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Há 15 anos, Tite chegava ao Inter com missão de administrar vaidades do elenco

Técnico comandou o Colorado nos títulos do Gauchão e da Sul-Americana; agora, objetivo é recolocar o Flamengo das estrelas no caminho das vitórias

O Flamengo anunciou na última segunda-feira, 9, Adenor Leonardo Bachi, o Tite, como novo comandante. Há 15 anos, o técnico chegava ao Internacional com o compromisso de reconstruir uma equipe campeã da Libertadores duas temporadas antes. O principal objetivo do treinador gaúcho, além do campo, era administrar as vaidades do elenco colorado – missão muito próxima a atual. Em outubro de 2008, PLACAR destacava na edição 1323 a dura missão dele para desempacar o Inter.

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Depois do título da Libertadores de 2006 e da Recopa Sul-Americana de 2007, o Internacional saiu dos trilhos. A equipe gaúcha buscou soluções com Alexandre Gallo e até apelou ao retorno de Abel Braga, mas quem apagou o incêndio e recolocou o Colorado no caminho dos títulos foi o atual treinador flamenguista.

Na publicação, PLACAR trazia cinco lições essenciais para Adenor ter sucesso em sua missão. Desde o aspecto financeiro, movimentações no mercado de transferências, aproveitar a estrutura da equipe a até mesmo administrar um elenco estrelado e vitorioso.

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O trabalho no Inter durou pouco mais de um ano e rendeu o título do Campeonato Gaúcho e da Sul-Americana. Também seria o início de um projeto que resultaria no título da Libertadores de 2010 sob o comando de Celso Roth.

D'Alessandro, Nilmar, Alex e Daniel Carvalho formam o novo quarteto estrelado do Inter - Edison Vara/PLACAR
D’Alessandro, Nilmar, Alex e Daniel Carvalho formavam o novo quarteto estrelado do Inter – Edison Vara/PLACAR

Confira a matéria na íntegra:

DEMOROU!

Salários em dia, um dos melhores elencos do país… mesmo assim, o Inter já gastou alguns milhões de reais e praticamente dois anos tentando desempacar. Onde errou?

Por Sérgio Xavier Filho

LIÇÃO Nº 1: A TORRE DE ABEL

Está nas escrituras do futebol: quando um técnico chega ao topo, o melhor para ele e para o clube é pedir o boné e sair na alta. Inebriado com a conquista do Mundial Interclubes em 2006, Abel Braga contrariou essa lei universal da bola. Ficou no Beira-Rio e foi perdendo às competições que apareceram pela frente. Na Libertadores de 2007, eliminação na primeira fase. Fracasso no Gauchão — e só aí houve um pedido de demissão. Veio Alexandre Gallo, um técnico sem tarimba para tourear um elenco campeão do mundo. A diretoria cometeu outro erro: recontratou Abel, que não conseguiu classificação para a Libertadores de 2008 e botou no lixo uma Copa do Brasil bem encaminhada este ano. Tite só estreou em junho.

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O problema de chegar ao fim de uma viagem é não ter motivação para encarar de novo a poeira do trajeto. Abel, 20 poucos, perdeu o comando de um grupo que se fortaleceu com o título mundial. Os jogadores que venceram o Barcelona se tornaram deuses em Porto Alegre. Como sacar um titular imortal como Clemer, mesmo que Renan pedisse passagem? E assim foi com Iarley, Adriano Gabiru, Fernandão, Índio, todos protagonistas do Mundial. À diretoria honrou o compromisso de segurar os heróis, inclusive Abel. O emocional ganhou do racional. A renovação do time não veio no momento certo. Iarley só saiu em junho, e deixou o Beira-Rio magoado. Fernandão, com evidentes limitações físicas, e Abel só partiram porque apareceram propostas do Oriente Médio. A natureza fez o que a diretoria deveria ter feito antes.

LIÇÃO Nº 2: COLORADO CANSADO

No princípio, parecia coincidência. O Inter de 2008 fazia bons primeiros tempos e etapas complementares lamentáveis. Vários jogos foram perdidos nos últimos minutos, como nos 3 x 1 do Sport na Copa do Brasil. A diretoria pode ter sua parcela de culpa, por enfiar a Copa Dubai no meio da pré-temporada da equipe. O Inter venceu a Internazionale na final, e o marketing deu ao torneio amistoso um peso de conquista planetária. Mas o fato é que a preparação física para a temporada virou prioridade secundária. Sem a mesma gana dos técnicos em busca de afirmação, Abel Braga também relaxou. Os treinos de dois turnos eram, por vezes, substituídos por uma única sessão diária. Como a maior parte das contratações chegou fora de forma, o Inter virou um time de casados no segundo tempo dos jogos. Contra o Flamengo, no Beira-Rio, foi constrangedor. Amassou o rubro-negro no primeiro tempo e passou a segunda etapa arrastando a língua no gramado. Sofreu o empate. O preparador físico do Fluminense, Fabio Mahseredjian, um dos melhores do país, foi contratado. Mas avisou, ao constatar que cada jogador estava num estádio de preparação física: precisaria de dois meses para botá-los na linha.

LIÇÃO Nº 3: COMPRAR, COMPRAR…

O Inter só chegou aonde chegou pelo planejamento. Assim a Libertadores foi conquistada, assim o caneco mundial aterrissou no Beira-Rio, À perspectiva de entrar o ano do centenário sem a Libertadores provocou um desespero incomum no Inter. Às quase sempre bem estudadas contratações foram feitas no afogadilho. Para o lugar de Fernandão, vieram jogadores caros: D’Alessandro e Daniel Carvalho. O argentino veio em uma negociação complicada. Por isso chegou atrasado, perdeu os prazos de inscrição no campeonato e só pôde estrear na 20º rodada. Daniel Carvalho veio em condições ainda mais “especiais”. Renovou por um ano e meio com o CSKA, da Rússia, sem exigir reajuste salarial. Em troca, passaria um semestre no Beira-Rio. O Inter gastou só 20000 dólares pelo empréstimo, mas em salários arcou com mais de 1 milhão de dólares. Um dinheiro bem gasto, não fosse por um detalhe: Daniel chegou com vários quilos a mais. Mesmo com o peso ideal, sua entrada não seria automática. À gordura vai embora, mas a transformação em massa muscular é lenta. Daniel estaria apto a disputar poucas partidas este ano. Por isso o São Paulo desistiu dele e trouxe André Lima.

A perspectiva de perder Guiñazu também fez o Inter se atirar às compras. Trouxe, na pressa, o ex-corintiano Rosinei. Uma aposta ousada. Se
Guiñazu marca como volante e arma como meia, pode-se dizer que Rosinei marca como meia e arma como volante. A sorte é que o incansável argentino ficou. Guiñazu recebeu um reajuste salarial e, aparentemente, não confiou na proposta do Al-Jazira, clube de Abel Braga. No dia em que se preparava para sua despedida, no Maracanã, contra o Fluminense, comunicou à diretoria que queria ficar. E fez uma partida magistral na vitória colorada por 2×1.

LIÇÃO Nº 4: CELEIRO DE VAIDADES

Há vantagens evidentes de se formar um grupo qualificado de jogadores. O Inter fez isso: são 11 titulares e muitos reservas em condições de entrar no time e não sair mais. A desvantagem é ter que administrar as inevitáveis vaidades. Eis o desafio de Tite e de toda a diretoria. Alguns casos são particularmente complicados. O do volante Magrão, por exemplo. Jogador importante na saída de bola colorada e fundamental na bola aérea, Magrão deu uma “encrencada” quando foi sacado do time. Não chegou a armar grandes confusões, mas deu pequenas espetadas na comissão técnica, até porque tem respaldo das torcidas organizadas, de quem é amigo. Em treinos, passou a reclamar da “arbitragem” do auxiliar-técnico Cléber Xavier, deu declarações atravessadas, comemorou o gol contra a Portuguesa abraçando Bolívar no banco de reservas, justamente um outro preterido pelo técnico. É tido como daqueles garotos levados que, do fundo da classe, acertam a professora com um estilingue de borracha. Quem mais perdeu com esse comportamento foi o Inter. Como esquecer o jogo contra o Santos, quando Magrão estava afastado? Naquela partida, Tite precisou escalar três garotos saídos das fraldas, Guto, Valter e Taison. Deu no que deu. Derrota em casa para um Santos que caía pelas tabelas.

Aliás, Bolívar é outro retrato das vaidades coloradas. O campeão da Libertadores de 2006 foi contratado para ser lateral-direito em um elenco sem jogadores qualificados para a posição e com excesso de zagueiros. E não é que Bolívar empacou? Saiu do Brasil para jogar no futebol francês como beque e assim pretende continuar. A comissão técnica até tentou convencê-lo de que poderia ser um lateral mais recuado, quase um terceiro zagueiro, liberando o lateral-esquerdo, mas não colou. A resistência bolivariana provocou a entrada no time do lateral de ofício Ricardo Lopes, considerado pela própria diretoria um jogador abaixo da linha mínima de qualidade do clube.

Daniel Carvalho é outro campeão de caras feias. Chegou com status de ídolo, mas a má condição física o jogou para o banco de reservas. Mostrou os punhos para imprensa e disse que não estava acima do peso. As evidências da silhueta, porém, eram mais fortes. E, a cada jogo que fica no banco e não entra, é uma rosnadinha para a comissão técnica. Foi assim na vitória colorada no Engenhão contra o Botafogo, por exemplo…

LIÇÃO Nº 5: A VIRADA DE US$10 MILHÕES

As estimativas levam em conta direitos de televisão, aumento do quadro social, receitas de marketing. Se o Inter se classificar para a Libertadores de 2009, cerca de 10 milhões de dólares entrarão em seus cofres, dinheiro que parecia certo no início do campeonato. Dirigentes colorados sabem que é possível conquistar a vaga, sobretudo com a melhora da preparação física de D’Alessandro, Daniel Carvalho e Gustavo Nery, principalmente. A permanência de Nilmar, Alex e Guiñazu foi, em parte, viabilizada pela venda de Renan. A diretoria sabe, porém, que não basta fazer uma campanha consistente. Apareceram candidatos fortes à Libertadores — Grêmio, Palmeiras, Cruzeiro, Botafogo, São Paulo, Flamengo, Vitória e Coritiba. É muita gente para secar. O fato é que o Inter segue tendo um elenco qualificado, deu legitimidade ao técnico, tem as contas em ordem. Pode dar a volta por cima, mas precisará daquele mesmo componente que sobrou na decisão do Mundial Interclubes em 2006: uma pitada de sorte.

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