Em 2001, lesão frustrou ida ao Dortmund e manteve Luizão no Corinthians
À PLACAR, ídolo do Timão contou o drama para superar cirurgia no joelho; meses depois, levaria o Brasil à Copa e conquistaria o penta na Ásia
O Corinthians negocia atualmente com o zagueiro Luizão, do West Ham. O apelido traz ótimas lembranças para a torcida alvinegra. Entre o fim dos anos 90 e início dos 2000, Luiz Carlos Goulart, o filho mais famoso de Rubinéia (SP), fez história no Parque São Jorge – e foi figurinha carimbada nas páginas de PLACAR.
Bicampeão paulista (1999 e 2001), campeão brasileiro (1999) e mundial (2000), Luizão marcou 76 gols em 109 jogos pelo Timão, e é um dos grandes ídolos da história do clube, apesar de também ter brilhado por diversos rivais. Na virada do século, o artilheiro viveu um grande drama, mas que o manteve em sintonia com a fiel.
No dia 8 de abril de 2001, o Corinthians venceu a Portuguesa por 5 x 2 pelo Paulistão. No segundo tempo, Luizão dividiu uma bola com Irênio e sentiu o joelho direito. Tentou continuar em campo, mas logo pediu substituição. Dois dias depois, saiu o diagnóstico: ruptura do ligamento cruzado anterior e lesão num menisco lateral do joelho direito.
Na época, Luizão já tinha um acerto com o Borussia Dortmund, que se sagraria campeão alemão na temporada 2001/2002. Ele não escondia o sonho de atuar na Europa e conseguir sua independência financeira, aos 25 anos. A lesão não frustrou apenas este plano, mas também adiou sua lua-de-mel, em meio a fisioterapia e toda a corrida contra o tempo para se recuperar.
Em outubro de 2001, PLACAR colocou Luizão em um varal e estampou na capa o quanto ele estava “seco para jogar”. A volta saiu melhor do que a encomenda. Em novembro daquele ano, Luizão marcou os dois gols contra a Venezuela que garantiram a vaga da seleção brasileira na Copa do Mundo de 2002. Cheio de moral com Felipão, esteve no grupo que conquistou o penta na Ásia. E pôde realizar seu sonho de jogar na Alemanha, pelo Hertha Berlim, ainda que sem grande sucesso.
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos arquivos, reproduz o texto de 02/10/2001, na íntegra:
Tô seco para jogar
Luizão, que nem na lua-de-mel tirou a camisa do Timão, está pronto para ajudar na reabilitação do time no Campeonato Brasileiro
Por Fabio Volpe
Luizão nunca salvou alguém na vida, nem na represa de sua Rubinéia, onde esporadicamente alguém se afogava. Mesmo assim, foi eleito o salvador do Corinthians neste Brasileirão. Após a derrota por 3 x 2 para o Atlético Paranaense, o atacante ligou para Roberson Ribeiro, o Gordo, um velho amigo de infância. No meio da conversa, Roberson provocou: “Você é largo, hein, Luizão! Agora que o time perdeu vão querer você de volta no próximo jogo de todo jeito.”
O Gordo está certo. Com um elenco cheio de promessas inexperientes, o Corinthians não embala no Brasileiro. A volta de Luizão é encarada pela comissão técnica, os jogadores e a torcida como a salvação para evitar mais um ano de fiasco no campeonato nacional. A perspectiva de entrar num time que patina no 15º lugar na tabela não incomoda o jogador: “Eu tô louco pra voltar, o momento do time não importa.”
Tanta disposição se justifica. Sua última partida foi no dia 8 de abril, quando o Corinthians venceu a Portuguesa por 5 x 2 pelo Campeonato Paulista. Luizão fez um gol no primeiro tempo, mas na metade do segundo, ao dividir uma bola com o meia Irênio, rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito.
O diagnóstico foi duro: oito a nove meses de molho. Porém, antes do próximo dia 8, quando completaria seis meses parado, ele já terá voltado a jogar.
“Universalmente, a recuperação é de cerca de oito meses, mas cada jogador reage de um jeito. O Raí precisou de mais de um ano, o Leandro (ex-Portuguesa e hoje no Grêmio) só cinco meses”, afirma Joaquim Grava, médico do Corinthians. Visivelmente irritado com as indagações sobre o rápido retorno do atacante, Grava explica que a evolução clínica de Luizão foi perfeita: “Não houve intercorrências, ou seja, inchaços e infecções, depois da cirurgia. Por isso, a partir do quarto mês, ele já estava clinicamente liberado para retornar aos treinamentos.”
A antecipação da volta, é claro, deixou o jogador satisfeito, mas não apagou os prejuízos que ele teve. Quando se machucou, Luizão estava muito perto de ir para o Borussia Dortmund, da Alemanha.
No final de março, antes da lesão e de começarem a vazar notícias sobre a transferência para o exterior, ele revelou a PLACAR: “É o momento de fazer o contrato da minha vida, que me dê garantia para depois que parar de jogar.” Após a lesão, os alemães desistiram do negócio ” que, especula-se, renderia cerca de 15 milhões de dólares ao Corinthians e 6 milhões de dólares ao jogador ” e Luizão, aos 25 anos, perdeu a chance de fazer sua aposentadoria.
Dias antes do jogo contra a Portuguesa, o Corinthians fez um seguro para protegê-lo de qualquer fatalidade que pudesse melar a transação com o Borussia. Protegê-lo em termos. “O seguro não valia porra nenhuma. Era só se eu ficasse inválido”, diz o jogador, que, no entanto, não mostra arrependimento: “Joguei aquela partida porque quis.”
Não bastasse a perda financeira, o atacante também viu o Japão e a Coréia ficarem ainda mais distantes do que estão no mapa. O nome de Luizão estava na última lista de convocados para a Seleção antes da lesão ” para o jogo contra o Equador pelas Eliminatórias. Agora, terá que começar da estaca zero a luta por um lugar no grupo que irá, se Deus quiser e Felipão for capaz, à próxima Copa.
Lua-de-mel cancelada
Nem tudo nesse período, porém, foi prejuízo. Luizão aproveitou para matar um pouco a saudade da família e dos amigos que ainda vivem em Rubinéia, além de voltar a saber o que é um final de semana. “Desde os 16 anos nunca tive uma folga. Foi bom poder planejar o que fazer num fim-de-semana.” O programa mais comum foi encarar os quase 700 quilômetros de viagem entre São Paulo e Rubinéia no seu Mercedes ML 430, avaliado em cerca de 100 mil dólares. Na cidade, aproveitava para pescar, cavalgar, andar de jet ski e, é claro, freqüentar o Angico, restaurante do velho amigo Gordo. “Dou prejuízo, ele não deixa eu pagar”, diz o jogador. Se às custas do amigo, Luizão matou a saudade das moquecas de pintado que tanto aprecia, na casa dos pais saboreou à vontade o frango caipira preparado pela mãe, dona Jesuína.
Foi em Rubinéia também que Luizão aproveitou a folga forçada para mudar de time nos rachões entre casados e solteiros. No dia 30 de agosto, uma sexta-feira, casou-se com a noiva Mariana no cartório da cidade. A festa do civil foi humilde, no sítio que o jogador tem às margens da represa da cidade, com direito a churrasco comandado por seu Cidão, pai do atacante. No dia seguinte, porém, o casamento religioso foi mais suntuoso e teve que ser realizado num município vizinho, Santa Fé do Sul. “Na igreja de Rubinéia não cabiam todos os convidados”, afirma o amigo Gordo, padrinho de Luizão na cerimônia, em dupla com a empresária e ex-jogadora de basquete Hortência.
O fato de não estar atuando, entretanto, não facilitou muita a vida do jogador na hora da lua-de-mel, eterno problema para os boleiros que se casam. Já na reta final de sua recuperação, ele precisou convencer a mulher a adiar qualquer plano de viagem: “Não deu, eu tive que vir treinar já na segunda-feira.”
Valeu a pena, pelo menos se o objetivo principal de Luizão era mesmo antecipar seu retorno ao Corinthians. No planejamento que fez, a data para a reestréia era a partida contra o Guarani, neste domingo. A certeza de que a volta aconteceria nesse jogo era tão grande que até a família Goulart se programou para isso. “Vou para São Paulo no final de semana e até já estou matando uns frangos para a gente comemorar o primeiro gol dele”, afirmou o pai do atacante no último dia 24.
Chega de prejuízo
Um retorno contra o Guarani seria simbólico. Afinal, foi no Brinco de Ouro que Luizão começou a jogar bola. Além de treinar e morar nos alojamentos do clube, ele chegou a ser gandula por três anos, o que ajudava a bancar suas despesas: “Ganhava uma graninha que dava pelo menos para comer um lanche à noite.”
No Guarani ficou até o final de 1995, quando se transferiu para o Palmeiras. Por muito pouco, porém, não desembarcou no Parque São Jorge quatro anos antes do que ocorreu em 1999. E por 5 milhões de dólares a menos.
“Eu estava negociado com o Corinthians. Eu e o Fábio Augusto”, diz o atacante, que em seguida explica porque a transação não saiu: “O que chegou para mim é que falaram no Corinthians que eu usava drogas, que ia tumultuar o ambiente do clube.” Luizão diz não saber quem espalhou a história, mas, sincero, confirma que na época, perto dos 20 anos, gostava de sair muito à noite e tomar sua cervejinha, o que pode ter facilitado o surgimento de versões mais apimentadas sobre suas baladas noturnas.
Eduardo Amorim, técnico do Corinthians em 1995, confirma que circulavam esses boatos, mas diz que o negócio não saiu porque o Guarani pediu muito pelo atacante. Como não é chegado a lamentações, Luizão conclui: “Foi melhor pra mim, porque o Corinthians estava mal e o Palmeiras fez sucesso no Paulista de 1996. Quem perdeu foi o Corinthians: iam pagar 3 milhões de dólares e depois (em 1999) pagaram 7,8 milhões.”
Para o corintiano, essa perda importa tão pouco quanto o dinheiro que não veio do Borussia. Valioso mesmo é saber se Luizão voltará com a precisão que tinha até a fatídica partida contra a Portuguesa. Dúvida que só os próximos jogos, e principalmente os gols, irão responder.
Da lesão ao retorno
PLACAR acompanhou os cinco meses e meio de recuperação de Luizão
O dia fatídico
No dia 8 de abril, o Corinthians venceu a Portuguesa por 5 x 2 pelo Paulistão. No segundo tempo, Luizão dividiu uma bola com Irênio e sentiu o joelho direito. Tentou continuar em campo, mas logo pediu substituição. Só dois dias depois, saiu o diagnóstico: ruptura do ligamento cruzado anterior e lesão num menisco lateral do joelho direito. Dia 19 de abril, submeteu-se a uma cirurgia de uma hora no Hospital São Luiz.
Hora de malhar
Dois dias após a cirurgia, Luizão iniciou a fisioterapia. Foi a etapa mais longa do processo de recuperação. Foram três meses de trabalho para fortalecer a musculatura da perna direita, com muita bicicleta ergométrica e exercícios com peso. O não aparecimento de inchaços ou infecções no joelho operado durante esse período foi fundamental para sua rápida recuperação.
Volta ao campo
Em meados de julho, Luizão foi liberado para trabalhar no campo. Essa etapa durou um mês e meio. Ao mesmo tempo em que melhorava sua condição física, voltando a correr no gramado, o atacante passou a fazer trabalhos para recuperar a coordenação motora e a explosão muscular. Foram vários dias de exercícios de piques, giros de corpo e a volta ao contato com a bola, treinando passes e chutes.
Reta final
A partir do começo de setembro, os últimos retoques. Luizão disputou coletivos com juvenis e os juniores do clube. No último dia 21, jogou o primeiro tempo do treino entre titulares e reservas do Corinthians B, da sexta divisão paulista. No time reserva, Luizão abriu o placar aos 12 minutos com um golaço: no mano a mano com um zagueiro, ganhou na corrida e emendou no ângulo do goleiro. Melhor sinal de que retornará bem, impossível.
Luizão
Luiz Carlos Goulart
Nascimento: 14/11/1975, em Rubinéia (SP)
Onde mora: Numa cobertura no Sumaré, bairro de classe média em São Paulo
Programas favoritos: Jantar no restaurante espanhol Don Curro, em São Paulo; pescar, cavalgar e andar de jet ski no sítio de Rubinéia, à beira da represa formada pela barragem de Ilha Solteira
Apelidos: Tuíca, quando criança; Sapão, no Corinthians (invenção de Paulo Nunes)