A língua ferina de Emerson Leão faz jus a seu sobrenome. Um dos maiores goleiros brasileiros em todos os tempos e um técnico de sucesso entre os anos 90 e 2000, ele também é amplamente lembrado por sua personalidade forte e declarações ácidas.
Nesta semana, Leão, de 76 anos, causou constrangimento na sede da CBF ao repetir, diante do italiano Carlo Ancelotti, técnico da seleção brasileira, que não aprova estrangeiros no cargo. Apenas repetiu um discurso que já espalha há anos, aos quatro ventos.
Em 1980, ainda como atleta, em entrevista à PLACAR, Leão bateu de frente com outro lendário técnico, Telê Santana, o que lhe custou uma vaga na Copa de 1982 (Valdir Peres foi o titular da meta na Espanha).
“Não aceito ficar de fora”, cravava o título da reportagem. “Fora das duas primeiras listas, ele se conformou. Fora da terceira, começou a desconfiar que Telê não o quer mais na Seleção. E manda avisar que não se conforma: pretende disputar não apenas a Copa de 82, mas também a de 86”, era o subtítulo do texto do repórter Emanuel Mattos.

Emerson Leão durante passagem pelo Corinthians em 1983 – Arquivo/PLACAR
Reserva de Félix no tri no México, titular nas Copas de 1974 e 1978, Leão tinha 31 anos e vivia boa fase no Grêmio. Não o suficiente para convencer Telê a convocá-lo. “Se me perguntarem se fiquei magoado, respondo que não. Agora, preocupado eu fiquei, sim”, contou Leão à PLACAR, ao ser ignorado pela terceira vez.
“Desta vez foi diferente. Na primeira o Telê justificou com a alegação de que eu não precisava ser testado, dando a entender que eu era hors-concour. Não me satisfiz, claro, mas aceitei. Na segunda eu estava em litígio com o Vasco, há um mês e meio sem jogar, e não merecia mesmo ser chamado. Se fosse, aceitaria. Agora, nessa última, quando vieram me perguntar sobre o assunto, eu respondi que era normal. Mas não é. Confesso, foi uma surpresa. Jogador do meu nível tem que se dedicar e esperar uma convocação sempre”, cravou Leão.

À época, Carlos e João Leite, com quem Leão rejeitou comparações, eram os preferidos de Telê. O goleiro, no entanto, comparou o treinador ao presidente da República, responsável por escolher seus ministros. “Se ele escolhe certo, é outro problema”, alfinetou.
O arqueiro gremista ainda completou dizendo que seria mais fácil ficar calado “ganhando meus milhões e posando de bonzinho”, mas que este não era seu estilo. “Se alguém pensa que vou me conformar com a situação, atual está enganado. Embora esteja preocupado, pretendo disputar não apenas esta, mas também a Copa de 86”.
A reportagem ainda trazia um box, assinado por Carlos Maranhão, com bastidores sobre o caso, que envolvia não apenas Leão, mas Paulo César Caju e Carlos Alberto Pintinho. “Informações de boa fonte obtidas na semana passada em Fortaleza revelam que, enquanto dirigir a equipe, ele [Telê] só chamará um desses jogadores em caso de extrema necessidade.”
“Atleta de comportamento exemplar ao longo de sua carreira, Telê não gosta dos chamados “craques que criam casos”. Por isso mesmo, seu time não tem em campo nenhuma personalidade forte, alguém capaz de contestá-lo ou de dividir a liderança com ele.”

Entrevista gerou mágoa de Leão com PLACAR
Curiosamente, esta entrevista fez com que Leão rompesse relações com a própria revista, alegando jamais ter dito a frase que abria a matéria e que ela teria sido decisiva para sua ausência na Copa da Espanha. A versão foi corroborada em forma de mea culpa pelo então diretor de redação, Juca Kfouri, no filme Placar, a Revista Militante.
No documentário, Kfouri admitiu que a frase “Não tolero ficar de fora” não foi dita por Leão, ainda que este fosse o sentido de suas palavras. Disse ter pedido desculpas, o que não impediu que Leão carregasse mágoas.
Em um dos trechos mais divertidos do filme, Kfouri disse que tentou convencer Leão e voltar a dar entrevistas à PLACAR, mas que o então técnico foi irredutível. Disse que conversava normalmente com jornalistas da casa, mas que não daria mais entrevistas.
História da revista PLACAR é tema de documentário inéditohttps://t.co/3PQkP3lZsc pic.twitter.com/yhWwG2JyXm
— PLACAR (@placar) December 13, 2024
‘Pazes’ com Telê
Leão, porém, chegou a dar mais uma entrevista à PLACAR, desta vez perto da Copa seguinte, no México. Na edição de novembro de 1985, disse que mantinha esperanças de ser chamado por Telê Santana, não sem endereçar novas críticas ao técnico que retornava à seleção.
“Tenho 99% de chances [de ser convocado] com qualquer técnico e 1% com Telê. Mesmo com ele, eu me acho no direito de ter esperanças, poxa”, disse, negando problemas pessoais com o técnico. “Se existe algum problema, só Telê sabe.”

Trecho de entrevista de Emerson Leão em 1985
Leão ainda admitiu ter ficado magoado com a ausência em 1982 e disse esperar que Telê tivesse reconhecido seu erro.
Surpreendentemente, o goleiro acabaria chamado à Copa de 1986, aos 38 anos, ainda vivendo boa fase no Palmeiras. No entanto, acabaria na reserva de Carlos, uma escolha tratada diversas vezes por Leão como “um segundo erro, ainda mais grave que o primeiro.”






