Quanto pode custar o cancelamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio?
Qualquer que seja a solução adotada pelos organizadores do maior evento esportivo do mundo, haverá prejuízos. Mas essa não é a prioridade
Um inimigo microscópico conseguiu tornar-se o grande adversário das nações mais poderosas do esporte. E agora o mundo se pergunta se o coronavírus vai permitir a realização dos Jogos Olímpicos, daqui a quatro meses, no Japão. Segundo o membro mais antigo do Comitê Olímpico Internacional (COI), o advogado canadense Dick Pound, “não se pode adiar algo do tamanho de uma Olimpíada”. Será mesmo?
Essa decisão vai depender do ritmo do contágio nos próximos dias, para que o COI dê a palavra final sobre como vai administrar o problema. Seja como for, nem é preciso projetar o futuro. O Japão já está enfrentando os efeitos do coronavírus com o “desaparecimento” dos turistas coreanos e chineses, que respondem pela metade dos mais de 30 milhões de turistas que visitam o país anualmente.
Na história do Movimento Olímpico, os Jogos só foram cancelados três vezes, sempre em função das Grandes Guerras Mundiais: Berlim-1916, Tóquio-1940 e Londres-1944. Levando em conta que algumas das principais Federações ou Ligas Mundiais, tais como a NBA (basquete), Fórmula 1, ATP (tênis), Uefa, Conmebol, La Liga e Serie A (futebol), estão cancelando ou suspendendo eventos, excluindo o público de suas competições, podemos imaginar alguns cenários para a solução do problema – ou, ao menos, redução dos prejuízos para os stakeholders de Tóquio-2020.
O primeiro é do cancelamento total dos Jogos, com imensas perdas para todos as instituições, empresas e pessoas que tenham alguma relação com o olimpismo. Dessa forma, só teremos Jogos Olímpicos de Verão em Paris, em 2024.
Também é possível considerar o adiamento para uma outra data – postergar o início das competições até que Tóquio tenha condições de receber o evento daqui a meses ou anos. Essa é a proposta do presidente americano Donald Trump, recomendando que os Jogos só aconteçam em 2021. Nessa hipótese, seria necessário renegociar inúmeros calendários de federações, grades de redes de televisão, e ainda considerar que o Tocog (o Comitê Organizador de Tóquio) precisaria de fundos consideráveis para manter fechadas todas as instalações esportivas e Vilas Olímpicas (serão duas no Japão) durante vários meses.
Outra possibilidade é a transferência para outro país, mudança que parece fácil, mas está longe de ser uma alternativa simples. Mesmo assim, essa alternativa abriu espaço para um rápido cabo-de-guerra. O candidato a prefeito de Londres, Shaun Bailey, sugeriu a capital do Reino Unido como alternativa. Em contragolpe quase imediato, a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, rebateu dizendo que a oferta era uma tentativa de usar o vírus para fins políticos.
Afinal, nenhum país tem folga de orçamento para realizar um evento desse porte daqui a quatro meses saindo do zero. E com a pandemia decretada, não há lugar seguro o bastante para garantir-se imune ao vírus. Muito menos a Europa, que apesar de contar com países de economia pujante, como a própria Inglaterra, mostra-se hoje uma das regiões mais afetadas pelo coronavírus.
São três as principais entidades envolvidas na solução sobre o destino dos Jogos que precisarão se manifestar: o COI, o Tocog e, pelo lado do controle mundial da pandemia, a OMS (Organização Mundial de Saúde). Diante dos cenários descritos, é importante ressaltar algumas das dificuldades e números que estão em jogo e vão pesar na tomada de decisão:
* Os investimentos feitos pelas autoridades japonesas para a construção e reforma das instalações, além de contratos para a operação dos prédios, que segundo a imprensa já passaram dos 28 bilhões de dólares.
* Os valores empenhados pelos maiores patrocinadores do COI, no valor de mais de 1,5 bilhão de dólares, entre eles marcas como Coca-Cola, Alibaba, Visa, Omega, Toyota e outras nove grandes empresas
* Mais 3 bilhões de dólares investidos pelos patrocinadores diretamente no Comitê Organizador de Tóquio, entre eles Google, Canon, Asics, Ernst & Young, Cisco e mais de 50 outras empresas.
* Os cerca de 400 000 turistas estrangeiros esperados no Japão, que já compraram mais de 4,5 milhões de ingressos e trariam algo em torno de 2 bilhões de euros de receita extras para o país asiático em suas estadias em julho e agosto.
* A preparação esportiva de mais de mais de 200 nações. Se levarmos em conta apenas as dez maiores potências olímpicas, o investimento pode passar de 5 bilhões de dólares no quadriênio 2017/2020, o período do atual ciclo olímpico.
* Mudanças nas grades de programação das emissoras de TV detentoras dos direitos de transmissão, que pagaram algo em torno de 4,2 bilhões de dólares (fora o investimento feito em infraestrutura montada por todo o Japão).
* Os conflitos de agendas com campeonatos de mais de 45 modalidades esportivas pelo mundo, principalmente em relação as TVs americanas, que já tem datas reservadas para as partidas de futebol americano, basquete, beisebol e hóquei no gelo.
* Regionalizando a discussão, é preciso salientar o investimento feito pelo Grupo Globo, que vendeu cotas comerciais relacionadas à Olimpíada de Tóquio-2020 para seis patrocinadores, totalizando investimentos de quase 600 milhões de reais.
* A falta de tempo para a instalação de uma Vila Olímpica em outra cidade capaz de receber mais de 17 000 moradores (sendo 15 000 atletas de alto rendimento, olímpicos e paralímpicos) para viverem ali durante 60 dias se contabilizarmos os dois eventos.
Qualquer que seja o cenário adotado pelas autoridades, a única certeza é de que, considerarmos o ponto de vista dos atletas e treinadores olímpicos, esta edição dos Jogos já foi severamente prejudicada. Teremos diminuição no nível de performance esportiva e um número reduzido nas quebras de recordes, ainda mais agora com o bloqueio das fronteiras e fechamento dos centros de treinamentos, clubes e academias pelo mundo.
O planejamento de treinamentos e competições no quadriênio olímpico é minucioso e calculado para que o atleta atinja seu máximo desempenho no dia da final olímpica, e não dali a dois meses ou um ano mais tarde. Tudo previamente estudado por uma equipe multidisciplinar de ciências do esporte para a data, hora, temperatura e umidade de Tóquio, em julho e agosto de 2020. Qualquer alteração desta programação vai comprometer o resultado, que para o atleta é o que tem o maior valor.
Afinal, ao lado do espírito humanista de reunião dos povos e nações, está o outro grande objetivo das Olimpíadas: a superação de resultados, seja em recordes ou número de medalhas. É nesse sonho que cada atleta olímpico aposta muitos anos da própria vida.
Não conheço os detalhes das apólices de seguros contratadas para a proteção dos montantes citados acima, mas com meus 16 anos de experiência nos mercados financeiro e securitário acho difícil que o risco “Pandemia de Vírus” esteja entre as coberturas possíveis para ressarcimentos de tais investimentos.
Ou seja, todo mundo perde, mas uma coisa é certa: quando vidas estão em jogo, o dinheiro não é o fator mais importante a ser levado em conta na hora desta difícil tomada de decisão.
Vamos torcer por boas novidades nos próximos dias.
*Marcus Vinicius Freire é ex-jogador de vôlei, medalhista olímpico de prata (Los Angeles-1984), e esteve em 13 edições de Jogos Olímpicos (seis de Verão, quatro de Inverno e três da Juventude). Foi diretor-executivo de Esportes do Comitê Olímpico do Brasil entre 2008 e 2016.