Livro traz sexo, droga e traição no doping de Maradona
Recém-lançada em Buenos Aires, obra de 320 páginas esgota primeira edição ao detalhar horas prévias do ‘dia em que cortaram as pernas de Diego’
Em tom de ironia, Maradona insinou que faria sexo com a enfermeira que o levava ao antidoping – só não contava que a americana, casada com um argentino, entenderia tudo
Bebeto e Romário, Parreira e Zagallo. Contar a Copa de 1994 no Brasil quase sempre significa enaltecer uma dessas duplas. A versão argentina daquele Mundial também é resumida em duo, mas um muito mais melancólico: Diego Maradona e Sue Carpenter, a enfermeira que levou o astro ao exame antidoping que o tirou daquela Copa.
A perplexidade dos argentinos com o caso é sentida até hoje, como mostra o sucesso do livro O último Maradona – quando cortaram as pernas de Diego (leia trecho abaixo). Lançado em maio em Buenos Aires, sua primeira impressão foi esgotada em semanas. Escrito pelos jornalistas Alejandro Wall e Andrés Burgos, a obra de 320 páginas da editora Aguilar investiga as muitas teorias conspiratórias sobre o assunto, mas deixa em aberto o que realmente houve entre Maradona, a AFA (Associação de Futebol Argentina) e a Fifa.
Leia também:
EUA-1994: 20 fatos memoráveis, 20 anos depois
Argentina vence seu último teste antes da Copa
Polícia vai barrar brigões argentinos nos estádios da Copa
Os 736 convocados e curiosidades da Copa
Se não fecha questão sobre o polêmico doping por efedrina no jogo contra a Nigéria, o livro seduz pela tradicional picardia argentina. Entre os momentos mais curiosos está o diálogo entre o técnico Alfio Basile e o assistente Rubén Díaz ao informá-lo sobre o doping (“Deu positivo”, falou Basile. “Quem?”, seguiu Diaz. “E quem poderia ser, idiota?”).
Outro destaque é a ironia de Maradona com a enfermeira que lhe cercou. Gritando em espanhol à sua mulher, que estava nas tribunas do estádio, Maradona apontava para Sue Carpenter dizendo que faria sexo com ela – mas não contava que a enfermeira americana, casada com um argentino, entendia tudo.
Chama atenção também a defesa do preparador de Maradona naquela Copa, o autodidata fisiculturista Daniel Cerrini, de 27 anos: “Se a Fifa deixou a Argentina dar água com tranquilizante ao Branco, como vão tirar Diego desta Copa?”, relembrou, citando quando os argentinos doparam o lateral brasileiro no Mundial de 1990.
O dia em que conhecemos a efedrina
A outra imagem do doping de Maradona no Mundial dos Estados Unidos é um balbucio frente à câmera, este fio de voz que se desgarra – e desgarra milhões – quando lança suas palavras mais dolorosas: “Me cortaram as pernas”. Um epitáfio à altura do homem das grandes frases.
À margem dos feitos trágicos que custaram vidas – como os 71 asfixiados na Porta 12 do Monumental, o 23 de junho de 1968 depois de um River-Boca, ou cada uma das centenas de vítimas da violência -, a quinta-feira 30 de junho de 1994 foi a jornada mais triste do futebol argentino. O anúncio da expulsão de Maradona do Mundial se seguiu na televisão como o final de uma série e se chorou nas ruas como a morte de um personagem célebre.
Em um esporte em que a identificação entre os torcedores e os clubes avançou nos últimos anos até chegar a uma relação simbiótica, muitos elegeriam uma final perdida ou o rebaixamento de sua equipe como o primeiro que evitariam se pudessem voltar no tempo. Porém, em nível nacional, o futebol não nos entregou um duelo coletivo superior ao dia em que conhecemos a efedrina. A atmosfera de tragédia foi maior que qualquer eliminação em um Mundial. As derrotas na primeira fase ou nas quartas-de-final produziram uma reação clássica: os xingamentos aos jogadores e técnicos. O Mundial dos Estados Unidos gerou a solidariedade com o totem em desgraça e massificou um estado de depressão. A Argentina somatizou os males de seu fabricante de felicidade.
Sua desdita foi a nossa.
Uma frente de desolação cobriu o país.
No dia seguinte em que Maradona foi excluído do Mundial, o diário “Página 12” titulou com a única palavra usada por outro diário, “Notícias”, 20 anos atrás, na morte de Juan Domingo Perón: Dor.
Entre a terça 28 e a quinta 30 de junho de 1994, as 48 horas que aniquilaram a carreira de Maradona nas cidades de Boston, Dallas e Los Angeles começaram um deserto de títulos para a seleção. Nos 20 anos anteriores, a Argentina ganhou dois Mundiais e duas Copas América.
Nos 20 anos seguintes, nada.
Foram os dias em que deixamos de ganhar.
Os titereiros das leis do futebol
Há Mundiais que se decidem nos gramados. O de 1994 também se decidiu em uma disputa de poder entre João Havelange e Joseph Blatter, então presidente e secretário geral da Fifa, e Júlio Grondona, presidente da AFA e vice da Fifa.
Os autênticos donos do Mundial.
O futebol é política. Um de nossos entrevistados sorriu quando nos recordou que nos regulamentos da AFA há leis que podem se interpretar de duas maneiras antagônicas, ante a qual a eleição final dependerá da conveniência de turno. Outra testemunha direta do doping refletiu:
– Para mim Blatter se equivocou, não entendo ainda como não o encobriu.
Não foi uma frase induzida com viés argentino, mas a interpretação de alguém que conhece como se cozinha o futebol, um submundo independente inclusive do Poder Judiciário. A Fifa deixa claro: país que recorre aos tribunais, país que fica sem Mundial.
O doping de Maradona foi sempre um quebra-cabeça dispersado em crônicas, comentários da época e a construção da nossa memória. O escritor espanhol Javier Cercas diz que muitas vezes antepomos nossas lembranças ao que realmente aconteceu. Ao recolher cada peça e encontrar outras que até agora permaneciam escondidas, fica exposta a catarata de mentiras e desculpas que saíram de todas as partes. Caem-se os mitos e se revelam as obscuridades.
Por que não houve controle antidoping na repescagem contra a Austrália? Quais pessoas entraram para revisar a concentração da Argentina em Boston no dia anterior à partida contra a Nigéria? Foi feito em Maradona um controle preventivo antes do Mundial? Era habitual que uma enfermeira buscaria os jogadores no meio do campo? Como surgiu o pretexto das gotas nasais para explicar o doping? Como chegou a efedrina à urina de Maradona? Houve só efedrina? O que ocorreu durante a reunião da contraprova em Los Angeles? A efedrina tapava outros compostos? Por que a AFA decidiu retirar o jogador? Qual foi a ameaça da Fifa? Que rol jogou o governo dos Estados Unidos? Por que a Fifa não outorgou a Maradona o direito a uma legítima defesa? Existiu uma promessa de proteção que se quebrou? A Fifa traiu Diego?
Outro dos entrevistados nos disse desde as entranhas da Fifa que ainda ninguém contou a verdade sobre o que passou com Maradona. Que algum dia se saberá, alguém o dirá, porém esse não era o momento. O dirigente se fez de misterioso. E avançou com a intriga.
– Na caixa forte de sua casa, Julio Grondona guarda uma carta do governo dos Estados Unidos pedindo que retirem Maradona do Mundial. Averiguem.
“Maradona”, Andrés Calamaro
Gravada em 1999, a música celebra a amizade entre o roqueiro e o ex-jogador: “Maradona não é uma pessoa qualquer / É um homem apegado a uma bola de couro / Tem o dom celestial / De tratar muito bem a bola / É um guerreiro / É um anjo e se veem as asas ferias / É a bíblia junto ao aquecedor”.
“Estadio Azteca”, Andrés Calamaro
O tema de 2004 dramatiza o primeiro contato do menino Calamaro com as imagens do palco onde brilharam Pelé e Maradona: “Apertando os dedos, agarrando-lhe, dando minha vida / A arquibancada / Quando era criança / Conheci o Estádio Azteca / Fiquei duro, esmagado vendo o gigante”.
“Capitan Pelusa”, Los Cafres
Pelusa era o apelido de infância de Maradona, pelo cabelo bagunçado. A banda de reggae criou em 1997 a canção que questiona “Não sei o que querem de você? / Seus inimigos se mordem / Teu povo não te questiona / Não se ressente / Te esperam / Quem te espera / Com um grito quente”.
https://youtube.com/watch?v=Xpe95RNdTfE
“La Mano de Dios”, Rodrigo
A mais famosa música-homenagem a Maradona explodiu em 2000, ano em que o ex-jogador sofria com a droga.”A fama lhe apresentou uma branca mulher / De misterioso sabor e proibido prazer”, cantava Rodrigo, ídolo de um estilo chamado cuarteto – morto ao bater o carro também em 2000.
“La Mano de Dios”, Diego Maradona
O tema foi interpretado também pelo próprio – e empolgado – Maradona no documentário “Maradona by Kusturica”, do cineasta sérvio Emir Kusturica. Lançado em 2008, a produção traz Diego acusando João Havelange de armação em 1994 – em 20 anos como presidente, ele jamais vira o Brasil campeão.
https://youtube.com/watch?v=MdD28gTbdQs
“Maradó”, Los Piojos
O trecho do show que escancara o fervor por Maradona começa com o famoso refrão de shows e jogos: “Já se vê / Já se vê / O que não salta / É um inglês”, pela Guerra das Malvinas. Diego entra no palco no fim para abraçar o vocalista Ciro, famoso torcedor do Boca Juniors, e puxar o coro “Argentina”.
“Baile de la gambeta”, Bersuit
A música de 2004 fala sobre a necessidade de “dançar para mudar esta sorte, pois se sabemos driblar, afastamos a morte”. A paródia, claro, recorre ao mais famoso driblador do futebol argentino, que mostra desenvoltura ao dançar, fazer embaixadinhas e até vestir peças de roupas atiradas em sua direção.
“La vida es una tombola”, Manu Chao
De 2007, a música ironiza as frequentes encrencas do ex-jogador: “Se eu fosse Maradona / Viveria como ele / Mil rojões, mil amigos / O que venha, a mil por cem / Se eu fosse Maradona / Sairia pelo mundo / Para gritar-lhe à Fifa / Que eles são o grande ladrão / A vida é uma loteria / De noite e de dia”.
“Santa Maradona”, Mano Negra
Uma canção em francês a um jogador argentino e com um trecho de narração de Osmar Santos. “Santa Maradona”, de 1994, virou filme homônimo lançado na Itália em 2001. Fala da obsessão dos napolitanos pelo ex-atleta – nas casas, ao lado das figuras religiosas, havia também fotos de Diego.
“Que es Dios?”, Las Pastillas del Abuelo
A banda (em português, “As pastilhas do Avô”) gravou em 2008 um tema misturando Maradona, Deus, guerras, talento e sexo: “Grande amante em todas as partes / Dança o dez com sua mulher / Carícias, beijos e abraços / O Dez fazendo amor / E o orgasmo foi um golaço / Vermelho, o sol gritava gol”.
“Brindo por Las Mujeres”, Andrés Calamaro e Fito Paez
O trio unido é até hoje uma grande lembrança argentina na preparação para a Copa de 1994. “Que o Mundial seja nosso e também de vocês dois”, fala Maradona ao fim do vídeo, retratando todo o otimismo depois de sua inclusão ao time que só se classificou àquela competição na repescagem.