Ricardinho, o craque-coadjuvante, nas páginas de PLACAR
Ídolo no Corinthians, decepção no São Paulo, campeão no Santos e penta no Japão. Ex-jogador, que hoje faz 48 anos, brilhou nas décadas de 90 e 2000
Ricardo Luis Pozzi Rodrigues, o popular Ricardinho, foi um dos meio-campistas mais importantes do futebol brasileiro entre as décadas de 1990 e 2000. O ex-jogador que nesta quinta-feira, 23 de maio, completa 48 anos, foi revelado no Paraná, virou ídolo no Corinthians, foi fundamental em um título brasileiro do Santos e disputou duas Copas do Mundo pela seleção brasileira (na primeira, faturou o penta em 2002 no Japão). Admirado pela qualidade em sua perna esquerda, ele, no entanto, conviveu com algumas críticas e, mesmo nos bons momentos, chegou a ser apontado como um “coadjuvante”.
No Corinthians que marcou época entre 1998 e 2002, Ricardinho era o maestro do meio-campo, o homem que abria os caminhos para Marcelinho Carioca, Edílson, Luizão e companhia brilharem. Sua controversa mudança do Timão para o rival São Paulo, logo após o penta no Japão, foi o momento mais duro da carreira. A desconfiança da torcida, aliado a seu alto salário e à obrigação de ter que ser o comandante tricolor, abreviaram uma passagem ruim no Morumbi. “Apesar de tudo, Ricardinho nunca foi o número um ” e também nunca quis ser o camisa 10 (teve de engoli-la na sua malfadada passagem pelo São Paulo)”, cravou PLACAR em perfil de 2004 (leia mais abaixo).
Muito querido pelos técnicos (era adorado por Vanderlei Luxemburgo, que certa vez lhe colocou um ponto eletrônico no ouvido, e foi convocado para as Copas por Felipão e Parreira), Ricardinho não era uma unanimidade entre os colegas. Tanto que em 2006, sucedeu o colega e posterior desafeto Marcelinho como o “jogador mais odiado do Brasil”, promovido por PLACAR.
O resultado surpreendeu a reportagem e entristeceu o pacato jogador, hoje comentarista, que concedeu entrevista sobre o tema. Ricardinho, já veterano e prestes a retornar ao Corinthians, recebeu 25,76% dos votos válidos, à frente de Romário (10,60%) e Edmundo (4,55%). “Veja bem, comigo nunca teve nada, mas o pessoal diz que ele é muito baba-ovo de treinador, puxa-saco, fica com aquele papinho com o técnico…”, justificou um companheiro de Ricardinho na seleção, que se absteve de votar, mas ajudou a explicar a rejeição.
À época, PLACAR destacou o fato de Ricardinho ser “educado, com uma inteligência e cultura acima da média” e com “ficha limpíssima”, motivo da surpresa da eleição. A revista ainda elencou o único entrevero público de Ricardinho, justamente com seu “antecessor” no posto, Marcelinho Carioca, e suas conturbadas transferências para os rivais do Corinthians. A maioria dos depoimentos, no entanto, citavam o que ouviam falar dele. “Um amigo me disse uma vez que o Ricardinho é um safado, pilantra…e tem cara mesmo”, disse o meia de um clube carioca.
O tempo se encarregou de “absolver” Ricardinho, que encerrou a carreira em 2011, pelo Bahia, muito admirado e respeitado por sua trajetória e postura. Além de fazer história no Corinthians, com dois títulos brasileiros, um Mundial de Clubes, uma Copa do Brasil, dois paulistas e um Torneio Rio-São Paulo, Ricardinho brilhou também no Santos, na conquista do Brasileirão de 2004.
Nesta época, o meia concedeu uma de suas várias entrevistas de capa. O texto de Sergio Xavier Filho e Arnaldo Ribeiro explica, na edição 1276, de novembro de 2004, explica por que Ricardinho funcionava melhor no papel de coadjuvante. O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos arquivos, reproduz o conteúdo abaixo, na íntegra:
O melhor coadjuvante do Brasil
Ricardinho recupera a paz e a bola no Santos, onde não precisa, para alívio dele, ser a estrela da companhia
Sergio Xavier Filho e Arnaldo Ribeiro
Quem dribla como craque de futsal, quem toca a bola como se o gramado fosse uma mesa de sinuca, quem chuta forte, faz gols e organiza o time em campo tem o direito de sonhar. Um jogador desses pode se achar. Pode pedir os holofotes, projetar o estrelato e se imaginar como o ídolo principal de uma torcida. Ricardo Luís Pozzi Rodrigues, 28 anos, é um desses futebolistas privilegiados que foram abençoados com uma série de características que geralmente só se encontra em atletas diferentes. Ricardinho deu sorte, nasceu com tudo isso e mais um pouco. O meia do Santos ainda é bilíngüe: entende o futebolês mais tosco dos gramados e se comunica fluentemente no idioma dos técnicos, tanto que costuma ser o homem de confiança dos “professores”.
Apesar de tudo, Ricardinho nunca foi o número um ” e também nunca quis ser o camisa 10 (teve de engoli-la na sua malfadada passagem pelo São Paulo). Está sempre entre os melhores, mas não é a estrela. Se fosse um ator, seria indicado como ator coadjuvante. Mais curioso é o fato de parecer não se incomodar com essa coadjuvância. Pelo contrário, tudo indica que se adapta de verdade ao papel. “Nunca fui o principal. Conquistei meu espaço em todos os clubes dessa forma, nunca com flashes, e me sinto muito bem”, disse à Placar, bem refestelado no sofá do apartamento que aluga em Santos.
O atual estilo zen se justifica. O jogador, depois de voltar muitas casas e ficar sem jogar por um bom tempo no tabuleiro futebolístico, está andando para frente. No Santos, desde a oitava rodada do Brasileirão, encontrou um confortável local de trabalho. Está muito bem acompanhado no meio-campo, tem volantes eficientes como Preto e Fabinho, conta com o talento e a energia de Elano. Melhor do que tudo, olha para a frente e enxerga Deivid e, sobretudo, Robinho. É para o craque da camisa 7 que estão apontados as câmeras e microfones. E assim Ricardinho pode trabalhar sossegado.
“Ele faz um trabalho sensacional como coadjuvante. Aos olhos do torcedor, o Ricardinho pode não aparecer, mas pode ter certeza de que o treinador fica muito satisfeito com o trabalho dele.” A frase, sincera ou irônica, é do desafeto Marcelinho Carioca, com quem Ricardinho teve um sério entrevero no Corinthians.
Prova de que o meia goza de prestígio junto aos treinadores é a declaração de Carlos Alberto Parreira, que comanda hoje a Seleção e que usou Ricardinho “como ele entre comissão técnica e jogadores” no Corinthians. “Ele é líder, inteligente, tem bom senso, conhece os meandros do futebol, dentro e fora de campo.” Coadjuvante? Para Parreira, não. “Ele é destaque, notícia. A imprensa quer falar com ele; é respeitado pelas torcidas. Não dá para dizer que é coadjuvante.”
Mancadas
De qualquer forma, a temporada santista é um alívio para Ricardinho depois do “inferno astral”. Segundo o jogador, foram dois erros em seqüência. O primeiro foi a turbulenta transferência do Corinthians para o São Paulo. No tricolor, os sonhados títulos não vieram e a torcida berrou seu nome acompanhado de adjetivos pouco elegantes.
Contrato rescindido, tentou o futebol inglês. Acertou-se com o Middlesbrough. “Era difícil dizer se era dia ou noite, o céu era um cinza só”, afirma o jogador. Mais cinzenta ainda era a sua situação no clube. Ricardinho estranhou que treinava, treinava, e nada do técnico escalá-lo. Pediu explicações da diretoria e ouviu evasivas. Um advogado descobriu que o clube havia perdido o prazo de inscrição e Ricardinho só poderia jogar em agosto. Era mesmo a hora de voltar ao Brasil, para recuperar os seis meses de inatividade.
Ricardinho desembarcou em Santos para ganhar menos ” cerca de 80 mil reais por mês. Menos do que as libras inglesas, bem menos que os 300 mil reais acertados no tempo de São Paulo. “Se eu aprendi alguma coisa nos últimos anos foi que dinheiro, hoje, não é o mais importante”, afirma. “Não é segredo nenhum que ele foi para o São Paulo por dinheiro e eu sabia que sua passagem por lá não repetiria o sucesso que teve no Corinthians”, afirma o vice-presidente de futebol do Corinthians, Antônio Roque Citadini.
Pressão
No Santos, talvez menos rico, Ricardinho recuperou a alegria de jogar, a tal da paz ” ele já faz planos para fixar residência na Baixada. “Ele está mais feliz até do que estava no Corinthians. No Santos, tem menos pressão”, afirma José Luís Rodrigues, pai do jogador e empresário que cuida de sua escolinha de futebol em Curitiba.
Pressão… Eis uma palavra que realmente incomoda Ricardinho e, como uma bola de neve, foi a responsável por seu inferno astral no São Paulo, o pior momento de sua carreira. “No Corinthians, por exemplo, ele teve ambiente e tranqüilidade. No São Paulo, ele veio como jogador mais caro, encargo que acabou atrapalhando a vida dele lá”, afirma o técnico Oswaldo de Oliveira, que dirigiu Ricardinho nos dois clubes e é amigo do jogador fora das quatro linhas ” os dois se falam com freqüência pelo telefone.
Ricardinho não gosta de falar do São Paulo. “Nunca vou dizer o que aconteceu comigo no São Paulo; me faz mal.” E seu pai tem o mesmo discurso. “Fui são-paulino a minha vida inteira, mas nem gosto de mencionar a passagem do Ricardinho por lá. Não posso nem avaliar a atuação dele sob o aspecto técnico porque daí vou ter que passar por outras coisas muito desagradáveis.”
Mas o que de tão trágico aconteceu com Ricardinho no Morumbi? Os cartolas atrasaram seu salário? Atrasaram. Ele nunca foi bem aceito pela torcida? Nunca foi. Ele se sentia muito cobrado? Se sentia. Ele se sentiu traído com a demissão de Oswaldo de Oliveira? Se sentiu. Ele tinha problemas de relacionamento com alguns colegas? Tinha. Ele perdeu a confiança no clube? Perdeu.
Motivos suficientes para ele dar um bico num contrato confortável? Sim. Mas não houve um motivo específico e sim vários, nenhum muito contundente. “Ele criou um monstro que não existia e, no fim, vivia triste, espalhando para quem quisesse ouvir: “ano que vem, estou fora!”, diz um membro da comissão técnica do São Paulo. “Eu queria que ele fosse um expoente, que ele brilhasse. Ele não quis assumir a responsabilidade, mas não fiquei decepcionado com isso. Fiquei decepcionado com o que ele disse depois. Ele declarou “São Paulo? Nunca mais!”; pois agora eu é que digo: Ricardinho nunca mais!”, afirma o presidente do clube, Marcelo Portugal Gouvêa.
O curioso é que até o amigo e conselheiro Oswaldo de Oliveira entende que Ricardinho se precipitou ou, ao menos, fez tempestade em copo d´água no São Paulo. “Ele só precisaria de um tempo para se ambientar e se impor perante o grupo. O tempo resolveria tudo.” Ricardinho não quis esperar… “O problema do São Paulo é falta de comando, em todos os sentidos”, diz o craque, encerrando a discussão.
Respaldo
Comando. Ricardinho, coadjuvante, diz que gosta mais de ser (bem) comandado do que comandar. No Santos, afirma estar mais do que à vontade sob a tutela do presidente Marcelo Teixeira e, principalmente, do técnico Vanderlei Luxemburgo, com quem trabalha pela quarta fez. “Ele (Luxemburgo) sabe onde e como gosto de jogar.”
Para o camisa 8 do Santos, quanto mais respaldo e caras conhecidas, melhor. Ricardinho se mostra avesso a novidades (será que foi coincidência a desilusão com o São Paulo e com a Inglaterra?). Até hoje, seu assessor de imprensa é Luciano Signorini, a quem conheceu no Corinthians e que ainda trabalha no rival. Em casa, não poderiam faltar Seu Cido, o faz-tudo do jogador há cinco anos, e Dona Cida (não há parentesco), a cozinheira há dois anos, também desde os tempos de Corinthians.
Respaldado pelos três, no apartamento com vista para o mar no Canal 4 de Santos, ele aguardada com ansiedade ao lado da mulher Juliana a chegada do segundo filho, já “batizado” Bernardo, para março. O primogênito Bruno, 4 anos, arrisca os primeiros passos com a bola e já vence o pai no videogame. Só não definiu ainda o time do coração. “O Bruno oscila entre Santos e Corinthians, mas são-paulino ele não é!”. Nem precisa dizer, Ricardinho.
Mais altos que baixos
Uma carreira gloriosa, com duas decepções
PARANÁ (1995-97)
Títulos: Tricampeonato Estadual (95, 96 e 97)
Melhor momento: 28/7/1996, quando marcou o gol do título estadual na vitória por 1 x 0 sobre o Coritiba
Pior momento: A saída traumática do clube do coração, junho de 1997. O jogador demorou para receber o que o Paraná lhe devia. Só quando foi para o Corinthians conseguiu ver a cor do dinheiro
Gurus: Vanderlei Luxemburgo (colocava ele sempre no segundo tempo). Antônio Lopes e Rubens Minelli o efetivaram como titular
BORDEAUX (FRA) (1997-98)
Títulos: Nenhum
Melhor momento: Quando ficou certo que voltaria ao Brasil, para defender o Corinthians.
Pior momento: A adaptação. O jogador ficou longe da família pela primeira vez e sentiu o peso da solidão
Gurus: Gralak, ex-zagueiro do Paraná, que abriu as portas para os brasileiros no Bordeaux e depois acabou virando empresário. Ricardinho jogou também com figurões como Wiltord, Papin e Micoud
CORINTHIANS (1998-2002)
Títulos: Mundial de Clubes da Fifa (2000), bicampeonato brasileiro (1998-99), Copa do Brasil (2002), Rio-São Paulo (2002), Estaduais (1999 e 2001)
Melhor momento: O título do Mundial de Clubes em 2000 e a convocação para a Copa do Mundo, em 2002
Pior momento: A decisão de trocar o clube pelo rival São Paulo
Gurus: Os técnicos da sua vida: Luxemburgo, Oswaldo de Oliveira e Parreira
SÃO PAULO (2002-2003)
Títulos: Nenhum
Melhor momento: Os gols no finzinho contra Atlético-PR (falta) e Santos (pênalti) no Brasileiro de 2002
Pior momento: Os palavrões da torcida, o calote da diretoria, o boicote de alguns companheiros e o dia do anúncio da sua rescisão de contrato, quando foi humilhado em público pelo diretor Juvenal Juvêncio
Guru: Oswaldo de Oliveira, mais uma vez
MIDDLESBROUGH (ING) (2004)
Títulos: Nenhum
Melhor momento: Rescisão e a “carta de alforria” para voltar ao Brasil
Pior momento: A descoberta, meses depois, de que o clube não conseguira inscrevê-lo em tempo na Liga Inglesa. Por causa disso, Ricardinho só treinava, sem saber que não poderia disputar qualquer partida oficial
Guru: Juninho Paulista
SANTOS (desde 2004)
Títulos: Nenhum
Melhor momento: Gol de falta contra o desafeto São Paulo, no finalzinho da partida e golaço contra o Juventude, do meio-campo
Pior momento: Ainda não houve
Gurus: Luxemburgo e o presidente Marcelo Teixeira
Um casamento fadado ao fracasso
Entenda como a relação de Ricardinho e o São Paulo tornou-se insuportável
1. Agosto/2002
Chega ao Morumbi contratado a peso de ouro, com um salário girando em torno de 300 mil reais. É recebido com festa pelos cartolas, mas com ressalvas pela torcida
2. Dezembro/2002
Depois de um bom Campeonato Brasileiro, é escolhido (pela torcida) como principal responsável pela eliminação precoce do São Paulo diante do Santos
3. Janeiro/2003
O São Paulo começa a atrasar sistematicamente o pagamento de parte de seus salários (o famoso direito de imagem, que, no fundo, representa o grosso do dinheiro)
4. Março/2003
A derrota para o ex-clube, Corinthians, na final do Paulistão, e as atuações discretas desgastam ainda mais sua relação com os torcedores e cartolas são-paulinos
5. Maio/2003
Inferno total. É xingado após a eliminação para o Goiás na Copa do Brasil e seus escudeiros ” o cartola Leco e o treinador Oswaldo ” são afastados do clube
6. Outubro/2003
O técnico Rojas cobra mais participação e liderança dele após uma derrota para o Goiás. Ricardinho se irrita e entra em choque com o comando e com colegas de time
7. Novembro/2003
Decide não esperar o fim do Brasileiro e da Sul-Americana e opera o joelho pagando do próprio bolso e com médico particular, irritando outra vez os cartolas
8. Janeiro/2004
Durante as férias, decide rescindir seu contrato com o São Paulo. Na entrevista de despedida é humilhado publicamente pelo diretor Juvenal Juvêncio
9. Maio/2004
Após passagem pela Inglaterra, acerta com o Santos. O São Paulo cobra dele na Justiça R$ 2 milhões por quebra de contrato. Ricardinho diz que nunca mais jogará pelo clube
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