Pesquisa da Convocados e OutField revelou faturamento inédito na Série A, aumento expressivo das dívidas e dependência cada vez maior da venda de atletas
O futebol brasileiro vive um paradoxo. De um lado, a indústria nunca faturou tanto. Do outro, alguns clubes seguem gastando mais do que arrecadam e acumulando dívidas que colocam em risco a sustentabilidade do setor. É o que revela o Relatório Convocados 2025, produzido pela Convocados Gestora de Ativos de Futebol em parceria com a OutField Inc., com patrocínio da Galapagos Capital, que nesta segunda-feira, 2, chegou à sua 16ª edição.
O levantamento sobre finanças e negócios do futebol no Brasil mostra que, em 2024, os clubes da Série A faturaram R$10,2 bilhões, um crescimento real de 10% em relação ao ano anterior. Apesar do número expressivo, o crescimento das chamadas receitas recorrentes, aquelas que não incluem a venda de atletas, foi de apenas 4%, o que evidencia que a operação dos clubes segue altamente dependente de negociações no mercado de transferências para fechar as contas.
As despesas continuam crescendo acima das receitas operacionais, o que levou os clubes a registrarem um resultado negativo acumulado de R$283 milhões no ano. Além disso, o endividamento total disparou, alcançando a marca de R$14,6 bilhões – um aumento de 23% em relação a 2023. Desse total, as chamadas dívidas operacionais, que incluem salários e contratações, cresceram 37%, chegando a R$6,3 bilhões.
“O futebol brasileiro vive uma contradição. Crescemos em faturamento, vemos um mercado mais profissional e com mais investidores olhando para o setor, mas seguimos operando com risco elevado. A dependência da venda de atletas para fechar as contas é um sinal claro de que a operação recorrente dos clubes não se sustenta. É um modelo que cresce, mas cresce no limite”, analisa Cesar Grafietti, economista responsável pelo estudo.
O cenário também é impulsionado por uma explosão nos investimentos em contratações, que somaram R$3,4 bilhões em 2024, o dobro do que foi registrado no ano anterior. Ao mesmo tempo, as despesas financeiras representaram um peso significativo na gestão dos clubes. Só o Corinthians, por exemplo, gastou com juros o equivalente à 14ª maior receita da Série A, seguido pelo Atlético-MG, que pagou em juros um valor correspondente à 16ª maior receita da liga.
A concentração dos resultados também chama atenção: Palmeiras, Fluminense, Corinthians e Athletico Paranaense foram responsáveis por mais da metade de todo o valor arrecadado com transferências em 2024. E do lado das dívidas, Corinthians e Atlético-MG encerraram o ano com R$2,3 bilhões cada, liderando o ranking negativo.
“Estamos vivendo um processo de transformação radical no futebol brasileiro, tendo um mercado que vem olhando mais para produto e consequentemente faturando mais. No entanto, alguns clubes também vem cometendo deslizes e trocando o futuro pelo presente, gastando excessivamente para ganhar hoje. É preciso entender que não há crescimento sustentável se os clubes não mudarem sua relação com a gestão financeira”, afirma Pedro Oliveira, cofundador da OutField. “O futebol brasileiro precisa de uma mudança real de cultura de gestão, governança e disciplina financeira”, completa o executivo.
Outro ponto que ganha destaque no relatório é a consolidação das casas de aposta como uma das principais fontes de receita do setor, o equivalente a 7% da receita total da Série A. Em 2024, as famosas Bets injetaram cerca de R$580 milhões nos clubes, número que deve saltar para R$1 bilhão em 2025, mostrando uma consolidação do setor após a regulamentação das casas de apostas no Brasil.
Para a Galapagos Capital, que tem acompanhado de perto os movimentos financeiros dos clubes, o recado que os números trazem é claro. “O futebol brasileiro precisa ser gerido exatamente como aquilo que é: uma indústria bilionária. É um setor importante da economia que pode ter um crescimento expressivo e sustentável – bastam os clubes encararem a gestão financeira como prioridade. É hora de deixar o imediatismo de lado e adotar práticas de governança e responsabilidade para garantir o futuro do esporte no país”, avalia Andrea Di Sarno, sócio da Galapagos Capital.
O Relatório Convocados 2025 também reforça que quase metade dos clubes da Série A operaram no prejuízo no ano passado, e 11 deles estão em condições financeiras consideradas de alto risco. “O futebol brasileiro vive hoje uma encruzilhada. A indústria cresce, atrai investimentos, mas se não houver uma mudança real na forma como se controla custos e equilibra receitas e despesas, o crescimento pode virar um problema, não uma solução”, conclui Grafietti.