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Primeiro jogador brasileiro a revelar daltonismo cita dificuldades e apoio

Sacon, atleta de futsal do Praia Clube, exaltou medidas de federações e disse que, com o suporte adequado, condição não interfere em quadra

Matheus Pozer Sacon, 32 anos, que atua como ala ou fixo do Praia Clube, equipe de futsal de Uberlândia (MG), conta não ter conseguido acompanhar pela televisão a partida entre Atlântico e Marreco, no último dia 7 de junho, válido pela sexta rodada da Liga Nacional de Futsal, principal competição da modalidade no país. Diante de seus olhos, todos os jogadores em quadra vestiam a mesma camisa, de cor preta. Os uniformes, na verdade, eram vermelho (Atlântico) e listrado verde escuro e preto (Marreco), mas foram impossíveis de serem distinguidos por conta de uma perturbação visual descoberta ainda na infância: o daltonismo.

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Mais especificamente, Sacon é portador de protanopia, um dos tipos de daltonismo, doença hereditária que afeta células localizadas na retina, chamada de cones, e altera a percepção de algumas cores – principalmente do verde, vermelho e azul. Em suas redes sociais, ele se orgulha da alcunha de “primeiro jogador daltônico da LNF” e diz que espera encorajar outros colegas e revelar a condição.

“Descobri o meu caso ainda na infância, durante a pré-escola. A professora me pedia para pintar de verde e eu usava outra cor, achava que era birra de criança. Aconteceu por várias vezes até a minha mãe ser chamada. Passamos no oftalmologista que me diagnosticou com o daltonismo. O meu tio, por parte de mãe, também tem. Eu convivo bem com isso, todos sabem”, conta o jogador a PLACAR.

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O jogador conta que sempre expôs a treinadores, dirigentes e companheiros de clube a dificuldade. Em treinamentos, muitas vezes, é necessário que troquem a cor dos coletes para facilitar a sua integração ou até mesmo o uniforme em dias de partidas. “Nunca tive muitos problemas nos dias de jogos. Já joguei em situações que ficaram ruins, sim, mas nada que se tornasse impossível. Muitas vezes isso atrasa a minha percepção, a tomada de uma decisão. Teve uma vez que tomei o cartão amarelo e precisei preguntar para o goleiro se era amarelo ou vermelho, pois era um tom fluorescente que parecia verde”, relata.

“Os meus treinadores sempre lidaram bem com isso. Perguntam se consigo ver bem com determinada cor, se precisam que troque alguma peça do uniforme. Sempre são solidários comigo”, completa.

Nascido em Caxias do Sul, cidade a 125 quilômetros da capital Porto Alegre, Sacon, curiosamente, jamais conseguiu visualizar de forma correta as cores do próprio time de coração, o Juventude, que carrega o verde e branco. Em partidas contra o Internacional, em que rival utiliza o uniforme todo vermelho, ele conta que é impossível acompanhar.

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“Muitos falam em tons de vermelho, que alteram, mas o verde com vermelho também é uma combinação ruim. O cinza confundo com o rosa, o azul com o roxo. Por sinal, roxo e lilás é algo que não existe para mim. O marrom confundo sempre com o verde. E, quanto mais escuro, pior fica”, explica.

“A Liga Paulista de Futsal já tem esse cuidado. Desde o ano passado, eles sempre dividem as equipes com uma cor clara e a outra escura, para que todos vejam claramente. Não é uma mudança que afeta em termos de investimento”, acrescenta.

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A dificuldade nunca atrapalhou a sequência de sua carreira. Atuou por equipes como Cortiana-RS, Peixe-DF, Botafogo, ADU/Tubarão-SC, Bento Gonçalves-RS, Juventude-RS, Assoeva-RS e Magnus-SP, ao lado de nomes como Falcão, Rodrigo, Tiago, da seleção brasileira. Chegou ao Praia Clube nesta temporada após passagem pelo Foz Cataratas-PR.

Fora do Brasil, um caso chamou bastante a atenção. O meio-campista dinamarquês Thomas Delaney, 29 anos, virou recentemente um símbolo de apoio aos portadores de deficiência visual ao ter revelado publicamente que é daltônico às vésperas da Copa do Mundo da Rússia, em 2018.

Thomas Delaney, símbolo de apoio aos portadores de deficiência visual -
Thomas Delaney, símbolo de apoio aos portadores de deficiência visual – Valentin Ogirenko/Getty Images

A questão veio à tona quando o jogador do Borussia Dortmund e da seleção de seu pais decidiu ligar para uma rádio local que ironizava as reclamações de torcedores daltônicos que sofreram para assistir a um amistoso entre Dinamarca (de vermelho) e México (de verde):

“O meu nome é Thomas. Sou daltônico e isso acontece. No outro dia em campo era difícil ver quem era da minha equipe e quem era o adversário”, afirmou o jogador à rádio DR P3, surpreendendo a todos com sua iniciativa de participar do debate e assumir a sua deficiência.

O ato foi visto como uma iniciativa corajosa uma vez que, expondo a dificuldade, Delaney poderia consequentemente perder valor de mercado. Ele, atualmente, está cotado em 15 milhões de euros (90,4 milhões de reais, segundo a cotação atual) e foi peça-fundamental para a boa campanha dinamarquesa na última Eurocopa.

“Acompanhei ele, foi um dos primeiros atletas de elite a se expor por algo assim. É uma doença que muita gente teme falar. A partir do momento em que um atleta assim tem esse comprometimento, encoraja, também. Eu acredito já ter atuado com outros atletas com o mesmo problema, mas temem se expor”.


Medidas na Itália

Lazio e Sassuolo de verde no Campeonato Italiano -
Lazio e Sassuolo de verde no Campeonato Italiano – Alessandro Sabattini/Getty Images

A Série A italiana anunciou nesta semana uma medida controversa em seu regulamento sobre uniformes de jogo. A partir da temporada 2022/2023, “fica proibido o uso de uniformes verdes para jogadores de campo”, diz um dos trechos. A mudança foi anunciada com um ano de antecedência para que os clubes e seu fornecedores de material esportivo possam se adaptar.

A medida, portanto, vale apenas para atletas de linha, enquanto goleiros poderão seguir utilizando a cor. Ainda que não fique explicitado, entende-se que a norma atenda aos interesses das emissoras de televisão, para que se evite que o uniforme se confunda com a cor do gramado, dificultando a visualização da transmissão.

O regulamento também estabelece que sempre um clube deve jogar em tom escuro e o outro em tons claros, reforçando a tendência aos uniformes monocromáticos já vista até em Copas do Mundo.
A medida é extremamente polêmica, sobretudo, em relação aos clubes que utilizam verde como sua cor principal. Na Série A, é o caso do Sassuolo, que veste camisa listrada em verde e preto. Caso a medida não seja derrubada ou modificada, o time precisará abrir mão de parte importante de sua identidade.

Daltonismo e a polêmica na última Copa

Especula-se também que o banimento dos uniformes verdes seja uma medida de apoio aos daltônicos. O daltonismo é um problema de visão geralmente hereditário, que acomete mais homens que mulheres, e envolve a incapacidade de diferenciar cores. A confusão mais comum ocorre entre tons de vermelho e verde.

Projeção mostrou como daltônicos assistiram a Rússia x Arábia Saudita em 2018
Projeção mostrou como daltônicos assistiram a Rússia x Arábia Saudita em 2018 Twitter/Reprodução

Na abertura da última Copa do Mundo, a Fifa não se atentou à escolha dos uniformes de Rússia e Arábia Saudita e causou controvérsia. “O daltônico só reconhece os times de longe nesse jogo pelos calções”, afirmou um torcedor nas redes, iniciando o debate. Projeções mostraram que tanto as camisas vermelhas dos russos quanto o uniforme inteiro verde dos árabes aparentavam ter a mesma tonalidade, entre marrom e cinza.

Leia mais: Destaque da Dinamarca na Euro é um ícone de apoio a daltônicos

Apesar desta falha, a Fifa está ciente do assunto e há anos vem optando por organizar suas partidas em tons monocromáticos (uma equipe com uniforme inteiramente claro e outra toda de escuro). É por isso que se tornou comum ver, por exemplo, Argentina e Alemanha abandonando seus calções pretos no uniforme titular, algo que incomodou os tradicionalistas.

Ao priorizar uniformes monocromáticos e em tonalidades bem distintas, a Fifa evita incômodos para daltônicos e também para pessoas que ainda utilizam televisão em preto e branco – são minoria, claro. Há alguns anos, a Nike chegou a cogitar (e até produzir) um calção amarelo para a seleção brasileira, o que podia obrigá-lo a jogar todo de ‘canarinho’ ao enfrentar uma seleção de azul, por exemplo. A ideia foi rejeitada após pressão da CBF.

Lance no jogo entre Alemanha e Argentina na final da Copa no Maracanã, no Rio
Alemanha x Argentina em duelo monocromático na final da Copa de 2014 Ricardo Corrêa/VEJA/VEJA
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