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Por que as camisas de manga longa estão em extinção no futebol

Vistos no passado como opção mais estilosa, os uniformes de inverno perderam espaço para a combinação da manga curta com a chamada “segunda pele”

Dizem os mais tradicionalistas que há figuras em extinção no futebol mundial. Seria o caso, por exemplo, do “Camisa 10 clássico”, aquele jogador que cadencia e organiza o time em campo. Também anda sumida a figura do centroavante fixo, o matador que prende a atenção dos zagueiros e cuja única missão é empurrar a bola para as redes. Há também quem proteste contra “a plateia de teatro” hoje presente às partidas — é o mesmo grupo que clama pela volta das bandeiras e rojões aos estádios e diz ter saudades de sentar no concreto das arquibancadas. Agora, no que diz respeito ao estilo dos uniformes, em plena era do marketing esportivo, uma ausência mais silenciosa pode ser sentida: onde foram parar as camisas de manga longa?

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“Eu lamento, pois as camisas de manga comprida são extremamente elegantes. Para mim, elas são a representação da moda do futebol”, diz o designer holandês Floor Wesseling, que trabalhou durante cinco anos na fabricante de material esportivo americana Nike e atesta o sumiço da peça. O modelo de uniforme que vai até o punho dos jogadores remete às origens do esporte mais popular do planeta. No Museu do Futebol de Manchester, destaca-se uma camisa branca desbotada usada no primeiro amistoso internacional de seleções, entre Inglaterra e Escócia, em 1872. O modelo é feito de lã grossa, a forma disponível na época para se proteger do inverno europeu.

Camisa da Inglaterra de 1872 no Museu do Futebol de Manchester
Camisa da Inglaterra de 1872 no Museu do Futebol de Manchester Luiz Felipe Castro/VEJA

A tecnologia avançou e as roupas foram ganhando os mais variados materiais – hoje em dia existem camisas feitas a partir do plástico reciclado de garrafas PET. Alguns atletas transformaram as camisas de manga longa em sua marca registrada. O maior adepto do modelo, e que tornou o uniforme de inverno um ícone fashion, talvez tenha sido o inglês David Beckham, conhecido tanto por sua precisão para bater na bola quanto por sua vaidade. A preferência do galã do Manchester United por cobrir os braços tatuados em nome do estilo desafiava até os termômetros. No Mundial de Clubes de 2000, sob o sol de quase 40 graus no Maracanã, Beckham chocou a todos ao aparecer de mangas longas, ao contrário de seus companheiros, diante do clube mexicano Necaxa. Coincidentemente ou não, foi para o chuveiro mais cedo, expulso ainda no primeiro tempo.

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Bekham, o único de manga longa no Maracanã, ao lado dos colegas Giggs, Stam e Neville
Beckham, o único de manga longa no calor escaldante do Maracanã, ao lado dos colegas Giggs, Stam e Gary Neville Shaun Botterill/Getty Images

Até pouco tempo atrás, era comum que os atletas desfilassem com suas camisas “à la Beckham”. A moda perdurou até o surgimento das camisas térmicas. “Hoje, 99% dos atletas jogam com o que chamamos de ‘segunda pele’”, revela Caio Campos, diretor de marketing do Corinthians, sobre o modelo ajustado ao corpo, que ajuda a regular a temperatura corporal tanto em dias quentes quanto frios. O modelo está sempre por debaixo dos uniformes — a própria Fifa já regulamentou seu uso, exigindo que a segunda pele siga as cores da camisa vestida por cima. Em dias de calor, os jogadores usam uma térmica regata ou de manga curta. No frio, o modelo de compressão é de manga longa. Já a camisa de jogo, salvo raríssimas exceções, é sempre de manga curta. E as razões são econômicas.

“Quando comecei a desenhar camisas de futebol para a Nike, em 2011, a marca decidiu parar de fazer mangas compridas para os jogadores, e também para os torcedores, para empurrar o mercado na direção das camisas térmicas”, confirma o holandês Wesseling. “Essa mudança mundial inicialmente ocorreu como uma exigência dos próprios atletas. A maioria tem preferência pelas camisas térmicas, pela tecnologia, por ser um produto leve e ficar mais justo ao corpo”, afirma Marcelo Gomes, gerente de marketing da Kappa. Há aí uma clara estratégia de marketing: ao exibir a camisa de jogo mais a “segunda pele”, as marcas promovem dois produtos de uma vez. Atualmente, uma camisa modelo “torcedor” – sem a mesma tecnologia de absorção de suor – custa em média 250 reais. Já a segunda pele, usada por baixo do uniforme, sai em torno de 100 reais. Segundo Marcelo Gomes, as marcas gastavam cerca de 10% a mais para produzir uma camisa de manga comprida. Isso, no entanto, não representa um grande enxugamento nas contas. “Não posso dizer que economizamos, pois temos de atender à quantidade solicitada de camisas térmicas e o custo acaba sendo direcionado a este produto.”

Moda das camisas térmicas chegou a todos os clubes e marcas Eduardo Carmim/Folhapress/Marcelo Soubhia/Laurens Lindhout/Getty Images

A extinção da peça estilosa foi do campo para as lojas. Atualmente, trata-se de uma missão praticamente impossível encontrar modelos de manga comprida nas prateleiras e lojas on-line. “Esse produto tem um custo maior e, pelo fato de o Brasil ser um país tropical, sempre teve saída pequena. Com o desenvolvimento das camisas térmicas de manga comprida, ela saiu totalmente da linha das marcas”, explica Caio Campos. Nem mesmo clubes de países frios como a Rússia oferecem tal opção em suas lojas virtuais. E até muitos goleiros, que em décadas passadas ostentavam uniformes mais grossos, por vezes emborrachados nos braços e cotovelos, aderiram à nova moda das mangas curtas combinadas com as camisas térmicas.

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Cristiano Ronaldo e Griezmann, os rebeldes

Floor Wesseling foi o responsável por desenhar as camisas da Nike para a Copa do Mundo de 2014, incluindo o uniforme da seleção brasileira. A VEJA, o designer holandês revelou a demanda feita por uma estrela do futebol mundial, que insiste em resistir à mudança. “Apenas uma pessoa se recusou a usar apenas camisas de manga curta: Cristiano Ronaldo. Por exigência dele, Portugal foi a única seleção com modelos de manga longa disponíveis na Copa do Brasil.”

O astro da Juventus, no entanto, parece ter aprendido a lição de Beckham. No calor de Salvador, optou pelas convencionais mangas curtas na derrota para a Alemanha. No empate diante dos EUA, na sufocante umidade de Manaus, até tentou usar as mangas longas, mas desistiu no intervalo. Só na última partida, a vitória contra Gana, em Brasília, Cristiano conseguiu utilizar a vestimenta de sua preferência durante todo o jogo, justamente quando marcou seu único gol naquela Copa.

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Superstição ou estilo? Cristiano nunca explicou ao certo sua predileção, mas os fãs mais atentos notaram uma coincidência. Foi com os braços à mostra que o craque viveu suas maiores frustrações no início de carreira: a derrota em casa para a Grécia na final da Eurocopa de 2004 e a eliminação para a França na semifinal do Mundial de 2006. Desde então, Cristiano raramente abriu mão das camisas de manga longa em momentos decisivos. E foi com elas que ergueu cinco Ligas dos Campeões e a Euro de 2016.

Cristiano na Euro-2004 e, dez anos depois, coberto no calor da Amazônia Laurence Griffiths/Kevin C. Cox/Getty Images

Cristiano não é o último romântico. O francês Antoine Griezmann, campeão do mundo pela França e recentemente contratado pelo Barcelona junto ao Atlético de Madrid, também costuma pedir às equipes que produzam camisas de inverno exclusivas para ele usar. Na final da Copa do Mundo de 2018, diante da Croácia, Griezmann foi o único atleta a cobrir os braços em Moscou. “Gosto de mangas longas e da camisa 7 por causa do Beckham. É meu ídolo”, explicou Griezmann em entrevista à revista GQ.

Griezmann, o único jogador francês cobrir os braços na campanha do bicampeonato mundial Koji Watanabe/Getty Images

O fator tatuagem

Há outro motivo que ajuda a explicar a preferência dos atletas da atual geração pelas mangas mais curtas (e, em alguns casos, até calções dobrados, para deixar as pernas à mostra): a profusão de tatuagens. São poucas as estrelas da bola que não tenham “obras de arte” espalhadas por todo o corpo. Certa vez, o atacante Dudu chegou a dizer que preencheu o corpo com tatuagens para “passar o tempo” na Ucrânia, nos tempos tediosos de Dínamo de Kiev.

Até mesmo o sempre discreto Lionel Messi aderiu à moda e hoje já tem os braços e até as canelas cobertas por tatuagens —algumas de gosto duvidoso. Novamente, Cristiano Ronaldo vai na contramão. O camisa 7 não tem um desenho no corpo sequer. Um dos motivos é o fato de participar constantemente de campanhas de hemocentros (se optasse pelas agulhas com tinta, ficaria ao menos quatro meses impedido de doar).

Neymar, um dos ‘gibis’ da bola e o lateral Fábio Santos, que dobra até o calção para exibir sua tatuagem Buda Mendes/Marcelo Endelli/Getty Images

No futebol, só não vale jogar de “regata”

Se as camisas de manga longa correm risco de extinção, outro modelo está terminantemente vetado do futebol há anos: as camisas regata, utilizadas tradicionalmente no basquete. Em 2002, a Puma e a seleção de Camarões até tentaram provocar uma ruptura na moda futebolística, mas acabaram esbarrando nas normas da Fifa. O time liderado por Samuel Eto’o venceu a Copa Africana de Nações no início do ano vestindo um revolucionário modelo sem mangas, para enfrentar o forte calor no continente – e, claro, faturar com a novidade.

O time, no entanto, foi proibido pela Fifa de utilizar o mesmo modelo na Copa do Mundo da Coreia do Sul e do Japão. A regata uniforme foi considerada pela entidade como “um colete, não uma camisa”. Além disso, a Fifa justificou o veto dizendo que seria preciso um espaço com tecido no braço dos jogadores para incluir os “patches”, como são chamados os brasões oficiais do torneio estampados nos uniformes. Camarões, então, teve de adaptar seu uniforme costurando mangas pretas, deixando o verde da regata original em evidência. Nas Copas seguintes, a Fifa adotou regras mais rígidas (não permite uniformes com mangas de cor diferente, por exemplo).

Seleção de Camarões na Copa de 2002
O polêmico uniforme da seleção de Camarões na Copa de 2002 Neal Simpson/Getty Images

 

 

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