Majestoso na final da Copinha de 2004 teve polêmica com Tardelli
No aniversário de 450 anos da capital paulista, o Corinthians bateu o São Paulo do atacante prodígio — que horas depois seria visto em festa do rival
São Paulo e Corinthians decidem no próximo sábado, 25 de janeiro, a Copa São Paulo de Futebol Júnior no terceiro Majestoso em finais da história da competição. No primeiro encontro, triunfo tricolor por 4 a 3, em 1993. Já em 2004, no aniversário de 450 anos da capital paulista, o Timão levou a melhor por 2 a 0 no Pacaembu, com gols de Bobô e Rafael. O atacante Diego Tardelli, então um prodígio de Cotia de apenas 18 anos, foi protagonista de uma grande polêmica naquela final.
Tardelli já fazia parte do elenco principal do São Paulo, mas em meio a casos de indisciplina, foi mandado de volta à equipe que disputaria a Copinha – e, para piorar, se atrasou na apresentação. Na finalíssima, teve atuação apagada e nas poucas chances que criou parou em defesas do goleiro Júlio César. A confusão, no entanto, ocorreria depois da partida.
Diego Tardelli foi visto em um bar onde o atacante corintiano Abuda, seu colega em seleções de base, e outros atletas do Timão celebravam o pentacampeonato da Copinha. Bastou para que a torcida organizada Independente exigisse explicações do jovem, que na edição de março daquele ano de PLACAR se defendeu, como mostra o trecho abaixo:
Tardelli teria se encontrado com Abuda por acidente quando foi pagar a dívida da aposta que havia feito com o dono do bar. “Fui levar a camisa para pagar minha dívida em relação à Copa São Paulo. Cheguei com a minha namorada e não fiquei nem 15 minutos lá dentro.”
Como mostra a reportagem de Felipe Zylbersztajn, o atacante revelado em Santa Bárbara D’Oeste, em uma escolinha do ex-jogador André Cruz, realmente convivia com dívidas, frutos da empolgação com o início promissor de carreira. Na época, ele havia sido despejado de um apartamento e morava no CT da Barra Funda.
“Se tivesse na cabeça o que tem nos pés, esse Tardelli seria uma grande figura”, diz o diretor de futebol do São Paulo, Juvenal Juvêncio. “Trouxemos ele para o CT para que possa absorver profissionalismo num ambiente mais saudável”, dizia outro trecho do perfil.
No Morumbi, Tardelli jamais se desvencilharia da pecha de “garoto-problema”, mas ainda seria bastante aproveitado no time profissional, com direito a um gol marcado na final da Libertadores de 2005, em que o Tricolor conquistou o tricampeonato. Após rodar pelo futebol europeu, já mais maduro, o atacante batizado em homenagem ao italiano Marco Tardelli ainda faria sucesso no país atuando por Flamengo e especialmente pelo Atlético-MG.
O blog #TBT PLACAR, que toda as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos arquivos, reproduz na íntegra o texto de março de 2004:
Toma jeito, menino!
O pai, os amigos, os chefes… todo mundo quer que Diego Tardelli pare de fazer trapalhadas fora do campo. Agora, “preso” no CT do São Paulo, o garoto do cabelo invocado jura que se tocou
Felipe Zylbersztajn
A tatuagem no braço direito que Diego Tardelli acaba de fazer pode ser uma boa pista para se entender a reviravolta na vida do jovem nesses últimos meses. São três ideogramas japoneses. “Os dois primeiros querem dizer “paz”, e o último “estrela””, afirma Tardelli. Tachado como polêmico, irresponsável e indisciplinado, o jogador do São Paulo agora luta para provar o contrário. Inclusive para si mesmo.
Desde o final do ano passado, Tardelli se envolveu em uma série de situações controversas que irritaram a diretoria, a torcida e qualquer um que goste de futebol bem jogado – o garoto, reconheça-se, conhece do riscado. Estaria ali mais um talento que se perderia pela falta de estrutura emocional, pelo deslumbramento com o sucesso precoce? Tais perguntas ganharam corpo quando Tardelli não se apresentou com os juniores para a Copa São Paulo, chegando no dia da estréia na competição. Horas depois da final da Copinha (que o São Paulo perdeu para o Corinthians), Tardelli foi visto no mesmo bar em que o corintiano Abuda festejava o título, atitude inaceitável na particular lógica dos torcedores.
Além disso, o jogador é acusado de dar calote de mais de 10 mil reais no proprietário do apartamento que alugava em um bairro nobre de São Paulo. Resultado: marcação cerrada em cima de Tardelli, que foi obrigado a morar no Centro de Treinamentos tricolor, como medida preventiva.
“Se tivesse na cabeça o que tem nos pés, esse Tardelli seria uma grande figura”, diz o diretor de futebol do São Paulo, Juvenal Juvêncio. “Trouxemos ele para o CT para que possa absorver profissionalismo num ambiente mais saudável”. Para o clube, a mudança de comportamento é imperativa para que Diego se firme dentro do time. “Eu acredito que ele ainda leve alguns tropeços”, diz o superintendente de futebol do São Paulo, Marco Aurélio Cunha, que associa o comportamento do atacante ao início que a carreira futebolística geralmente tem.
“O garoto vira profissional de uma hora para a outra e continua brincando como sempre fez”, afirma o dirigente são-paulino. E, na verdade, não faz muito tempo que Tardelli fugia das salas de aula para os campinhos da pobre Vila Santa Terezinha, em Santa Bárbara d”Oeste, interior de São Paulo.
“Realmente eu me empolguei com essa subida muito rápida. Acabei me endividando”, diz Tardelli, de 18 anos. “A gente vê um colega com uma Ranger, o outro com um Polo e pensa: também quero ter um”, diz o jogador, que comprou um Polo prata. Para o amigo de infância Victor Luiz Delfino, ainda vai demorar algum tempo para que Tardelli mude suas atitudes. “Ele era meio bobão. Nunca saía em Santa Bárbara, pois não tinha dinheiro. Agora, ele quer tirar o atraso”. O que preocupa o São Paulo é justamente esse deslumbramento com a fama e dinheiro.
Dez para as duas
Tardelli virou profissional de uma hora para outra, como recorda Juvenal Juvêncio. “Eu estava assistindo a uma partida do time B do São Paulo contra o XV de Piracicaba quando, faltando oito minutos para acabar o jogo, entra este menino com um andar esquisito”. O dirigente diz que, quando Tardelli começou a correr com “as pontas das chuteiras olhando para fora, no estilo dez para as duas”, sabia que se tratava de um craque ou de um grosso. Os oito minutos bastaram para que Juvenal Juvêncio acabasse com suas dúvidas e resolvesse subir Tardelli de categoria.
Quando o técnico Rojas soube da novidade, reclamou. “Mais um!?” “Mais um”, confirmou Juvêncio. “E depois de 30 dias você me diz se não vale a pena”. Tardelli estreou como profissional em julho do ano passado contra o Coritiba. Disputou 30 jogos e marcou 13 gols com a camisa tricolor. O primeiro deles foi em pleno Maracanã.
Procura-se Tardelli
Mas ele sabe que está sob observação. O rótulo de garoto-problema talvez não encontre outro personagem tão emblemático em atividade no futebol brasileiro. A começar pela aparência. O penteado à rapper reforça a idéia de rebeldia, mas certamente não seria problema se não fossem algumas atitudes do jogador.
O sumiço durante a apresentação da Copa São Paulo não é um dos assuntos preferidos de Diego Tardelli. “O que eu posso falar a mais do que tudo que já foi dito!?”, afirma, incomodado. Ele se justifica dizendo que, após o jogo contra o Flamengo pelos profissionais, pensou que fosse ter férias. E foi passar as festas de fim de ano em Camboriú.
“Foi um mal entendido”, afirma o pai, José Tadeu Martins, ex-jogador e atual técnico do Metropolitano, de Blumenau. “Diego voltou para se apresentar logo que vimos as notícias nos jornais”. Para o técnico do Metropolitano (que batizou Tardelli em homenagem ao ex-meia italiano, Marco Tardelli), jogaram uma carga de responsabilidade muito grande em cima de seu filho pela derrota da Copa São Paulo. Ele cita o episódio da suposta comemoração com os corintianos como exemplo disto. “Criticaram muito por ele ter tido uma atitude honrada, porém ingênua.”
Tardelli teria se encontrado com Abuda por acidente quando foi pagar a dívida da aposta que havia feito com o dono do bar. “Fui levar a camisa para pagar minha dívida em relação à Copa São Paulo. Cheguei com a minha namorada e não fiquei nem 15 minutos lá dentro.”
Apartamento do barulho
“Nem tudo o que falam sobre as minhas dívidas é verdade”, diz Tardelli. Segundo o são-paulino, ele teria, por exemplo, atrasado duas prestações do aluguel. “Agora ficam dizendo que estou devendo mais de 10 mil reais. É mentira”. O proprietário, José Roberto Rios, faz outras contas para justificar a ação de despejo que moveu contra o jogador. “O aluguel é de 1 400 reais, o condomínio é cerca de 400 reais. Seis meses de atraso somam mais de 10 mil reais”, afirma. “Isto fora algumas multas que ele também não pagou.”
Segundo a síndica do prédio, Mary Bernardes, as multas somam mais de 500 reais. A maioria por problemas de estacionamento. “Mas também houve várias reclamações que não viraram multas”, afirma. Entre elas, um rádio-relógio que despertava no último volume nas primeiras horas da manhã, quando Tardelli não estava em casa para desligar, e “forte mau cheiro” vindo do apartamento. “Ele respondia dizendo que a gente podia multar, pois tinha dinheiro”, diz a síndica.
O pai do jogador lamenta o episódio. Ele conta que chegou a pedir para o Ricardinho (com quem jogou no Paraná) e para o preparador físico Carlinhos Neves convencerem Tardelli a ficar no CT. “Lá, ele tem tudo que precisa por enquanto”, diz.
Agora, morando há quase um mês no CT do São Paulo, Tardelli diz que esta foi a melhor mudança que lhe aconteceu nos últimos tempos. A diretoria do clube decidiu adiantar o que o jogador precisa para quitar suas dívidas e ficar com a cabeça voltada exclusivamente para o futebol.
“Esse ano a torcida pode esperar um Diego Tardelli diferente”, afirma o jogador. Ele diz que se esforçará para trabalhar a disciplina e o profissionalismo em seu dia-a-dia. “As polêmicas já acabaram. Agora, serão só notícias boas”, diz. Será que ele consegue?
“Tráfico” de Toddynhos
Invasão do refeitório rendeu dispensa do Santos
Filho de pais separados, Tardelli morou com a avó materna, Dona Lola, dos dois aos 13 anos. “Ele matava aula pra jogar bola e ela ia atrás, para colocá-lo de castigo”, diz Victor Delfino, que morava na mesma rua que Diego.
Entre as brincadeiras preferidas de Tardelli, além do futebol, estava a de cavocar o desenho de uma caveira numa melancia e acender uma vela por dentro. Depois, deixava a fruta fantasmagórica na frente da casa de alguma senhora, batia palmas e se escondia para se divertir com os sustos das vizinhas.
Tardelli tinha nove anos quando soube que o ex-jogador André Cruz estava abrindo uma escola de futebol em Santa Bárbara d”Oeste. “Acho que a mensalidade era de 15 reais, mas não tínhamos condições de pagar”, afirma o jogador. Dona Lola foi até lá, conversou com os professores e conseguiu um teste para o neto. Diego se destacou e acabou ficando por três anos na escola de André Cruz, sem pagar nada.
Enquanto jogava na escolinha, Tardelli resolveu mexer nos cabelos pela primeira vez. Pintou-os de loiro como o ex-jogador Dinei fazia na época. Tardelli, que tinha 11 anos, acabou virando o Dinei da Vila Santa Terezinha. “Todo mundo só conhece ele por Dinei aqui em Santa Bárbara d”Oeste. Os jornais, quando davam os nomes dos artilheiros dos campeonatos, escreviam Dinei, mas era o Diego”, diz o amigo Victor Delfino.
Com 15 anos, “Dinei” foi jogar no time infantil do Santos, ao lado de Alex, Diego e cia. Foi dispensado após um campeonato regional em que invadiu o refeitório do alojamento de madrugada e pegou uma caixa de Toddynhos, que distribuiu entre o elenco. “Foi coisa de moleque; hoje sou diferente.”