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Vanderlei Luxemburgo: ‘Nunca tive medo de ousar’

O treinador de 66 anos se considera um vanguardista da modernidade no futebol e destaca a importância de ter uma comissão técnica multidisciplinar

Vanderlei Luxemburgo dispensa a modéstia ao falar sobre as novidades que implementou no esporte a partir da década de 90. “Isso aí fui eu quem trouxe” é uma frase que repetiu algumas vezes ao longo da conversa sobre o crescimento e a importância dos departamentos de futebol. O treinador de 66 anos, sem clube desde que deixou o Sport em outubro de 2017, credita boa parte de seu sucesso – só do Brasileirão, acumulou seis títulos – ao que chama de vanguardismo.

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A ousadia, de fato, foi uma das marcas do treinador com passagens por grandes clubes do país, além da seleção brasileira e do Real Madrid. Em seu auge, vestindo seus indefectíveis ternos (que também viraram moda entre os técnicos), Luxemburgo surpreendeu os adversários com novas tecnologias e o auxílio de profissionais pouco usuais até então, como psicólogos e fisiologistas. Na entrevista abaixo, ele relembra suas inovações, como o célebre ponto eletrônico – que, assim que descoberto, foi proibido – e sugere uma readequação nas comissões.

Quando despertou seu interesse pelo trabalho de outros profissionais da comissão? Foi no Flamengo, quando eu ainda jogava. O Zico era muito magro e foi feito um trabalho especial de fortalecimento para ele. Na época, foi algo revolucionário. Hoje haveria adaptações para que ele ganhasse massa muscular de forma mais equilibrada. Mas foi aquele trabalho que o transformou num atleta. Eu estudava educação física e o trabalho com o Zico me chamou muita atenção.

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E, como treinador, isso se transformou numa marca… Sim, vi a necessidade de desenvolver essa estrutura junto ao time, porque o futebol é um grande negócio. Temos de dar a melhor condição para a nossa matéria-prima, o corpo do jogador, e é preciso ter uma comissão técnica multidisciplinar. Sempre pesquisei, li muito, sempre em busca de novidade. Não tinha medo de ousar.

Luxemburgo e o preparador físico Antônio Mello Alexandre Battibugli/Placar

O senhor foi criticado pelo excesso de profissionais… Sim, falavam muito da “patota do Luxemburgo”, mas não existia nada disso. Era uma comissão técnica multidisciplinar e de excelência, porque os clubes não tinham estrutura nem mão-de-obra especializada. O tempo passou e isso foi criando corpo. Alguns jornalistas diziam que levava amigos, mas era um conceito de futebol. Hoje todos os clubes têm comissão completa. Trouxe todas essas “novidades” ao futebol.

Outra novidade sua foi o trabalho psicológico… Já havia psicólogos nos clubes, mas levei o profissional mais para dentro do ambiente. O trabalho psicológico em grupo não dava muito resultado, mas o individual dava melhores resultados. Num grupo, o grande motivador é o treinador. O psicólogo traça o perfil do grupo e de cada um dos atletas, e passa para ao treinador as informações de como se devo lidar e encaixar cada peça.

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Quem tinha a maior resistência a esse trabalho, jogador ou dirigente? A imprensa. Os jogadores adoravam essas novidades, eles se sentiam melhores, mais bem preparados. Talvez em relação ao psicólogo havia certa resistência, alguns falavam que era bobagem. Mas a capacidade do profissional quebrava essa resistência na terapia individual.

Dá para existir um time de alta performance sem toda essa estrutura? Isso é interessante. Hoje tem muita tecnologia, computador, todos os profissionais… Mas o vestiário é sagrado. Todos devem trabalhar no centro de treinamento, como em uma fábrica. Na hora do jogo, é com o atleta e a comissão técnica. Hoje tem muita gente dentro do vestiário e do campo de jogo. Por exemplo, analista de desempenho não precisa estar dentro do vestiário. A análise dele é pré e pós-jogo. Fisiologista não precisa estar no vestiário – o lugar é para técnico, preparador, assistente, jogador e roupeiro.

Então há gente demais? Há uma certa confusão. Os analistas são muito importantes ao longo da semana, com as informações que fornecem. Houve um avanço muito bom, mas agora é preciso uma adequação para que esses profissionais não ganhem mais importância que o jogador. Há analista que quer função de técnico. Eu já fazia essa função para o técnico Antônio Lopes em 1980, no Vasco da Gama. Era auxiliar e trabalhava levantando dados de treinamento e de jogos, para abastecer com informação. Hoje analistas ficam discutindo como se fossem técnicos. Por exemplo, às vezes um analista chega com pacotes de informações e peço para ver o vídeo. O analista diz que apareceu um espaço no meio-campo – apenas uma vez. Ora, isso é do jogo, esporádico. Mas se o fato acontece dez vezes, então é preciso explorar essa informação…

Algum membro de comissão já deu alguma dica valiosa? Claro, já peguei várias dicas de roupeiro, por exemplo. A arte do futebol é saber ouvir, porque todos que estão envolvidos no meio conhecem algo que pode ser útil. Converso com todos e escuto tudo. Às vezes alguém fala: “Olha, aquele jogador está bem…fulano do time adversário está mal…” Isso pode ser aproveitado.

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Atualmente, o departamento médico consegue notar com mais facilidade as necessidades e deficiências físicas de um atleta. Como utiliza essas informações? Às vezes as lesões acontecem porque o jogador está com a musculatura desequilibrada e é possível corrigir. O São Paulo foi pioneiro nessa questão e hoje todos avançaram. Mas é mais uma questão que tem de ser adequada. Não cabe ao fisiologista dizer ao técnico quem tem de jogar. Nem fisiologista, nem preparador, nem nutricionista… Eles têm de fazer uma análise do atleta e passar essas informações à comissão. Se o jogador está desgastado, cabe a eles montar uma programação para preparar o atleta da melhor forma. A comissão multidisciplinar tem de ter a capacidade de pegar um jogador cansado e colocá-lo em campo, não tirá-lo.

Então não gosta do revezamento de atletas, o popular “rodízio”? Os clubes estão fazendo revezamento de jogadores com três meses de campeonato. Não tem como estar desgastado em começo de ano, isso está errado! Na semana de jogo decisivo, o que vamos fazer para o nosso melhor time poder jogar? E alguém diz: “Ah, não dá, tira o fulano”. Como assim, se preciso dele? Tem jogador que tem de jogar até de muleta.

De todas estas novas funções, há uma mais importante? Não, porque elas se complementam. Todos são importantes, desde que cada uma focada na sua especialidade. Cada um tem de fazer o seu trabalho e não invadir o do outro. O jogador sempre vai ser o mais importante.

Qual foi a grande novidade que o senhor trouxe? A coisa mais louca e genial que fiz foi adotar o ponto eletrônico, que usei no Paulistão de 2001, com o Ricardinho, do Corinthians. Ainda será usado no futuro. Há uma resistência desnecessária da Fifa, dá para fazer um ponto eletrônico seguro, de silicone, igual ao da TV. É preciso ter só um jogador com mais discernimento tático com quem se comunicar. Gostaria de usar dois pontos, com um jogador de linha e o goleiro, para orientar nas bolas paradas. Acho que usei em três jogos naquela época até descobrirem. Pediram para me prender, mas não era contra as regras.

Matéria de PLACAR de 19 de maio de 2001 destaca ponto eletrônico Reprodução/Placar

Vale qualquer coisa para tentar ajudar a comissão técnica? Um pai de santo, por exemplo? Não, isso é um assunto complicado. Ao dirigir um time de futebol, a religião passa a ser o time, seja Santos, Corinthians, Botafogo, Flamengo… Não é para pastor, pai de santo, padre… Se permitir uma religião, tem de abrir para todas as outras. Religião é questão pessoal e tem de ficar fora do futebol.

Sentiu muita diferença de estrutura ao chegar ao Real Madrid? Foi uma surpresa muito grande. As pessoas falam mal do Brasil, mas nós temos excelência no futebol. Lá não havia fisiologista, nutricionista. Levei todos, estava muito avançado. Hoje todos os jogadores, como Neymar e Gabriel Jesus, por exemplo, levam preparadores pessoais. Se tivessem tudo isso nos clubes, não levariam.

Seus métodos causaram problemas com algum jogador? Não. No Real Madrid, tirei o Ronaldo de cinco jogos, ele reclamou e eu disse que ele estava fora de forma. Ele perguntou o que precisava fazer. Fui até a  casa dele com um fisioterapeuta e um nutricionista, e montei uma academia lá. Ele completava o trabalho diário em casa e, então, melhorou.

E como lida com o erro? Se cometo um erro, na mesma hora entro em um estado neurótico. Não admito erro. Se errei,  tenho de encontrar uma forma de solucionar. O que não se pode hoje, com os recursos disponíveis, é entrar desavisado em um jogo, demorar para reagir. Não dá mais para ser surpreendido pela formação do rival. E, se for, tem de reagir rápido, usar um antídoto. Na final do Paulista de 1998, o São Paulo trouxer o Raí só para o último jogo contra o Corinthians. Fiz a preleção achando que o Raí jogaria de atacante e o Fabiano de meia. Mas o Nelsinho Baptista inverteu. E fiquei doido gritando para meus jogadores: “Eles mudaram, eles mudaram…” Na TV, o Galvão Bueno disse: “Esse Luxemburgo acha que inventou o futebol. Quer dizer que com dois minutos ele leu o jogo todo?!” Mas tinha lido mesmo (risos).

O senhor era um dos únicos que tinham o hábito de fazer substituições já no primeiro tempo… Claro, porque não tenho tempo técnico nem ponto eletrônico… então tenho de resolver na troca de jogador. E se o atleta substituído achar ruim, é problema dele.

É verdade que uma das funções do auxiliar é acalmar jogador insatisfeito? É, eles são mais apaziguadores, o auxiliar é quem conversa mais com os atletas. Mas as reclamações diminuíram, e acho um erro. Tem jogador aceitando muito passivamente a reserva. Ele tem de ficar insatisfeito de ser substituído. Quero competição saudável entre os jogadores, profissionalismo não é aceitar ser reserva.

E qual a importância do assessor de imprensa? Quando vou para uma entrevista preciso estar preparado para não ser surpreendido. Uma coletiva me lembra um jogo de pôquer, jogo que gosto muito pela estratégia. Mas houve um distanciamento do profissional com a imprensa. No passado, não havia problema todos estarem no mesmo espaço… Na seleção brasileira, outra novidade que implantei foi a zona mista. Todos os jogadores ficavam à disposição da imprensa para entrevistas, antes e depois dos jogos. Oras, por que só eu tinha de falar de uma derrota? O jogador também tem de falar. Para isso, é importante preparar os atletas e também fazer mediação com a imprensa.

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