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Uso de ‘elefantes brancos’ da Copa desequilibra Brasileirão

Clubes abrem mão de seus mandos de campo e topam jogar ‘fora de casa’ para lucrar com renda das arenas. Na prática, porém, isso torna a briga menos justa

Desde 2003, o Campeonato Brasileiro segue os moldes das grandes ligas da Europa, com o título decidido por pontos corridos, em jogos de turno e returno. Cada uma das vinte equipes deve realizar dezenove jogos dentro de casa e outros dezenove nos estádios dos adversários – a não ser, obviamente, em caso de punição do STJD. No entanto, esta edição do Brasileirão vem registrando um fenômeno que altera a lógica da competição. Por causa de interesses financeiros – e políticos -, algumas equipes abrem mão do mando de jogo para atuar em locais distantes, lucrando mais com essas partidas, ainda que seus adversários passem a ter a maioria do apoio das arquibancadas. A controversa medida, além de ajudar a encher um pouco mais os cofres dos clubes, acabam servindo também para a CBF e para muitos políticos, já que as arenas de Brasília, Cuiabá e Manaus, construídas para a Copa do Mundo e fadadas a um futuro como “elefantes brancos”, têm sido utilizadas por grandes clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo. Neste sábado, por exemplo, o Fluminense ajudará a justificar a construção do Mané Garrincha, o estádio mais caro do Mundial, ao receber o Bahia, às 16h20 (de Brasília), na capital federal.

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Jogos com mandos alterados

Mané Garrincha (Brasília)

20/04 – Flamengo 0 x 0 Goiás

(Público: 19.012 pessoas)

03/05 – Atlético-PR 2 x 3 Cruzeiro

(Público: 12.093)

17/08 – Botafogo 2 x 0 Fluminense

(Público: 29.185)

10/09 – Botafogo 2 x 4 São Paulo

(Público: 24.857)

04/10 – Fluminense x Bahia

Arena Pantanal (Cuiabá)

18/05 – Santos 1 x 2 Atlético-MG

(Público: 18.683)

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10/09 – Goiás 1 x 0 Flamengo

(Público: 38.405)

Arena da Amazônia (Manaus)

11/10 – Botafogo x Corinthians

25/1 – Botafogo x Flamengo

Só nesta edição da Série A do Brasileirão, cinco partidas já foram realizadas no Mané Garrincha, apesar de nenhuma equipe de Brasília participar da competição. Mato Grosso e Amazonas tampouco possuem representantes na elite do futebol nacional, mas a Arena Pantanal, em Cuiabá, e a Arena da Amazônia, em Manaus, também fazem parte da agenda do Brasileirão. Até o momento, o Botafogo é o clube que mais se utilizou da estratégia de “mandar seus jogos fora de casa”. No mês passado, o clube carioca perdeu para o São Paulo no Mané Garrincha, em partida que teve maioria de são-paulinos nas arquibancadas. Antes, havia vencido o Fluminense em clássico no DF. O Botafogo ainda marcou mais duas partidas, contra Corinthians e Flamengo – as duas maiores torcidas do país – para a distante Arena da Amazônia. A medida pode parecer uma loucura, ainda mais levando em conta que o time briga para não cair no Brasileirão, mas tem uma explicação simples: com salários atrasados e seu estádio, o Engenhão, interditado, o Botafogo recorre ao dinheiro recebido para jogar longe do Rio para tentar aliviar as dívidas do clube. Questões financeiras à parte, na prática, o clube carioca terminará o Brasileirão com apenas quinze jogos “em casa” e 23 “fora”.

O Flamengo também tentou se utilizar da tática, mas não se deu muito bem. O time carioca entrou em acordo com o Goiás e tanto o duelo de ida como o de volta contra os goianos foram transferidos para arenas da Copa. Na ida, com mando do Flamengo, apenas 19.012 pessoas assistiram ao empate em 0 a 0 no Mané Garrincha. Na volta, com o Goiás como mandante, 38.857 estiveram presentes na vitória do Goiás por 1 a 0 na Arena Pantanal. Este foi o maior público registrado no estádio de Cuiabá (com exceção dos jogos do Mundial). Curiosamente, uma das críticas recorrentes à escolha das sedes da Copa foi a exclusão de Goiânia – que possui três times nas duas primeiras divisões do futebol nacional – e a presença da vizinha Brasília, cidade praticamente nula em representatividade no futebol nacional.

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Desnível – Como não é possível voltar no tempo e mudar os palcos da Copa – ou, o que seria o ideal, ter reduzido o número de sedes, mantendo apenas cidades com tradição futebolística e, assim, economizar bilhões de reais dos cofres públicos – é completamente aceitável que Manaus, Cuiabá e Brasília recebam grandes jogos. Mas além de ser um expediente algo enganoso – afinal, receber quatro ou cinco jogos numa temporada, sem nunca lotar o estádio, está longe de cobrir os gastos com a manutenção das caríssimas arenas -, o comércio dos mandos de campo acaba prejudicando o próprio equilíbrio da briga. Encerrado o torneio, alguns clubes terão jogado mais vezes com apoio da torcida do que outros, provocando um estranho desnível num torneio cujo formato se baseia justamente na igualdade de condições de disputa.

Shows, amistosos e megaeventos, como a memorável apresentação da seleção de futsal para mais de 50.000 pessoas no Mané Garrincha, são um bom exemplo de como usar bem o legado esportivo da Copa nestas cidades. Há outros caminhos dentro do próprio calendário do futebol. Seguindo os moldes da Copa da Inglaterra, sempre decidida em Wembley, a CBF poderia eleger o Mané Garrincha como palco fixo da decisão da Copa do Brasil, em jogo único. Seria possível, ainda, abreviar maçantes Campeonatos Estaduais e realizar torneios de verão ou amistosos de pré-temporada nessas cidades, dando a elas a chance de acompanhar os grandes times do país em ação sem estragar a continuidade do Brasileirão. Opções para amenizar os gastos necessários para cuidar dos elefantes brancos existem. Faltam as boas ideias e os cartolas profissionais para torná-las viáveis.

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