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La Popular ícone blog La Popular Por Enrico Benevenutti Aqui contamos histórias do futebol sudaca, aquele que catimba y baila milongas com a bola no pé

Lenny Lobato: quem é o único jogador brasileiro no futebol argentino

Em conversa à PLACAR, atacante do Vélez Sarsfield explica relação familiar com o clube, avó famosa e por que clubes argentinos não contratam brasileiros

Quem escuta Lenny Lobato falar espanhol não pensa que ele nasceu no Rio de Janeiro. Basta pedir para o atacante de 23 anos mudar o idioma para o português que se tem certeza. O sotaque carioca intacto confirma a nacionalidade do único jogador brasileiro atuando no Campeonato Argentino. Cria da base e hoje fundamental na equipe profissional do Vélez Sarsfield, o atleta explicou, em entrevista exclusiva à PLACAR, por que trocou o futebol brasileiro pelo argentino logo cedo.

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De família argentina, mas natural de Búzios, Lenny passou pela base do Madureira antes de trocar o futebol brasileiro pelo argentino. O atleta conta que, mesmo no Rio, precisou morar sozinho por conta do trabalho de sua mãe, que não conseguia o acompanhar. Foi após quase seis meses sem jogar no clube carioca que o jovem resolveu tentar a sorte no país vizinho, com a ajuda de alguns familiares.

“Eu tenho um tio que é torcedor fanático do Vélez. Meu tio e primo. Eu tinha feito um teste no All Boys e passei, mas eu não tinha a identidade argentina para a federação. Eu já tinha passado e estava treinando com o grupo, mas eles não quiseram por conta disso. Meu tio fanático do Vélez então tentou me levar para lá. Entramos no site, vimos quando tinha um teste e fomos fazer. No meio de umas 300 pessoas, fui o único a passar”, conta, destacando que precisou de ajuda com os processos burocráticos.

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Dentro de campo, segundo ele próprio, foi preciso uma adaptação ao futebol argentino – mais físico e tático que o brasileiro.

Divulgação / Vélez
Lenny Lobato, em 2021, pelo Torneo de Reservas – Divulgação / Vélez

A estreia na equipe profissional aconteceu em 2021, contra o Camioneros, pela Copa da Argentina. No entanto, somente na última temporada, em 2023, que passou a entrar em campo com mais frequência. Na atual temporada, já são 10 jogos e dois gols marcados.

Lenny é destaque frequente nas transmissões do Vélez não só pelo futebol. O brasileiro é neto de Nélida Lobato, célebre atriz e bailarina argentina dos anos 70. O atleta não conheceu a familiar, que morreu em 1982, mas a relação é frequente: “Na internet sempre falam: ‘ele é neto de quem?’, porque cansaram de falar isso na tv que todo mundo lembra”.

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Apesar da família argentina, a presença de Lenny no país albiceleste vai contra a atual ordem do futebol sul-americano. Cada vez mais as equipes brasileiras têm contratado jogadores argentinos e o oposto não acontece. Não à toa o atacante do Vélez é o único brasileiro disputando o campeonato local. A economia é a principal justificativa.

“Hoje é inviável. Hoje e anos atrás também. Um dos maiores salários da Argentina, de quem joga no Boca ou River, deve ser de uns 500 mil reais. Não chega nem perto dos maiores salários do futebol brasileiro. O fator econômico é o principal. E depois também tem a questão da liga não estar tão bem desenvolvida como no Brasil”, comenta, antes de completar sobre a desorganização do campeonato: “As mudanças de regulamento são sempre uma surpresa. A gente nunca sabe o que pode acontecer. O formato não é o melhor”.

A relação entre torcedores argentinos e brasileiros tem escalado para episódios lamentáveis de violência. Na última temporada, durante a final da Libertadores, o Rio de Janeiro foi palco da violência entre parte da torcida do Fluminense e Boca Juniors. Dias depois, o clássico entre Brasil e Argentina começou com confusão nas arquibancadas. O atacante brasileiro do Vélez comentou o atual contexto:

“É muito triste, ainda mais porque quando a gente analisa a relação mesmo de um brasileiro com um argentino é sempre de amizade… Precisam achar alguma forma de parar isso, de conscientizar os torcedores a acabar com a violência”.

Lenny reitera, no entanto, ser contra a torcida única, formato adotado em toda a Argentina desde 2013 e ocasionalmente debatido aqui no Brasil: “Não acho que é uma solução, acaba tirando o mais legal do futebol: as duas torcidas juntas. Jogar de visitante e ver que tem o pedacinho da sua torcida… acho que sem visitantes atrapalha economicamente e esteticamente o futebol”.

Confira trechos completos da entrevista:

Como foi o início e mudança para a Argentina?
“Eu comecei em na escolinha, em Búzios. Depois eu tive um pequeno passo no Madureira. Foram quase seis meses, eu quase não joguei, tive uma lesão também. E depois, como eu tinha familiares, pensei em Buenos Aires: ‘vou tentar a sorte lá’. No Rio eu também morava longe, acabei morando sozinho. Minha mãe não pôde me acompanhar porque trabalhava, e a gente não conhecia ninguém do meio. Estava no Madureira, mas pensava que poderia buscar algo melhor. Foi então que eu vim aqui para a Argentina e acabei achando o Vélez”.

“Eu tenho um tio que é torcedor fanático do Vélez. Meu tio e primo. Eu tinha feito um teste no All Boys e passei, mas eu não tinha a identidade argentina para a federação. Eu já tinha passado e estava treinando com o grupo, mas eles não quiseram por conta disso. Meu tio fanático do Vélez então tentou me levar para lá. Entramos no site, vimos quando tinha teste e fomos fazer. No meio de umas 300 pessoas, fui o único a passar”.

Você é mais brasileiro ou argentino?
“É complicado. Eu cresci com a cultura do Brasil, desde pequeno. O que eu aprendi de mais velho é daqui da Argentina. Então é um meio a meio mesmo. Os jogadores já me olham como argentino, mas sempre perguntam do Brasil. Eu compartilhei elenco com alguns jogadores que atuaram no Brasil, então a gente sempre conversa sobre. O próprio Braian Romero, por exemplo, sempre me manda mensagem quando tem jogo do Inter, comenta sobre futebol”.

Porque as equipes argentinas não contratam brasileiros?
“Hoje é inviável. Hoje e anos atrás também. Um dos maiores salários da Argentina, de quem joga no Boca ou River, deve ser de uns 500 mil reais. Não chega nem perto dos maiores salários do futebol brasileiro. O fator econômico é o principal. E depois tem a questão da liga não estar tão bem desenvolvida como no Brasil. A organização do campeonato, os times brasileiros, sabe-se no começo da competição que uns oito brigam pelo título e cada vez mais e mais. O poder da liga foi crescendo muito ao longo dos últimos anos”.

A desorganização do Campeonato Argentino é uma questão?
“As mudanças de regulamento são sempre uma surpresa. A gente nunca sabe o que pode acontecer. O formato não é o melhor. Nas melhores ligas são sempre 20 times, quatro classificam e quatro são rebaixados, e eu acho que é o que funciona. Aqui já vem de muitos anos essa irregularidade e é difícil de organizar”.

Você fez base nos dois países. Sentiu alguma diferença?
“Eu senti bastante no aspecto físico. Aqui os jogos são mais pegados que no Brasil, a adaptação foi mais complicada nesse sentido. Eles batem muito, igual a gente vê no profissional e na base é igual. A marcação chega junto mesmo e no Brasil não se vê tanto isso. O futebol brasileiro é um pouco mais técnico, todo mundo é habilidoso. O que eu senti foi isso mesmo, a entrega e a famosa garra argentina, tem essa diferença. O aspecto tático também, aqui é muito desenvolvido. Hoje em dia, se vê técnicos argentinos no mundo todo. Isso ajuda, o tático é muito desenvolvido também”.

O Vélez é historicamente forte na base. Como você enxerga isso dentro do clube?
“O trabalho é muito completo. Até mesmo fora do futebol: psicologia, nutrição, organização… tudo é muito completo. Eles tornam tudo mais fácil para chegar na hora e você jogar. A questão dos técnicos também, eles são mentores, professores mesmo que nos ensinam muito. O clube dá muito valor para a base. Sabe-se que se você for bem na base, você tem muita chance de subir ao profissional e isso dá uma motivação extra. No Boca ou no River, por exemplo, deve ser mais difícil, precisa se destacar muito para conseguir uma chance. Aqui no Vélez a base sempre é muito valorizada”.

Tem acompanhado os últimos episódios de violência entre brasileiros e argentinos no futebol?
“Entre nós, jogadores, não é um assunto tão falado. Quando é coisa ruim, brigas, a gente não coloca tanto valor. Eu acho muito triste tudo isso que vem acontecendo. No Brasil x Argentina do Maracanã teve brigas também. É muito triste, ainda mais porque quando a gente analisa a relação mesmo de um brasileiro com um argentino é sempre de amizade. Eu nunca conheci um argentino e um brasileiro que brigassem mesmo igual tem acontecido nos estádios. Dentro do futebol tem acontecido essas brigas e precisam achar alguma forma de parar isso, de conscientizar os torcedores a acabar com a violência porque não leva a lugar nenhum”.

As punições têm sido muito brandas?
“Sim, por tudo que tem acontecido. Dentro do Brasil mesmo, entre brasileiros, o episódio entre torcedores do Sport e o ônibus do Fortaleza, é algo muito triste e precisa de uma punição grave – tanto para o clube quanto para os torcedores, mesmo sobre a organização da polícia, muitas coisas precisam ser corrigidas”.

Faz um tempo que na Argentina só existe torcida única. Esse é um caminho?
“Não acho que é uma solução, acaba tirando o mais legal do futebol: as duas torcidas juntas. Jogar de visitante e ver que tem o pedacinho da sua torcida… acho que sem visitantes atrapalha economicamente e esteticamente o futebol”.

Sua avó foi Nélida Lobato, uma pessoa famosa na Argentina. As pessoas fazem essa relação?
“Muito. Na internet sempre falam: ‘ele é neto de quem?’, porque cansaram de falar tanto isso na tv que todo mundo lembra. Ela era uma atriz e bailarina nos anos 60, 70, e ficou bem famosa mesmo”.

Você tem vontade de jogar ou voltar a morar aqui no Brasil?
“Eu tenho sim. Eu cresci assistindo o futebol brasileiro e meu sonho sempre foi atuar no país. Tenho minha mãe ainda no Brasil, tenho minha namorada aí também, meus amigos. Gostaria muito”.

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