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#TBT: os bastidores da queda da Lusa em 2013, nas páginas de PLACAR

Reportagem de Marcos Sergio Silva narrou os últimos dias na elite do tradicional clube paulista que nesta semana completa 100 anos de história

A Associação Portuguesa de Desportos, a popular Lusa, completa 100 anos de história na próxima sexta-feira 14. Um dos clubes mais tradicionais de São Paulo – querida até mesmo pelos rivais -, colecionou grandes feitos, como três títulos paulistas, dois do Rio-São Paulo, o vice-campeonato do Campeonato Brasileiro de 1996 e a taça da Série B de 2011, com a encantadora equipe apelidada de “Barcelusa”. Ao longo deste século, passaram pelo Canindé ídolos como Djalma Santos, Julinho Botelho, Enéas, Dener, Zé Roberto, Leandro Amaral, Capitão, Rodrigo Fabri, entre tantos outros.

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A Lusa, porém, completa 100 anos justamente no período mais complicado de sua longa história. Desde que deixou a elite do futebol brasileiro em 2013, em um controverso rebaixamento envolvendo a escalação irregular do meia Héverton e uma batalha jurídica no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), o clube foi ladeira abaixo. A Portuguesa teve problemas financeiros e amargou quedas consecutivas até 2018, quando sequer se classificou para a Série D e, desde então, a equipe está sem divisão no futebol nacional e na Série A2 do Paulistão. Uma reportagem de Marcos Sergio Silva, publicada em PLACAR no dia 2 de dezembro de 2014, narrou os bastidores do triste “sepultamento da Lusa”.

Confira a reportagem, na íntegra:

Terça-feira, 3/12/2013

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Duas pessoas conversavam na sala da presidência da Portuguesa. Uma era o então presidente Manoel da Lupa. A outra, o advogado Valdir Rocha da Silva. Na antessala, o flho de Da Lupa, Manequinho, comenta com a mãe, Maria de Fátima: “Deve ter alguma coisa ferrada acontecendo, porque o Valdir tá falando com o pai [Da Lupa] a respeito de atleta”.

O dirigente então sai de sua sala e pergunta para a secretária, Magda Ideli Zumbano: “Recebeu o e-mail?” Com a resposta afrmativa, Da Lupa complementa: “Então guarda e fica quieta”.

Todas as informações desta reportagem constam de depoimentos dados ao Ministério Público de São Paulo. O e-mail mencionado na conversa dizia respeito ao meia Héverton Durão Coutinho Alves. Até ali, havia jogado seis partidas. Somadas, elas não chegavam a 110 minutos em campo. Ser relacionado para a partida seguinte, contra o Grêmio, no dia 6 de dezembro, significou a perda de 4 pontos pela Portuguesa, 11ª colocada da série A com 48 pontos, e o posterior rebaixamento do clube.

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Nove dias antes, Héverton havia sido expulso em Salvador, contra o Bahia. Com o tricolor baiano com 1 x 0 no placar, o árbitro Ricardo Marques Ribeiro comunicou ao delegado da partida, Marcony Cabral Santos, o tempo de acréscimo: 2 minutos. O meia, que havia entrado no lugar de Wanderson, reclamou: “Porra, caralho, você é um merda! Está com medo dos caras! Só isso de acréscimo?” Por mais que tivesse alguma razão, forçou no linguajar. Recebeu vermelho direto. Héverton infringiu o artigo 258 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva: “assumir conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva”. A pena é de suspensão de uma a seis partidas, com o órgão podendo substituí-la por advertência, se considerada de pequena gravidade.

Ninguém, na comissão técnica, sabia da possibilidade de gancho maior que um jogo, já cumprido contra a Ponte Preta, em 30/11. A cada sessão do STJD, a CBF recebe com três dias de antecedência o aviso dos julgamentos, às terças e às sextas, e repassa para as federações locais. O comunicado sobre a audiência de Héverton foi recebido pela Federação Paulista e enviado por um funcionário da entidade, Evânio dos Santos, para o clube. O aviso chegou ao e-mail da secretária Magda às 18h45 de 3/12/2013.

O documento foi repassado para o endereço eletrônico de cinco pessoas: o presidente do clube, Manoel da Lupa; o vice de futebol, Roberto dos Santos; o supervisor de futebol, José Martins Pontes; o gerente de futebol, o ex-meia Wolney Caio; e o advogado Valdir Rocha da Silva, em cópia oculta.

Sexta-feira, 6/12/2013

Valdir Rocha da Silva dava expediente em uma sala dentro do clube, no Canindé (região central de São Paulo). Recebia salário de 17.000 reais da Portuguesa. Era normal que avisasse o departamento de futebol sobre as suspensões. Essas informações são anexadas à pasta particular de cada atleta. Na de Gilberto, havia a de que ele seria julgado na sexta — fora expulso contra o Botafogo, pelo mesmo motivo de Héverton: xingar o juiz. Na do meia, nada. O clube já havia postergado duas vezes o julgamento de Gilberto. Em 6/12, seria dada a decisão defnitiva. A intenção do advogado que representava o clube, Osvaldo Sestário, era trocar a pena por cestas básicas.

Sestário falou com Valdir três dias: quarta, quinta e sexta. Na primeira conversa, perguntou ao advogado se Héverton viajaria ao Rio para a audiência. A ida foi abortada, pois não era titular e o custo da viagem seria poupado.

O julgamento começou às 11h do dia 6/12. Às 13h, Valdir ligou para saber se havia novidades sobre o caso Gilberto. Sestário respondeu sobre outro: “Olha, acabou o do Héverton. Pegou dois jogos”. “Ah, esse aí podia ter pegado 10, 20… Esse aí não joga nada e está indo embora”, respondeu Valdir. “Bom, então nem pensar em efeito suspensivo…”, devolveu Sestário.

Sábado, 7/12/2013

Suspenso ou não, Héverton já descartava jogar a partida contra o Grêmio. Recém-recuperado de uma lesão muscular, voltou a treinar na quinta-feira, 5/12. Gilberto, mesmo com o corpo técnico sabendo da suspensão, permaneceu na concentração até sábado. O atacante havia criado mal-estar no clube depois de assinar com o Toronto FC, da Major League Soccer, e, segundo relatos da comissão técnica, começar a “tirar o pé” em algumas partidas.

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Héverton só foi relacionado porque o técnico Guto Ferreira não tinha quem escalar. Souza havia sentido um problema no adutor da coxa direita e jogado no sacrifício contra a Ponte. Wanderson seria titular, e Carlos Alberto, o segundo atacante reserva.

Um dia depois do jogo, Sestário voltou a ligar para o diretor jurídico da Lusa. Perguntou se Héverton havia jogado. Com a resposta positiva, apenas disse: “Ferrou”. No mesmo dia, Valdir foi novamente questionado sobre o que havia acontecido, dessa vez pelo vice-presidente jurídico do clube, Orlando Cordeiro de Barros. “Não sei, cagada”, disse.

Terça-feira, 10/12/2013

Valdir passaria por nova sabatina, dessa vez no COF (Conselho de Orientação e Fiscalização) da Lusa na terça-feira. Entrou várias vezes em contradição. Primeiro, disse que não havia sido comunicado por Sestário. Pressionado, disse que a ligação poderia ter falhado e ele não havia entendido o recado. Depois, voltou a dizer que não tinha falado com o advogado do Rio. Confrontado, disse que era impossível confrmar a ligação e, por fim, disse que não havia gravação que provasse isso. Sestário, no entanto, provou ter ligado três vezes para Valdir.

Segundo a reportagem apurou, as possíveis conexões com clubes interessados em uma eventual perda de pontos da Portuguesa começaram a aparecer em novembro. Advogados dos quatro grandes clubes do Rio promoveram almoços para tratar da questão do rebaixamento em 2013. Teriam que encontrar falhas no sistema para que Náutico, Criciúma e Ponte caíssem — e pelo menos três cariocas permanecerem na série A, para que não houvesse perda de arrecadação com a TV. Ao menos um representante do grupo participava das sessões do STJD como observador. Departamentos jurídicos caçavam falhas de procedimento ou no regulamento que impedissem a queda de dois cariocas.

A Portuguesa passou a ser vista como um alvo possível. Havia um presidente, Manoel da Lupa, sem força, pressionado por problemas internos, com dívidas pessoais e atreladas ao clube. O que se seguiu nos dias posteriores ao julgamento de Héverton teve desdobramentos mais políticos que técnicos. O departamento de futebol não sabia da punição decidida no STJD, mas as alçadas superiores, representadas pela direção do clube e pelo departamento jurídico, sim. Se houve a escalação de um atleta suspenso por uma eventual benesse financeira, essa grana não caiu na conta da Associação Portuguesa de Desportos. O clube continuou sem pagar seus jogadores e viu seu elenco ser desmontado dias depois do empate sem gols com o Grêmio.

As suspeitas, então, começaram a ser levantadas. Os salários de agosto, setembro e outubro de jogadores e comissão técnica não foram depositados. Havia ainda uma dívida referente a nove meses de auxílio-moradia. Atletas ameaçaram por duas vezes não entrar em campo: contra o Goiás, na 27ª rodada, e diante da Ponte, na 37ª. Sem caixa e com arrecadação baixa (50.000 reais por jogo, em média, com picos contra os grandes do Rio e de São Paulo), a Lusa vendeu dois mandos: Corinthians e Flamengo. Recebeu pelos dois 1,25 milhão de reais.

No jogo contra o Flamengo, os atletas estranharam a presença de Manoel da Lupa entre os passageiros do voo de São Paulo para Fortaleza. Era a primeira vez no campeonato que o dirigente os acompanhava em uma viagem. Um dia antes, o cartola havia prometido que o dinheiro cairia na conta dos jogadores. Nada aconteceu. Depois, disse que a venda do lateral Luís Ricardo para o São Paulo, em três parcelas, serviria para quitar os débitos. De novo, nada. Parte da dívida só foi saldada entre as rodadas 37 e 38 do Brasileiro, depois da chamada “cata na comunidade” — portugueses e herdeiros doaram cheques e dinheiro para que os atletas não dessem W.O. contra o Grêmio e, consequentemente, a Lusa fosse eliminada do campeonato, como prevê o regulamento da competição. Guto Ferreira recebeu um cheque que foi sustado em seguida.

Da Lupa travava no clube uma disputa sobre uma operação casada com o banco Banif, antigo patrocinador que contou, até 2012, com uma agência dentro da sede do Canindé. O dirigente e mais duas pessoas — entre elas sua mulher, Maria de Fátima – recebiam valores mensais do banco para quitar dívidas do clube, sem crédito na praça. Os empréstimos, em conta de pessoas físicas, eram repassados como dívida da agremiação. Da Lupa teve retirados os direitos de executar as movimentações financeiras do clube pelo Conselho Deliberativo da Lusa em 2013, quando exercia o cargo de presidente. O Ministério Público de São Paulo calcula que o prejuízo para o clube tenha sido de 36 milhões de reais.

Quinta-feira, 2/1/2014

Aclamado presidente em 3/12 (não teve concorrentes), Ilídio Lico assume a presidência da Portuguesa. Pagamentos, contratações e investimentos estavam suspensos. Em alguns dias, o clube nem sequer foi aberto para expediente. A comissão técnica estranhou a forma como o dinheiro foi retido. A reapresentação dos jogadores aconteceu no dia seguinte. O técnico Guto Ferreira foi convocado por Ilídio Lico até a sala da presidência. O dirigente o convidou a se retirar — a Portuguesa não iria demiti-lo porque a rescisão era considerada cara demais. Do time titular que voltaria a campo no dia 18/1, na estreia do Paulista, seis se apresentavam naquele dia. Guto não tinha quem escalar. O restante, vindo de um pacotão do Grêmio, se apresentaria na terça anterior à realização do jogo, vencido pelo Corinthians por 2 x 0.

O resto é história. A Lusa foi coadjuvante no Paulista, teve campanha vexatória na Copa do Brasil (eliminada na primeira fase pelo inexpressivo Potiguar, de Mossoró-RN) e, humilhação suprema, foi rebaixada para a série C do Brasileiro.

Os personagens da novela vivem trajetórias distintas. Da Lupa sofre processo de expulsão do clube que presidiu por nove anos e é investigado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) pelas operações com o Banif. Valdir Rocha da Silva prossegue desmentindo os contatos com Sestário no dia do julgamento. Se houve corrupção, os corruptores ainda são desconhecidos. Guto e Héverton foram promovidos com seus clubes (Ponte e Paysandu, respectivamente) para as séries A e B do Brasileiro. Em rumo oposto, a Lusa se afunda — em campo e fora dele.

RESPOSTA DA DIRETORIA DO FLAMENGO

O Clube de Regatas do Flamengo vem manifestar sua posição referente à matéria intitulada “Os últimos dias da Lusa: Os bastidores da trama que sepultou a Portuguesa”, publicada na versão web e impressa da revista Placar do dia 02 de dezembro de 2014. O texto afirma que os advogados dos 4 grandes clubes do Rio de Janeiro se reuniram em diversos almoços objetivando estabelecer as diretrizes a serem adotadas quanto ao possível rebaixamento de dois destes clubes no ano de 2013.

Nenhum membro do Departamento Jurídico do Flamengo, assim como nenhum advogado terceirizado do Clube participou, em momento algum, de qualquer almoço, jantar ou reunião com advogados dos demais grandes clubes do Rio de Janeiro para tratar de quaisquer assuntos ligados às denúncias da Procuradoria do STJD e os posteriores julgamentos que resultaram, infelizmente, no rebaixamento da Portuguesa.

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