final de ano e da neve – os atletas passaram por uma nova estratégia para fortalecer o trabalho em equipe. Na Escócia, os jogadores precisaram colocar em prova suas habilidades de caçar para se alimentarem e se deslocarem nas condições climáticas da Escócia. Tudo comandado pelo ex-soldado Bjarne Christiansen.

Inovações e experiências que ajudam o ainda novato Midtjylland a crescer no cenário nacional e continental, e se tornar um clube único no mundo.

Na atual temporada, o Midtjylland de Paulinho é líder isolado do Campeonato Dinamarquês e disputa o título com o Brondby e Copenhague. A eliminação na fase prévia da Conference League, para o Legia, transformou a competição local no principal objetivo dos lobos.

Confira toda a entrevista com Paulinho, do Midtjylland:

É difícil a vida aí na Dinamarca? Já está adaptado?
“Hoje em dia é mais tranquilo. São quatro anos e meio já por aqui. O frio já não é mais um problema tão grande como era no começo. O inglês também não, agora eu falo bem, então não é um problema mais. É bem tranquilo mesmo, o clube é bem receptivo com estrangeiros, e sempre foram super pacientes. No começo que foi mais pesado, nos primeiros seis meses eu não falava inglês, ficava perdido nos treinos, reuniões e no jogos, sem saber o que estava rolando. Depois desse semestre inicial foi tudo numa boa”.

Sente falta da comida brasileira?
“Ah, é difícil. Não tem um mercadinho. Não, dá para achar. Tem uns mercados árabes e indianos que dá para encontrar alguma coisa. Eu tenho uns sites também, que na verdade são da Alemanha, que dá para comprar produtos brasileiros. Mas eu não sei fazer feijão, então para mim não adianta muita coisa”.

Tu fala dinamarquês ou não aprendeu ainda?
“Eu fiz algumas aulas, mas é muito difícil. E eu não tenho a mesma vontade de aprender igual eu tinha com o inglês”.

Qual o nível do Campeonato Dinamarquês?
“Antes de vir pro Midtjylland, pra ser sincero, não fazia ideia de como era o Campeonato Dinamarquês. Eu não tinha uma imagem na minha cabeça, até porque não é de tão fácil acesso no Brasil. A gente pouco escuta falar. Mas a verdade é que eu até me surpreendi com o nível. Tanto é que o Copenhagen ganhou do Manchester United há um tempo atrás na Champions League, então a gente vê que o nível não é fraco. A gente ganhou do Copenhagen também na casa deles. Tem uns três, quatro times contando nós, o Copenhagen, o Brondby e o Nordstrom, que sempre dão trabalho e brigam lá em cima. E aí tem uns times mais medianos para baixo, mas o nível no geral é muito bom”.

Dá jogo contra os times maiores da Europa ou você sente uma diferença?
“Dá jogo, até porque, taticamente, a disciplina do dinamarquês em si é surreal. Os caras não têm o talento do brasileiro, mas, taticamente, às vezes é o que supera. A gente já chegou a jogar contra Lazio… pô, a Lazio, e vencemos por 5 a 1. Dá para ver que o nível dos times dinamarqueses estão evoluindo cada vez mais. Tem investimento, estão contratando jogadores mais caros, com mais potencial. É mais uma liga que está ficando cada vez mais atrativa”.

Como foi sua adaptação ao clube? É um estilo de jogo diferente
“O Júnior Brumado estava aqui quando eu recebi a proposta do Midtjylland, a gente jogou junto no Bahia. Então eu liguei para ele, pedi algumas referências. O Evander estava aqui na época também. Eu não falava inglês ou dinamarquês, então ter dois brasileiros ajudava. Era uma experiência nova, pensei ‘pode dar certo e pode não dar, mas a gente só vai saber se tentar’. Até hoje estou aqui, quatro anos e meio, e sou muito feliz. Não me arrependo de ter escolhido o Midtjylland, que sempre me ajudou muito, dentro e fora de campo.

É uma escola totalmente diferente da nossa, que é mais talento do que tática. Aqui, independentemente de ter talento ou não, você precisa corresponder taticamente se não fica para trás. O que conta muito é o papel que os 11 jogadores fazem dentro de campo. Caso contrário, não vai funcionar. O plano só acontece se todo mundo estiver bem alinhado. É uma cultura diferente”.

Não dá para comparar com o futebol brasileiro hoje, então?
“É uma mescla legal, como a gente vem de uma escola diferente, acabamos aprendendo coisas novas. Não tem como falar que o dinamarquês tem o talento do brasileiro, mas se todos nós fossemos disciplinados e aplicados taticamente como eles… acho que não teria como bater, sendo bem sincero”.

O futebol dinamarquês te ajudou a evoluir?
“Ah, com certeza, eu evolui. Eu sempre fui um lateral que gostava muito de atacar, claro que gosto, mas acho que aprender a ser mais disciplinado taticamente – em questão de noção de espaço, na marcação e tudo mais – acho que te faz evoluir muito como atleta. Foi importante para minha carreira. A primeira função do lateral aqui é defender. Claro que é importante você conseguir conciliar, ter boas ações ofensivas, mas também você não pode só jogar para frente e esquecer que você é o marcador. É questão de características também. A gente tem muitos nomes no Brasil que são laterais super ofensivos. Então, às vezes a gente acaba pecando nesse aspecto defensivo, e quando você consegue conciliar bem essas duas funções, te ajuda muito dentro de campo”.

A cultura dos números e dados é bem forte por aí?
“O Midtjylland tem uma equipe aqui só voltada para isso. Não vou conseguir nem citar todos os dados que temos aqui, para o pessoal do clube tudo são números. Eles coletam dados de todas as formas – sprint, roubadas de bola, meu xG no campeonato e em comparação com outros laterais -. A gente tenta evoluir os pontos fracos, que é o importante. Todos os treinos trazem alguns dados, eles são viciados em números. Para contratar também eles fazem esse tipo de análise. Não sei quantas pessoas ao certo trabalham nesse aspecto, mas eles são muito focados nisso”.

O clube auxilia na parte psicológica e mental?
“O Midtjylland foca bastante no trabalho psicológico também, até porque o clube se tornou internacional, com muitas nacionalidades aqui dentro. Eles entendem que a gente vem de uma outra cultura, que tem a dificuldade de adaptação – até mesmo mental. O psicólogo às vezes fica só andando pelas instalações do clube, conversa com ou e outro, mas são bem focados neste lado humano. E faz sentido, porque se o atleta estiver bem mentalmente vai acabar rendendo mais”.

Você acompanhou a Dinamarca na Euro e na última Copa do Mundo?
“Acompanhei os jogos pela TV e foi até uma surpresa. Foram bons jogos, bateram semifinal. Na Copa do Mundo o pessoal tinha um pouco mais de expectativa, todo mundo achava que dariam um pouco mais de trabalho, mas o pessoal aqui é bem contente… é um país pequeno, não tem uma grande expectativa”.

Como o futebol é visto no país?
“É o esporte principal, mas também o handebol é muito forte, o país todo acompanha. Tanto é que teve a Euro de handebol agora que eles perderam para a França e o país parou para assistir a final. Acho que fica meio dividido entre futebol e handebol, mas eles são bem apaixonados”.

Você chegou a praticar treinos específicos de lateral?
“Ele (Thomas Gronnemark) veio com uma técnica para cobrar lateral longo e tudo mais. A gente tem um zagueiro aqui que é muito ignorante para cobrar lateral, ele consegue lançar na marca do pênalti, e toda a técnica, eles treinaram juntos. Mas eu acredito que é muito individual de cada atleta. Eles acreditam nisso, mas eu confesso que não muito. Eu tive contato com o treinador por uns dois dias. Ele passou uns treinos, explicou as técnicas necessárias, foi uma experiência legal e diferente. O clube deixa isso em aberto. Se tivermos o interesse em focar nisso, eles trazem o cara de volta para treinarmos”.

Qual o nível de pressão e cobrança por aí?
“Comparando ao nível do Brasil, a pressão é muito baixa. Muitas vezes estamos jantando no restaurante, percebemos que as pessoas nos reconhecem, mas ninguém vai lá para pedir foto ou algo do tipo – eles acham que vão nos incomodar. As pessoas são bem tranquilas com isso. Só a criançada mesmo que vai e a gente atende sem problemas. Não existe aquele torcedor que te xinga na rua por perder ou empatar. Até mesmo nas redes sociais, é super tranquilo. Eles respeitam o lado humano. Ninguém entra em campo para perder, mas é futebol e eles entendem isso, super tranquilo”.

Gramado sintético ou natural?
“Tem duas equipes aqui na Superliga com gramado sintético. Porque no inverno aqui é mais tranquilo, não precisa de tanto cuidado com a grama. Um deles eu sei que é bom, que não é um piso muito duro, o outro já não é muito bom. Acho que a questão das lesões também, acaba tendo mais riscos. É uma questão de adaptação, porque a gente pouco treina num campo desse e quando joga acaba meio que estranhando. Então acho que é mais adaptação mesmo. Se eu pudesse escolher, diria grama natural, com certeza. Não sei se tem certo ou errado nessa história. Todos os outros gramados naturais da Dinamarca são bem cuidados, são bons”.

Já pensou em seleção brasileira?
“Para ser muito sincero, na minha carreira eu nunca fui de me pressionar tanto em relação aos meus objetivos. Claro que eu sempre quis atingir o mais alto nível possível, mas eu acho que o maior sonho que eu tinha desde criança era jogar uma Champions League. Até porque eu lembro que eu e meu irmão, a gente voltava da escola para assistir aos jogos e tudo mais e eu vivia falando para ele: ‘cara, olha onde eu vou jogar, onde eu vou jogar’. Então era um dos meus maiores objetivos. Eu nunca me pressionei muito em relação a ter que jogar na seleção, eu preciso isso aqui. A Champions League sempre foi meu sonho e mesmo que a gente nem tenha passado de fase, mas só de ter vivido a sensação de… Um dia eu falei para o meu irmão que eu ia jogar e eu estou jogando. É impossível o cara escutar aquela música, qualquer um que entende de futebol, escutar aquela música… Passou um filme na cabeça, foi um momento legal.

Eu já tenho 29 anos, sei que existem laterais muito bons no mercado, alguns jovens que vão com mais regularidade. Se um dia acontecer seria maravilhoso, mas não é algo que eu me pressiono não”.

Quais os próximos passos? Pensa em alguma mudança?
“Depois de quatro anos e meio por aqui, eu já penso no próximo passo. Já tive algumas reuniões com o clube em relação a isso. Eu tenho em mente que estou perto de dar um próximo passo. Eu tive até uma proposta legal na última janela, do Nantes, da França, mas o clube recusou porque era meio de temporada, somos os primeiros na tabela e temos chance real de título. Não quiserem vender para não desfazer o elenco sem reposição imediata, mas está conversado entre eu e o clube sobre dar esse próximo passo. E é bom também tentar coisas novas. Eu tenho uma história legal aqui no Midtjylland, mas talvez seja legal conhecer novos lugares, novas ligas”.

Voltar ao Brasil é uma possibilidade?
“Eu estou aberto para ouvir as possibilidades que virão. Até porque eu não fiz muitos jogos no Brasileirão. Se não me engano eu fiquei somente 11 meses no Bahia, não cheguei a completar um ano. Então, talvez seria legal também voltar até um pouco mais velho, talvez até mais preparado do que eu estava naquele momento. Então, eu estou aberto a ouvir as possibilidades que virão”.

Como você vê o Brasileirão de fora?
“Está muito forte. Tem muitos jogadores voltando da Europa sem pensar duas vezes, porque o nível está legal, os jogos sempre acirrados. E o legal do Campeonato Brasileiro é que não tem, claro que às vezes tem um ou outro, mas é difícil cravar um favorito. A gente vê que às vezes o último colocado bate no primeiro. É legal ver que esse nível é bem disputado”.

Paulinho pelo Midtjylland na atual temporada - Divulgação / Midtjylland
Paulinho pelo Midtjylland na atual temporada – Divulgação / Midtjylland

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