Bernie Ecclestone avisa o irmão de Senna: ‘Ele está morto’
Assessora do tricampeão conta como o chefão da F1 comunicou a morte a Leonardo, pouco depois de o acidente acontecer em Imola
Pouco depois da batida de Ayrton Senna na Curva Tamburello, no GP de San Marino, no circuito de Imola em 1994, o chefão da fórmula 1, Bernie Ecclestone, deu a notícia de sua morte ao irmão do piloto, Leonardo. Houve muita especulação sobre o que de fato foi dito ao irmão caçula de Ayrton, mas apenas quatro pessoas participaram da conversa, rápida e traumática: Ecclestone e a mulher, Leonardo e Betise Assumpção, assessora de imprensa de Ayrton, que traduziu a conversa para o irmão do piloto.
Leia também:
Multidão presta homenagem a Ayrton Senna em Imola
Vídeo: McLaren homenageia Senna com pole de Mônaco
20 anos sem Senna, o piloto que queria ser sempre o nº 1
Nesta quinta-feira, em seu blog, Betise conta com detalhes como foi a conversa. Segundo ela, o anúncio foi seco. “Ele está morto”, falou Bernie. Betise então descreve: “Pensei por alguns segundos: ‘Como eu posso traduzir isto e dizer para o Leo de uma forma mais amena, considerando que ele só falou duas palavras?’ “
A jornalista narra ainda que logo depois de dar a notícia a Leonardo, Ecclestone avisou que o anúncio da morte só seria dado mais tarde, para não interromper a corrida. “Bernie se levantou, pegou uma maçã e começou a conversar com a mulher dele.” A situação era delicada e para piorar surgiu uma contra-informação, de Martin Whitaker, assessor de Imprensa da FIA. “Ele entrou no motorhome, conversou com Bernie e me disse: ‘O que eu disse na sala de imprensa é que Ayrton teve ferimentos na cabeça e foi levado para o hospital.’” Entre telefonemas para a família de Ayrton, primeiro com a notícia da morte e depois de que ele iria para o hospital ainda vivo, a certeza só veio algumas horas depois, no hospital e Bolonha, pelo médico chefe da F1, Syd Watkins: “Não há esperança nenhuma. Ele já estava morto na pista”, disse ele a Betise.
A íntegra do depoimento de Betise:
“Nos últimos quatro meses, eu revisitei, praticamente todos os dias, aquele fim de semana trágico do Grande Prêmio de San Marino de 1994 . E de diversas maneiras. Foi uma decisão consciente para tentar , finalmente , absorver melhor tudo o que aconteceu lá . E eu não me refiro apenas aos acidentes e as perdas. Falo também das reações e comportamentos das pessoas no domingo e nos dias que se seguiram.
Há, inevitavelmente, uma imensa quantidade de material escrito, fotos publicadas e vídeos postados. A internet está inundada de homenagens. Nestas últimas semanas três semanas diversos programas de televisão foram ao ar, meia dúzia deles só no Brasil. A Sky está mostrando em Londres um programa de uma hora todas as noites desta semana. Há, certamente, uma grande quantidade de coisa boa (como já mostrei neste blog), algumas memórias pessoais e tributos bastante sensíveis e bem escritos. Mas também há muita besteira, desinformação, histórias auto-centradas – aquelas que parecem ser mais sobre os que contam do que sobre os que viveram.
Acho difícil ler coisas como: ‘Ayrton estava tranquilo naquela manhã, ele estava pensando em seu companheiro Ratzembergs motorista… ” Como é que alguém pode saber o que ele estava pensando? “Ele não queria correr…” Mais uma vez, de onde eles tiraram essa informação? Todas as pessoas realmente próximas a ele são unânimes em afirmar que ele não tinha premonição nenhuma e que, em nenhum momento, falou que não iria correr. Alguns leram diversos livros publicados e/ou artigos, agregaram as informações e chegaram as conclusões. Ainda assim, estas informações devem ser tratadas como ‘De acordo com seu amigo fulano de tal , ele era assim’, ou ‘em seu livro, assim e assim está escrito que…’
O pior de todos para mim é: ‘Bernie disse a Leonardo Senna que Ayrton estava morto…’ Algumas pessoas erraram o horário, outras o local – e isto transformou a história em algo completamente diferente – para se ajustar ao propósito de suas matérias.
Através deste blog, eu decidi contar algumas partes do que realmente aconteceu. Não tenho a intenção de apontar o dedo ou colocar a culpa . Quero simplesmente registrar o que realmente aconteceu , porque eu era uma das poucas pessoas que estavam lá, vivi de perto os acontecimentos daquele dia , na preparação para liberar o corpo , na viagem ao Brasil, no velório e no enterro.
Hoje, eu vou falar sobre aquela reunião. No interior do motorhome da então FOCA, em 01 de maio de 1994, estava o Bernie, a Slavica ( sua então esposa), o Leonardo e eu.
Leonardo e eu saímos dos boxes da Williams e caminhamos em direção a torre de comando do autodromo em busca de mais informações. Quando nos aproximamos, Bernie estava saindo de lá. Ele olhou para nós e disse ao Leonardo , agarrando-o suavemente pelo braço e dirigindo -o para o motorhome.
‘Eu preciso falar com você.’
Eu traduzi para o Leo e caminhei junto com eles. Bernie virou para mim e disse: ‘Você não.’
Então eu expliquei. ‘O Leo não fala uma palavra de Inglês.’ Bernie balançou a cabeça e teve que aceitar, nos direcionando ao motorhome.
Quando entramos, Slavica já estava lá. Sozinha, muito abalada e chorando. Bernie se sentou no braço de uma poltrona; nós dois no sofá em frente.
O Bernie disse que tinha notícias do Ayrton. Leo estava branco.
‘Ele está morto’, falou. Pensei por alguns segundos, ‘como eu posso traduzir isto e dizer pro Leo de uma forma mais amena , considerando que ele só falou duas palavras!’
Então eu me virei para o Leo e, da maneira mais gentil e carinhosa possível, eu falei: ‘Leo, eu sinto muito ter de te falar isto, mas ele está dizendo que o Ayrton está morto’.
Leo ficou atordoado. Ele olhou para mim, depois para Bernie. Não disse uma palavra. Tive vontade de abraçá-lo. Ele começou a chorar. A soluçar. Ai o Bernie acrescentou:
‘Mas nós só vamos anunciar mais tarde para não parar a corrida.’ E eu traduzi para o Leo. Mesmo antes de eu terminar ele já estava descontrolado, chorando alto e tremendo. Eu realmente não sabia o que fazer. Eu nunca tinha visto uma dor tão crua.
Bernie levantou-se, pegou uma maçã e começou a conversar com a Slavica, que chorava ainda mais alto. Levei alguns minutos para conseguir acalmar o Leo. Ele ainda estava muito abalado e incapaz de dizer qualquer coisa quando eu lhe disse, mais uma vez da maneira mais gentil possível – e segurando suas mãos nas minhas.
‘Leo , eu realmente sinto muito. Nossa, de verdade. Nem sei mais o que dizer para você, mas uma coisa você tem que fazer. Você precisa se recompor e ligar para seus pais no Brasil. Eles devem estar desesperados e não pode ser eu a lhes dar esta noticia. Eles precisam ouvir isso de você. Tenho certeza de que vai ser mais reconfortante para eles também.’
Expliquei isso ao Bernie e ele, imediatamente, ofereceu o telefone do motorhome. Leo fez a chamada.
Foi quando Martin Whitaker, o então assessor de Imprensa da FIA, entrou no motorhome. Bernie e Martin conversaram por alguns minutos. Então Martin virou-se para mim e disse.
‘O que eu disse na sala de imprensa é que Ayrton teve ferimentos na cabeça e foi levado para o hospital.’
‘O Bernie acaba de nos dizer que o Ayrton está morto’, eu respondi. Leo estava no telefone comunicando a sua família que o Ayrton tinha morrido, em lágrimas. E novamente muito abalado.
‘Não, o que eu disse a imprensa é que ele teve ferimentos graves na cabeça’, explicou Martin.
‘Sim, eu sei disso, mas já sabemos que ele está morto’, insisti, obviamente querendo dizer que ele não precisa nos dar o PR line; que nós sabíamos a verdade. Martin fingiu não entender e repetiu a mesma coisa.
Então, eu puxei-o para uma salinha menor na parte de trás do motorhome. Tínhamos trabalhado juntos uns anos antes, quando ele era o assessor de Imprensa da McLaren. Então eu pensei que poderia contar com o respeito dele.
‘Martin, eu acho que você não entendeu a delicadeza da situação. O Leo já contou pra família que o Ayrton morreu. Eles já estão lidando com uma dor enorme.’
‘Betise, eu entendo isso. Mas eu disse à imprensa que ele tinha ferimentos na cabeça e foi para o hospital. Eu não disse que ele está morto.’
‘Sim, Martin, mas o que eu estou tentando dizer é que, se você insistir nesta postura, eu vou ter que sair desta sala e ir dizer ao Leo que o Ayrton ainda está vivo e, consequentemente, dar a sua mãe e seu pai a esperança de que ele possa se recuperar. Uma esperança que não existe.’
Martin foi categórico: ‘Betise, ele não está morto. Esta é a informação que eu estou dando a todos.’
Saí da sala, contei pro Leo. Ele telefonou para o Brasil novamente e disse a sua mãe Neyde e pai Milton. Passei as próximas cinco horas traduzindo, organizando, transmitindo recados e lidando com as esperanças e dores de Leo no hospital e da família no Brasil. Só quando o Dr. Syd Watkins chegou ao hospital ficou tudo esclarecido. Eu estava com a irmã do Ayrton no telefone me dizendo que eu deveria rezar, eu deveria ter esperança, Ayrton era forte. Eu simplesmente não conseguia fazê-los compreender a gravidade da situação. Tirei o telefone da orelha e disse pro Syd. ‘É a Viviane. Ela não acredita quando eu digo a ela o quão grave é o estado do Ayrton. Eu não sei mais o que dizer. Você poderia falar com eles. Tenho certeza que vão te escutar’, eu disse. Syd olhou para mim. Ele estava visivelmente triste e com dor. ‘Betise, não há esperança nenhuma. Ele já estava morto na pista’ (e passou a descrever alguns detalhes de suas lesões na cabeça que eu não vou escrever aqui, em nome do bom gosto e em respeito à sua família e amigos próximos). Eu fiquei muda. Cabeça vazia. Simplesmente entreguei-lhe o receptor.”