Há 20 anos, morte de Serginho, do São Caetano, chocou o Brasil
Zagueiro do São Caetano desabou no gramado do Morumbi em tragédia semelhante à do uruguaio Izquierdo em agosto deste ano; texto de PLACAR da época citava possível legado
Em 27 de outubro de 2004, o futebol brasileiro sofreu um de seus maiores baques. Aos 14 minutos do segundo tempo da partida entre São Paulo e São Caetano pelo Brasileirão, o zagueiro Serginho, do Azulão, desabou no gramado do Morumbi. Minutos depois, foi declarado morto, aos 30 anos, com uma parada cardiorrespiratória.
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A trágica perda chocou o Brasil e provocou mudanças nas exigências de exames e protocolos de atendimento. Por ironia do destino, o estádio tricolor voltou a ser palco de um incidente cardíaco fatal em 2024, com a morte de Juan Izquierdo, defensor do Nacional, do Uruguai.
Durante cerca de cinco minutos, Serginho foi atendido dentro de campo antes de ser levado de ambulância até o centro médico do próprio estádio e, posteriormente, ao Hospital São Luiz, onde chegou com vida, mas teve a morte confirmada.
Serginho foi um dos grandes nomes do São Caetano, time do ABC Paulista que se tornou sensação do futebol nacional no início dos anos 2000. Natural de Vitória (ES), Paulo Sérgio de Oliveira Silva começou a carreira no Social, de Coronel Fabriciano, em Minas Gerais.
Antes de viver o melhor momento da carreira, rodou por diversos clubes como Ipatinga-MG, Patrocinense-MG, Araçatuba, Democrata-MG, Mogi Mirim. Sua maior conquista no futebol veio meses antes da partida, com a conquista do Campeonato Paulista de 2004, na equipe dirigida por Muricy Ramalho.
Na edição de dezembro de 2004, PLACAR detalhou o caso de Serginho e qual legado a tragédia poderia deixar. O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos arquivos, reproduz o texto abaixo:
Com o coração na mão
De repente, a tragédia. A morte do zagueiro Serginho no gramado do Morumbi trouxe uma onda de preocupação no futebol brasileiro. Nossos jogadores estão com os exames em dia? Qual é o risco de um novo acidente?
Sérgio Xavier Filho Altair Santos
A morte ao vivo e a cores é sempre pior. Os torcedores que estavam no Morumbi e os telespectadores que viram a cena na noite de 27 de outubro sabem disso. Quando se vê um zagueirão dando bicos na bola e no minuto seguinte ele está imóvel, a bordo de um carrinho, percebe-se a fragilidade do ser humano. A morte de Paulo Sérgio de Oliveira Silva, 30 anos, não foi apenas uma tragédia particular de sua família. Companheiros e ex-colegas de Serginho no São Caetano entraram em desespero com a perda do amigo. E o abalo que o acidente gerou no futebol brasileiro como um todo não foi desprezível. Em poucos dias, aprendemos sobre a importância de um aparelho chamado desfibrilador, descobrimos como são importantes exames periódicos para atletas de ponta (e de fim-de-semana também). Muitas perguntas ficaram no ar. Placar foi atrás de médicos, jogadores, dirigentes e preparadores físicos para tentar responder às questões.
Qual a chance de termos mais “Serginhos” desabando em campo?
Agora bem menor do que antes. Os clubes ficaram duplamente espertos. Primeiro porque descobriram como é importante se cercar com exames periódicos de seus jogadores. E dois exames básicos bastam: um teste ergométrico de esteira (que descobre arritmias e alterações do ritmo do coração) e um ecocardiograma (que estuda válvulas e espessura das paredes cardíacas). Praticamente todos os problemas cardíacos aparecem em um desses dois exames. Outro fator importante para evitar “casos Serginhos” é que os clubes passaram a levar mais a sério os resultados de check ups, mesmo que as chances de tragédias sejam remotas. Não foi por acaso que os volantes Bebeto Campos (Paysandu) e Emerson (Grêmio) foram afastados dos gramados depois que os dois clubes constataram problemas nos seus exames.
O São Caetano fez tudo o que podia por Serginho?
Não. Competente e organizado, o clube do ABC Paulista não vem alcançando nos últimos anos grandes resultados à toa. Contrata bem, paga em dia, costuma dar boas condições de trabalho aos seus funcionários. A bateria de exames que o clube realizou em 11 de fevereiro com seus jogadores é uma prova disso. No Instituto do Coração, em São Paulo, todos passaram por testes ergométricos e por ecocardiogramas. O resultado de Serginho preocupou. Arritmias não são normais e recomendam exames mais profundos. O São Caetano decidiu investigar mais e descobriu, com uma cintilografia e um cateterismo, que o coração do jogador estava dilatado e batia em ritmo desordenado. A competência do clube acaba aqui. Os médicos ouvidos por Placar são unânimes em dizer que o atleta não poderia seguir jogando profissionalmente. O clube lavou as mãos e deixou a decisão de jogar ou parar com Serginho. Colegas como o goleiro Sílvio Luiz contam que o zagueiro comentava que o risco de acontecer algo era de “apenas” 1%. O número parece desprezível, mas cardiologistas o qualificam como uma “enormidade”. Mesmo que Serginho assumisse tudo, pelas leis trabalhistas o empregador tem culpa no cartório quando sabe do risco que seu funcionário corre.
Washington deveria parar de jogar futebol?
Pergunta difícil, os próprios médicos se dividem quanto à resposta. O atacante do Atlético-PR teve obstruções sérias de artérias no coração e colocou stents (molinhas que impedem que a artéria se feche). Uma corrente da medicina acredita que pacientes como Washington não deveriam praticar esporte de competição depois disso. Outros, como o médico argentino Constantin Constantini (que trata o jogador), acham que é possível. O jogador foi avisado dos riscos e realiza exames periódicos. O clube carrega no banco de reservas um desfibrilador e preparou até jogadores para agir em emergências. É um caso diferente do jogador do São Caetano. Washington não tem arritmias, está teoricamente curado. Mas nem por isso deixa de ser polêmico. Tão polêmico que o próprio jogador sentiu o golpe. Em Goiânia, onde estava com a delegação do Atlético-PR no dia da morte de Serginho, Washington entrou em pânico. Ele chorou e só foi tranqüilizado quando falou por telefone com o cardiologista Constantin Constantini. O atacante decidiu não falar sobre o caso Serginho e foi blindado pelo clube. Um dos defensores da blindagem foi o técnico Levir Culpi. “A imprensa está neurótica com esta história do Serginho e tenta desestabilizar o Washington”, disse aos gritos o técnico. A presença do Washington no programa Jô Soares, segunda-feira (8/11), se deu mediante um pacto com a produção do programa para que não se perguntasse nada sobre o caso Serginho. O apresentador fez uma única pergunta sobre o zagueiro do São Caetano, Washington tirou o corpo e a entrevista seguiu em frente.
O atendimento de emergência em Serginho foi bem executado?
Sim e não. O início foi perfeito. O goleiro Sílvio Luiz rapidamente diagnosticou a gravidade do caso e chamou os médicos. Em cerca de 30 segundos, o zagueiro já estava sendo atendido. O médico do São Caetano, Paulo Forte, também foi rápido para iniciar a respiração boca-a-boca combinada com a massagem cardíaca. Aí, faltou um entendimento melhor do que é procedimento de emergência. O conceito moderno de primeiros socorros recomenda que o paciente só seja removido depois de reestabelecidas as funções vitais. Serginho não deveria ter sido levado ao ambulatório do Morumbi, mas um desfibrilador deveria ter chegado até o jogador. Três minutos após a parada cardiorespiratória, o jogador recebeu o primeiro choque elétrico. Muito tempo, segundo os médicos. É verdade que o caso de Serginho era gravíssimo, mesmo que houvesse um desfibrilador ao lado do campo. Mas as chances ao menos seriam um pouco maiores.
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