Publicidade
Publicidade

Brasília: um monumento bilionário ao desperdício na Copa

Com gastos excessivos (e suspeitos), um futuro incerto e politicagem de sobra, o Estádio Mané Garrincha é o símbolo de uma oportunidade perdida pelo país

Numa cidade acostumada às negociações por baixo do pano, trocas de favores e pressões diversas, o estádio foi concebido para concorrer à vaga de palco da abertura da Copa (o que, era claro desde o começo, tinha pouca chance de acontecer). É por isso que o estádio tem uma capacidade de público tão exagerada

A partida de abertura da Copa do Mundo de 2014 acontecerá no Itaquerão, em São Paulo. A final do torneio está marcada para o reformado Maracanã, no Rio de Janeiro. A arena que melhor representa o evento, no entanto, não é nenhuma delas. O Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, é o melhor retrato do Mundial no país. Com investimentos equivocados, desperdício de verba pública, prazos descumpridos, futuro incerto, ausência de benefícios claros à população e muita politicagem, é um caso emblemático da oportunidade de ouro desperdiçada pelo país-sede – que poderia usar o evento para acelerar seu desenvolvimento e deixar um legado positivo para os brasileiros, mas está longe de transformar essa promessa em realidade. O estádio da capital federal é, também, o palco mais caro entre as doze arenas construídas ou reformadas para a competição: custará pelo menos 1 bilhão de reais. A conta final deverá ser ainda maior. Somados todos os contratos ligados à obra, incluindo os trabalhos no entorno da arena, é possível que o estádio consuma nada menos que 1,5 bilhão de reais dos cofres públicos. Em 2010, o governo do Distrito Federal previa gastar menos de 700 milhões no projeto. Prometia-se ainda a entrega da obra no fim do ano passado, mas ela só será concluída na segunda quinzena de abril, perto da data limite estabelecida pela Fifa para as seis sedes da Copa das Confederações, que acontece em junho. No torneio, o estádio receberá apenas a partida de abertura. Em 2014, serão mais sete jogos, incluindo a disputa de terceiro lugar do Mundial. Depois disso, caberá ao governo encontrar uma forma de conter a gastança e transformar o estádio numa fonte de receitas – se é que isso ainda é possível.

Publicidade

Leia também:

Prepare o bolso: os elefantes brancos estão à solta no país

Três anos depois, a África do Sul é um alerta para o Brasil

Copa dá arenas a quem não precisa e ignora quem as quer

O governador Agnelo Queiroz costuma se irritar com os questionamentos a respeito do futuro do estádio. Avisa que já procurou empresas estrangeiras especializadas na gestão de grandes arenas e que prepara o caminho para fechar um acordo que entregará a administração do local ao setor privado. Acredita que a procura será grande, já que enxerga boas oportunidades de negócio no estádio. Sua posição, no entanto, é vista com desconfiança por boa parte da população da capital. Agnelo garante, por exemplo, que Brasília entrará para a rota dos megashows internacionais, mas esse tipo de espetáculo anda em crise no país. Como o futebol local é modesto e costuma atrair públicos pequenos, a tendência é que as arquibancadas fiquem vazias durante boa parte do ano. Até o início deste mês, o campeonato regional tinha registrado, ao longo de 36 jogos, um público total de 33.209 pagantes, menos da metade da capacidade total do novo Mané Garrincha (71.400 pessoas). Algumas partidas entre as equipes de Brasília e suas cidades-satélites não reúnem nem uma centena de torcedores – o duelo entre Legião e Brazlândia, por exemplo, foi presenciado por apenas 47 testemunhas. A média de público do torneio seria muito menor não fosse pelo clássico entre Brasiliense e Gama, os arquirrivais do Distrito Federal. No primeiro duelo entre eles em 2013, a presença de 8.489 torcedores foi considerada um sucesso. O presidente da CBF, José Maria Marin, já se ofereceu para dar uma forcinha a Agnelo, transferindo algumas partidas de grandes equipes da Série A do Brasileirão – principalmente as cariocas, que têm muitos torcedores em Brasília – para o estádio da capital federal. Além dessas partidas, só os eventuais jogos da seleção na cidade (algo cada vez mais raro, já que a equipe atua mais na Europa do que no Brasil) serão capazes de encher a nova arena.

Continua após a publicidade

Leia também:

A ilusão das ‘arenas multiuso’, que só dão lucro nas metrópoles

Como ganhar dinheiro com um estádio – a lição dos grandes da Europa

Se a chance de ver seu estádio se transformar num elefante branco fosse o único problema de Brasília na Copa, a cidade estaria na mesma situação que outras sedes do Mundial. Mas o caso da capital é ainda pior por causa de uma série de agravantes. O peso da política é um deles. Numa cidade acostumada às negociações por baixo do pano, trocas de favores e pressões diversas, o estádio foi concebido para concorrer à vaga de palco da abertura da Copa (o que, era claro desde o começo, tinha pouca chance de acontecer). É por isso que o estádio tem uma capacidade de público tão exagerada. O governo trabalhou nos bastidores, aproveitando a indefinição em relação ao estádio da candidata mais forte, São Paulo. Não adiantou – a abertura da Copa das Confederações foi o prêmio de consolação. A obra ainda ficou exposta aos caprichos de Agnelo, que trocou o verde, amarelo e azul das cadeiras pelo vermelho do PT, que se espalhará por todas as arquibancadas e tribunas. Pensando bem, a associação de cor até que faz justiça ao tipo de notícia que tem acompanhado a construção do estádio. No início deste mês, o Tribunal de Contas do Distrito Federal ordenou a suspensão dos pagamentos ao consórcio responsável pela obra, em função de irregularidades encontradas numa auditoria – que apontou prejuízo de 72 milhões de reais aos cofres públicos. Um dos motivos foi o gasto excessivo no projeto da cobertura do estádio. Assim como em outras sedes, uma membrana especial será usada para proteger o público do sol e da chuva. Brasília, porém, é a única cidade em que o material será instalado em duas camadas, o que está longe de ser essencial. Além disso, o Tribunal de Contas indica distorções nos valores cobrados – as mesmas empresas foram contratadas para orçar o projeto e executá-lo, mas ainda assim o valor mudou entre uma etapa e outra.

Publicidade

Acompanhe VEJA Esporte no Facebook

Siga VEJA Esporte no Twitter

Essa intervenção do Tribunal de Contas não foi a única: nos últimos meses, outros aspectos da obra, como licitações para compra de equipamentos de comunicação visual (9,3 milhões de reais) e serviços de urbanização e paisagismo no entorno da arena (305 milhões), também foram colocados sob suspeita. Entre os problemas citados pelo tribunal estavam termos como “irregularidades relevantes”, “restrições à competitividade”, “erros nas estimativas de preços” e “falta de clareza na definição das obras”. Para completar a frustração dos moradores de Brasília com o projeto da Copa na cidade, as principais obras de infraestrutura ligadas ao evento serão muito mais tímidas do que se alardeava. No ano passado, Brasília transformou-se na primeira cidade-sede a cancelar um projeto da matriz de responsabilidades da Copa – a construção do VLT que ligaria o aeroporto ao setor hoteleiro não será concluída a tempo. Era um projeto de 780 milhões de reais. A obra está parada em função de suspeitas de superfaturamento. Recentemente, o governo teve de fazer cortes dolorosos em seu orçamento – entre outras coisas, para bancar a conta salgada da construção do estádio. Entre as áreas afetadas estão o transporte público e a revitalização urbana – justamente as que o governo mais citava na hora de tentar convencer a população sobre o legado positivo do evento. Itens como recuperação de rodovias e expansão do metrô perderam verbas – e, assim, deverão sofrer atrasos e limitações. Ao assumir o cargo, Agnelo Queiroz prometeu que não comprometeria o orçamento para pagar a conta do Mané Garrincha (ele pretendia bancar o projeto com a venda de terrenos do governo). Pelo que se viu até agora, Brasília talvez merecesse, de fato, abrir o Mundial, como pretendia – não haveria uma ocasião e um palco mais simbólicos do que esses para desfilar os problemas do país da Copa.

O VLT de Brasília: projeto era bonito no papel, mas não vai virar realidade
O VLT de Brasília: projeto era bonito no papel, mas não vai virar realidade VEJA
Continua após a publicidade

Publicidade