Renato Gaúcho e o futebol à moda antiga: ‘Só inventaram palavras bonitas’
Em papo exclusivo com PLACAR, ele fala de sua cartilha de regras, técnicos estrangeiros e garante: é mais importante gerir o grupo que entender de futebol
Renato Gaúcho se orgulha de ter uma história longa no futebol. Desde os dois gols no título mundial do Grêmio, em 1983, passando por glórias com a camisa do Flamengo e uma carreira de treinador que já se estende por duas décadas, o ex-atacante já viveu quase tudo no mundo da bola. E, ao seu estilo direto de sempre, crava sem pensar duas vezes em entrevista exclusiva a PLACAR: não mudou muita coisa no esporte desde que ele começou como técnico interino do Fluminense na década de 1990.
“O Vanderlei Luxemburgo falou a coisa mais certa quando chegou no Corinthians. Alguém inventou algum esquema diferente nos últimos anos? Sabe o que inventaram? Palavras difíceis, palavras bonitas, tecnologia. O treinador tem que fazer o jogador entender. Muitos treinadores falam palavras difíceis, o que eu não tenho nada contra. Cada um, cada um. Se o cara pega o dicionário e fica lá à noite decorando palavras para falar na entrevista, o problema é dele. Eu tenho que fazer o meu grupo entender o que eu quero, ponto. É moda antiga? Sim, é moda antiga”.
Em sua quarta passagem pelo Grêmio – onde, além de ser o jogador mais idolatrado da história do clube, também conquistou seus principais títulos como treinador –, Renato não liga de ser tachado de antiquado. Mantém até hoje práticas como a tradicional “caixinha”, uma multa que jogadores que se atrasam ou cometem algum ato de indisciplina precisam pagar. Também impõe uma cartilha de comportamento, com horários rígidos para acessar o telefone celular na concentração, por exemplo.
“Comigo tem caixinha. Você tem o controle do grupo: do peso, das atitudes… o cara não pode pisar na bola, ou é multado. E o dinheiro não vem para mim, nem para o clube. O dinheiro é para eles. Eles abrem uma conta no banco, e os jogadores tiram onda uns com os outros. E a coisa anda. Na cartilha, eles têm que estar lá uma hora antes de o treino começar, têm que estar no peso, celular em determinadas horas… Não ponha regra no futebol para você ver o que acontece. Vira um navio sem comandante”, diz.
Renato Gaúcho e PLACAR: uma velha relação (confira a galeria)
Para Renato, manter um bom ambiente no elenco – o famoso “ser bom de vestiário” – é até mais importante do que o conteúdo tático. “O cara tem que entender de futebol, sim, mas gerir um grupo é mais difícil, entendeu? Se você não souber gerir, você não vai tirar muita coisa do grupo. O tempo vai te desgastando. Uma hora estoura, uma hora vai ter conflito. O treinador é como o pai de família com quatro, cinco filhos. No futebol, imagine? Trinta caras. Mas tem que ter as duas coisas, até porque os jogadores vão falar: ‘ah, esse cara sabe gerir o grupo, mas não me ensina nada, não me mostra nada'”.
Uma frase de Renato ficou famosa depois da conquista da Copa do Brasil de 2016, quando ele havia acabado de voltar ao Grêmio após dois anos sem trabalhar como treinador: “Quem precisa aprender, vai estudar, vai para a Europa. Quem não precisa, vai para a praia”. Hoje, ele diz que aprende, sim, mas assistindo às partidas. Curso em sala de aula? Não é com ele. “Tem muita gente que dá aula que nunca encostou em uma bola, mas quer te ensinar. Vou aprender o que com esse tipo de pessoa?”, questiona.
Em sua passagem anterior pelo Grêmio, entre 2016 e 2021, o treinador sustentava que seu time jogava o melhor futebol do país. Agora, a realidade é outra, com o time voltando da Série B e, segundo Renato, em um momento de reconstrução. Mas ele não esconde que mantém o sonho de treinar a seleção brasileira – ainda que seu nome, bastante ventilado como um possível sucessor de Tite há dois anos, tenha perdido força após a passagem sem títulos pelo Flamengo em 2021.
“O treinador que não pensa em seleção é porque não se garante. Qual é o topo do treinador de futebol? É uma seleção brasileira. Se eu vou chegar lá, não sei. Mas eu trabalho para isso. Ganhei vários títulos para ter uma oportunidade”. Ele também admite que brilhar mais pela seleção foi a única coisa que não alcançou na carreira de jogador. “Faltou um título, faltou disputar uma Copa do Mundo. Em uma (1986) fui cortado, em outra (1990) joguei só sete minutos”.
Hoje, a prioridade da CBF é contratar um estrangeiro para comandar a seleção. Renato evita entrar nessa dividida específica, mas não economiza quando o assunto é a presença cada vez maior de técnicos de fora no futebol nacional. Segundo ele, a imprensa brasileira tem mais paciência com quem tem sotaque gringo.
“Se o cara tem capacidade, tem que trabalhar. Mas o que está acontecendo em alguns clubes é que o cara vem, põe uma multa alta, não dá resultado, vai embora depois de três meses e leva milhões. Eu queria ver um treinador brasileiro em Portugal não dando resultado e levando esse dinheiro deles, para ver o quanto os portugueses iam aturar os brasileiros”, diz. Treinar na Europa e testar a hipótese, porém, não está nos planos de Renato. “Zero chance. Não preciso e não quero”.
Confira a entrevista completa na PLACAR TV: